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Sua marca é reconhecida? Ótimo! Agora vem a parte difícil
Premiação da Enel no evento Marca Mais, realizado em parceria entre a Troiano Branding e o Estadão, causou surpresa e revela como a perda de credibilidade pode ser rápida em momentos de crise
Por Igor Ribeiro – editada por Mariana Collini
No começo da noite de quarta-feira, 23, choveu muito em São Paulo. Seria natural que alguns convidados para o Marca Mais 2024 se atrasassem e, assim, a cerimônia começasse mais tarde, como aconteceu. Também foi compreensível que, mesmo iniciada a premiação, alguns poucos vencedores ainda estivessem no carro desbravando o trânsito paulistano e não no palco para receber seu reconhecimento. Porém, dentre eles, a ausência de um representante chamou mais a atenção que outros: a Enel.
Àquela altura, e com aquela chuva, qualquer profissional da concessionária tinha responsabilidades maiores do que resgatar seu prêmio. O que chamou a atenção, porém, foi ter sido justamente a vencedora na categoria Serviços de Energia. Uma empresa que, afinal, está sob forte escrutínio público desde os apagões em São Paulo devido às fortes chuvas no começo de outubro. O burburinho no auditório da cerimônia foi geral: Por que a Enel ganhou? E por que sua estratégia de branding, se é tão forte, não se descolou da crise?
“Acredito que faltou avisarmos claramente quando que a pesquisa foi realizada, entre julho e agosto, portanto muito antes das fortes chuvas recentes”, explica Jaime Troiano, fundador e presidente do conselho da Troiano Branding, que realiza o Marcas Mais junto ao Estadão. “Provavelmente um novo estudo, realizado mais recentemente, teria resultados diferentes.” Foram entrevistados 13 mil homens e mulheres das classes A, B e C nas cinco regiões do Brasil. A metodologia indica vencedores conforme um índice de engajamento que combina o nível de conhecimento da marca, o padrão de preferência para adquiri-la, um possível grau de rejeição que ela evoca e seu nível de associação a atributos-chave da categoria em que ela pertence.
“A pesquisa foi realizada, entre julho e agosto, portanto muito antes das fortes chuvas recentes”, Jaime Troiano
Fortes chuvas também provocaram apagões em São Paulo no final de 2023. Mas aquele episódio não feriu o nível de engajamento dos consumidores posteriormente, quando o serviço estava estabilizado. “Quando uma marca tem no branding uma parte de sua estratégia de negócio, ela está constantemente construindo seus atributos junto aos consumidores e públicos de interesse”, explica Galileu Nogueira, fundador e CEO da Galileo Branding. “Dessa forma, num possível cenário de crise, os consumidores tendem a dar um voto de confiança, pois sabem que aquela marca pode atender à expectativa, responder rápido e tentar solucionar o problema.”
É essencial que as marcas tenham realizado um trabalho prévio junto ao seu público, com benefícios, comodidades, planos de fidelidade, canais de contato eficientes, que resultam em bons níveis de aprovação junto às pesquisas de mercado. Companhias aéreas, que pontualmente sofrem grande impacto reputacional devido à magnitude da queda de um avião, costumam fazer gestão de crise e de marca com bastante eficiência, aponta Nogueira. Este é o tamanho da relevância de uma estratégia de branding consistente, viva e alinhada a diversos departamentos da empresa, como comunicação institucional, atendimento e operações. Por isso que é tão essencial ter um planejamento prévio e sólido, que preveja cenários de crise, suas respostas e soluções.
“A Cobasi passou por um problema grande com as enchentes no Rio Grande do Sul, por causa de uma unidade que acabou deixando animais se afogarem no subsolo, mas já tinha um trabalho de branding muito bem-feito, que atenuou o impacto corporativo, pois era um tragédia dentro de uma grande rede de lojas” — relembra Troiano —, “e ainda se manifestou rapidamente, fazendo com que o público tolerasse um pouco mais”.
Empresas cuja comunicação é fortemente alinhada à missão de sua liderança também costumam ter, entre seu público de interesse, consumidores tolerantes aos deslizes e, não raro, verdadeiros embaixadores da marca, o que atenua o impacto de grandes crises. “Recentemente tivemos o caso da Boca Rosa, com um produto que deu problemas logo no lançamento, e a Bianca (Andrade), como influenciadora e dona da marca, respondeu prontamente, trouxe soluções, pediu às pessoas que se sentiram lesadas que falassem com o SAC para reembolso, e depois ela se responsabilizou por corrigir e mudar o produto”, exemplifica o CEO da Galileo. Outras marcas no Brasil cujos fundadores têm grande impacto no público e costumam defender seus atributos são Magazine Luiza (Luiza Trajano); Reserva (Rony Meisler); e Ultrafarma (Sidney Oliveira).
Ouvir o pulso da marca
O branding pode trazer ferramentas para ajudar em crises, mesmo que um trabalho prévio não tenha sido consistente? “Tem a pesquisa de saúde de marca, com diferentes nomes no Brasil e no exterior é chamada de Brand Health Tracking”, sinaliza Nogueira. “As boas empresas, que levam o branding a sério, alinhado a aspectos reputacionais, e que entendem que a marca é um ativo da empresa, realiza essa pesquisa mensalmente”, complementa. “É uma ferramenta que ajuda a entender como a sua marca está sendo consolidada na cabeça de um público de interesse. Depois de uma crise, tem um histórico de dados que ajuda a entender o quão ruim foi, se não foi só numa bolha, com que rapidez se mitigou o prejuízo; e se isso arranhou ou não a reputação da marca.”
Muitas vezes, as equipes de marketing ou social listening captam um ruído a respeito de um serviço ou produto, mas não levam em consideração variáveis que minimizariam o problema. Um exemplo é tomar como base trending topics, os assuntos mais comentados em plataformas sociais. Ainda que estejam falando de um tema nocivo para a marca, talvez a parcela de consumidores engajada naquilo seja uma porcentagem diminuta dentro do público de interesse. A pesquisa de saúde de marca ajuda a entender fatores como este.
“Quando uma marca tem no branding uma parte de sua estratégia de negócio, ela está constantemente construindo seus atributos junto aos consumidores e públicos de interesse”, Galileu Nogueira
Serviços públicos, como a Enel, atendem dezenas de milhões de pessoas e os problemas, impulsionados pela mídia e pelas plataformas sociais, podem passar longe do olhar da maioria do público. Ainda assim, Troiano aponta que empresas públicas e concessionárias devem se pautar por um processo de administração de imagem da mesma forma como fazem grandes empresas privadas. “Branding não é esconder os problemas, gerar uma blindagem, uma proteção especial em momentos de crise”, aponta o executivo. “É algo que se tem de usar sempre, com respeito ao seus consumidores. Branding é um verbo, e verbo precisa ser sempre traduzido em ações, é uma ferramenta de uso contínuo que deve fazer parte da gestão da empresa, que tem de ser discutida nas reuniões de board.”
Sobre as polêmicas relacionadas aos serviços prestados recentemente, a Enel enviou nota afirmando que a empresa atende a 24 municípios no estado de São Paulo, capital inclusa, e que “utiliza todos os canais disponíveis, como o site e as redes sociais, além da mídia, para fornecer informações atualizadas e de forma transparente sobre a situação enfrentada e sobre o trabalho para recuperação da rede.” Sobre o Marca Mais, comunicou que o prêmio “representa o resultado das ações realizadas pela companhia durante todo o ano para uma aproximação com seus clientes.”
Sua marca é reconhecida? Ótimo! Agora vem a parte difícil
Foto: Divulgação/