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Oscar celebra o impacto global da ‘marca Brasil’
Além de cultura e esporte, País também tem sido cada vez mais lembrado por produtos como Havaianas, Natura e Oakberry

Por Igor Ribeiro – editada por Mariana Collini
No dia 2 de março, o mundo reconheceu mais um produto brasileiro para exportação: o cinema. Com o inédito Oscar de melhor filme estrangeiro para “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles, audiências globais passarão a acrescentar ainda mais filmes brasileiros às suas watchlists. É o mais recente sintoma de uma crescente popularidade que tem impulsionado mundo afora nossa dramaturgia, música, esporte e a marca Brasil como um todo.
Dados compilados pela Embratur revelaram que em janeiro deste ano, o País teve recorde histórico de entrada de divisas decorrentes do turismo. E o ano passado ficou marcado como o de maior entrada de estrangeiros — foram quase 7 milhões, crescimento de 14,6% em comparação com 2023. Segundo o relatório de insights “O Brasil no centro”, da agência 3mais, as buscas pelo termo “Brazil” (assim mesmo, em inglês) mais que duplicaram no Google em 2024 — no TikTok também tiveram um salto de quase 50%. Na curva de crescimento, o ápice ficou entre junho e agosto, coincidindo com as Olimpíadas de Paris. Mas as medalhas conquistadas por ídolos como Beatriz Souza, Rayssa Leal e Rebeca Andrade não explicam toda a efervescência verde e amarela no estrangeiro.
Segundo Rômulo Vieira, gerente de inteligência e estratégia de marca da 3mais, a análise da agência indica que o país tem sido admirado por diversos ângulos. “Nossa força está na música popular periférica, especialmente o funk, nas belezas e singularidades do cotidiano (paisagens, comida, receptividade, lifestyle…), na estética vibrante do verde e amarelo e no futebol que, apesar de nossa percepção interna de baixa, segue admirado globalmente”, diz, acrescentando que essa atmosfera gera oportunidades desperdiçadas pelas marcas que, em sua maioria, têm esforços tímidos e lentos, muitas vezes limitados a tendências passageiras.
“A grande oportunidade está na construção de uma brasilidade estratégica para as marcas, tanto nacionais quanto estrangeiras, que vá além do folclórico ou efêmero. Isso significa entender o Brasil como um vetor cultural global e traduzir essa força em pilares comunicacionais, produtos e experiências que não apenas celebrem o país, mas o projetem como referência no mundo”, afirma Vieira.
Ele cita Havaianas e Natura como exemplos positivos de empresas que sabem se utilizar desses valores para além de tendências passageiras. “A Havaianas reforça sua identidade tropical e democrática, colaborando com diferentes designers e incorporando elementos da cultura pop brasileira para fortalecer sua singularidade. Já a Natura utiliza narrativas ligadas à biodiversidade e à sustentabilidade amazônica para projetar um Brasil sofisticado e inovador.”
Autenticidade de marca
“Para mim, essa procura crescente pela identidade brasileira é um reflexo do desejo global por autenticidade”, diz Isabela Massola, diretora global da marca Natura.
A trajetória da marca no exterior começou com a América Latina, ainda nos anos 1990. Depois, vieram aberturas de operações na França, em 2005, e em Nova York, dez anos depois. Em 2017, a Natura adquiriu a rede de lojas The Body Shop, da L’Oreal. Em 2020, concluiu a compra da Avon e centralizou, em seguida, seu centro de inovação global no Brasil. “Nos próximos ciclos, pretendemos ampliar nossa presença em categorias e explorar territórios estratégicos, consolidando parcerias e intensificando nosso relacionamento com os consumidores”, planeja Massola.
A Havaianas também começou a se posicionar internacionalmente nos anos 1990, aproveitando o clima da Copa do Mundo da França, quando criaram o modelo que levava a bandeira brasileira na tira. “Enviamos o estoque da linha Brasil para a Europa e as vendas foram um enorme sucesso”, relembra Maria Fernanda Albuquerque, vice-presidente global de marketing Havaianas. “Até hoje, o modelo ‘Havaianas Brasil Logo’ continua sendo um dos mais vendidos internacionalmente, solidificando a marca no cenário global.”
Em 1999, as sandálias participaram de um desfile de Jean Paul Gaultier, na semana de moda de Paris, marcando o início de uma série de colaborações internacionais. No tapete vermelho do Oscar de 2003, todos os indicados receberam um Havaianas customizadas. Em 2016, um par foi exposto no Museu de Arte Moderna de Nova York, numa exposição que celebrava objetos de grande impacto na sociedade. Em 2018, estreou na semana de moda novaiorquina, em desfile da Dion Lee. Hoje, a marca tem mais de 400 lojas no mercado internacional, além das 600 brasileiras, e e-commerce em mais de dez territórios.
Já a Oakberry possui cerca de 800 lojas em 50 países, um aumento de 45% em sua rede na comparação de 2024 com o ano retrasado. A rede já nasceu, em 2016, com foco no exterior — ainda que as primeiras unidades tenham sido brasileiras. “Acreditamos em uma marca forte o suficiente para transformar o açaí em uma categoria, e não em uma commodity estereotipada”, diz Bruno Cardinali, CMO da Oakberry.
Apesar de o foco principal fora do Brasil ser os EUA — onde planejam abrir 200 lojas até o fim de 2026 — Ásia e Europa também fazem parte da expansão. “A Oakberry sempre se posicionou como uma marca brasileira global. O crescimento do interesse pelos principais ícones do país reforça nossa estratégia de destacar a origem, a qualidade dos ingredientes e a conexão com o estilo de vida saudável e dinâmico que o Brasil representa”, explica Cardinali.
Potência digital
A forte projeção que tem o Brasil no ambiente digital é outro aliado poderoso nesse processo. “O engajamento brasileiro na internet é massivo e projeta um soft power que deve ser usado estrategicamente”, diz Vieira, da 3mais. “Não só participamos em tudo na internet, mas essa interação nos coloca em várias conversas globais.” Dados de 2024 da We Are Social apontam que o Brasil é o segundo país em que os usuários passam mais tempo on-line, cerca de 9h13, perdendo apenas para a África do Sul.
Assim que qualquer aspecto nacional ganha o mínimo de atenção internacional, a massa brasileira invade a internet para a sua exaltação. No ano passado, o ator Vincent Martella teve um aumento de 300 mil para 5 milhões de seguidores ao acolher os internautas brasileiros que entupiam as redes de Tyler James William. Ambos atuaram na série “Todo mundo odeia o Chris”, mas William, o protagonista, irritou-se com tanta gente falando português em seu feed, enquanto Martella teceu elogios ao Brasil.
“Os gringos já entenderam que falar sobre o Brasil gera engajamento. Nossa oportunidade é ampliar essa conversa, garantindo que nossa cultura esteja continuamente no centro”, recomenda Vieira. Não é um objetivo complexo, diz ele, já que o brasileiro médio tem comportamento expansivo, comunicativo e festeiro. “A oportunidade agora é transformar essa curiosidade em um ciclo, no qual a cultura brasileira seja não só tema, mas referência e inspiração. Mais que apenas sermos comentados, penso que a chave está em direcionar essa atenção para que o Brasil esteja no centro de algumas das narrativas globais. Isso significa potencializar conteúdos, criadores e marcas brasileiras para que esse engajamento gere valor para o país.”
Com o recente reconhecimento internacional de Fernanda Torres, por exemplo, a atriz teve engajamento 6,8 vezes maior desde o Globo de Ouro que a soma das outras quatro concorrentes ao prêmio de melhor atriz no Oscar — levado por Mikey Madison. O executivo da 3mais aponta que a vitória do filme “Ainda Estou Aqui” em meio ao Carnaval tende a se transformar em uma celebração coletiva que gera memórias únicas. “Mais que o holofote imediato, acho que esse reconhecimento joga luz sobre um Brasil multifacetado, que muitos ainda não conhecem. É a chance de apresentar o Brasil para além dos estereótipos, mais plural e sofisticado”, explica Vieira.
Além de Anittas e Rayssas
A música e o futebol brasileiros já têm lugar cativo no imaginário internacional. Muito disso se deve a legados históricos, deixados por ícones como Carmem Miranda, Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Pelé, Sócrates, Ronaldo, Marta.
Porém, isto não faz parte de uma política constante. A projeção da marca Brasil ainda depende demais da iniciativa de grandes marcas e da ascensão de fortes nomes das novas gerações — as Anittas e Rayssas da atualidade. Nesse contexto, o relatório da 3mais aponta que soft power deveria ser estratégia diplomática.
Foi a partir do cinema, na primeira metade do século passado, que o mundo criou um desejo idílico pelos Estados Unidos. Da mesma forma, países asiáticos têm usado dessa tática para se projetar no exterior, especialmente a Coreia do Sul, exportando música, séries, novelas e filmes. Grande parte desse trabalho contou com forte apoio do poder público.
Diversas instituições têm programas de apoio e promoção de iniciativas brasileiras no exterior, seja no âmbito governamental — como Embratur, Apex e Ministério das Relações Exteriores —, seja no associativo — como Confederação Nacional da Indústria, Sebrae e federações estaduais. Mas ainda há espaço para maior desenvolvimento.
“Embora a diplomacia brasileira seja eficiente em várias frentes, a diplomacia cultural ainda carece de estrutura e investimento estratégico. Diferente de países asiáticos, por exemplo, que mobilizam esforços massivos para exportar sua música e audiovisual”, afirma Vieira.
O País se tornou rota obrigatória de eventos globais importantes, particularmente depois da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016. São diversos festivais de música, eventos de tecnologia, cúpulas políticas, fóruns internacionais e até jogos oficiais de ligas esportivas estrangeiras — uma minoria dentre eles foi ativada de forma transversal, unindo marcas, autarquias, governos e outras instituições.
“O desafio agora é transformar esse reconhecimento em um movimento contínuo. Intensificar os esforços que consolidam o Brasil como potência cultural global”, aponta o executivo da 3mais. Se o interesse corrente vem de uma curiosidade pela forma que os brasileiros encaram a arte, a vida, a moda e a natureza, torna-se ainda maior a possibilidade de interação, uma vez que as audiências globais tiverem conexões mais autênticas com nossas cores.
Maria Fernanda Albuquerque, das Havaianas, cita o exemplo de outras culturas que são particularmente interessados pelas cores vibrantes do Brasil, mesmo que muitas vezes não consigam explicar direito o que causa esse entusiasmo. “Eu gosto de trazer nossos parceiros e times internacionais para cá”, conta a executiva. “É um momento único de descobertas para eles.” E descobrir o Brasil não deveria ser nenhuma tarefa muito complexa, já que como um bom país tropical, ele nunca está muito coberto.
Oscar celebra o impacto global da ‘marca Brasil’
Foto: Reprodução