Reportagem
Tecnologia guia o varejo rumo à hiperpersonalização
Dilema envolve uso invasivo, que tende a afastar o cliente
Por Juliana Portugal
Em um cenário em que os dados já valem tanto quanto os produtos, o varejo vive uma transformação guiada pela inteligência artificial. A tecnologia deixou de ser apenas uma ferramenta de automação e passou a ocupar o centro das estratégias de relacionamento com o consumidor. Quanto mais as marcas aprendem a interpretar o comportamento de compra, maior se torna a busca por experiências sob medida.
Para Ricardo Pastore, coordenador do núcleo Retail Lab da ESPM, compreender esse equilíbrio começa com o entendimento do próprio papel da IA dentro das empresas. “O uso inteligente de dados se inicia com a coleta de informações do público que a marca pretende analisar. Depois, é fazer cruzamentos, comparações e triangulações para criar insights, que vão alimentar a tomada de decisões. A IA não age sozinha. Ela depende do acesso aos dados do consumidor e, consequentemente, da análise dessas informações”, explica.
Pastore salienta que o avanço da personalização é uma tendência que deve ganhar cada vez mais espaço, mas que precisa ser conduzido com responsabilidade. “Até que ponto a personalização impulsionada por IA melhora a experiência do consumidor — e quando ela começa a ser invasiva — é uma das discussões mais presentes hoje”, diz. “Todo mundo busca oferecer uma melhor experiência e, vale lembrar, a experiência é do cliente, não da marca. A marca escolhe recursos, investe e disponibiliza pontos de contato, mas é o consumidor quem decide se vai se engajar ou não”, completa.
“Todo mundo busca oferecer uma melhor experiência e, vale lembrar, a experiência é do cliente, não da marca. A marca escolhe recursos, investe e disponibiliza pontos de contato, mas é o consumidor quem decide se vai se engajar ou não”
Ricardo Pastore, coordenador do núcleo Retail Lab da ESPM
Empoderamento
Segundo o especialista, o público tem se mostrado mais aberto às interações com sistemas inteligentes, especialmente entre as gerações mais jovens. “O consumidor não se importa em interagir com IA. Dos millennials para frente, há uma compreensão maior de que o processo de compra evoluiu. Ele confia que a jornada vai entregar o que espera — o que realmente irrita é encontrar entraves, seja no atendimento humano ou digital”, afirma.
O especialista acredita que a próxima fase do varejo será marcada pela hiperpersonalização e pela autonomia do consumidor. “No futuro, veremos a automação ainda mais intensa, com a personalização se tornando cada vez mais viável. O poder de escolha que temos hoje sobre quando e onde receber um produto pode se estender à formulação dele. Se um consumidor precisa reduzir o consumo de sódio, por exemplo, talvez seja possível cocriar produtos a partir dessa necessidade. Esse será o verdadeiro empoderamento do cliente”, conclui.
Foto: Getty Images