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O anime que transformou o vôlei em febre no Japão, abraçou o Brasil e tem fãs na seleção
Boa fase da equipe japonesa coincide com sucesso de Haikyu, que tem ajudado a divulgar o esporte e também conquistou brasileiros, a ponto de colocar protagonista para passar temporada no Rio
Por Bruno Accorsi
“Não precisamos de memórias”, diz a tatuagem no braço direito de Darlan, oposto da seleção brasileira e melhor jogador da última edição da Superliga de Vôlei, jogando pelo Sesi-Bauru. A escrita da frase é japonesa para ser fiel à sua origem, pois trata-se do lema de Inarizaki, escola fictícia da popular série Haikyu!!, que têm o vôlei no centro de seu enredo e ganhou filme lançado recentemente no Brasil, após fazer sucesso em forma de mangá e se popularizar ainda mais ao virar anime, termos utilizados para se referir aos quadrinhos e desenhos animados japoneses, respectivamente.
A história de Shoyo Hinata, um estudante de 1,64 metro que sonha se tornar um respeitado jogador de vôlei e compensa a baixa estatura com a capacidade que tem de saltar muito alto, cativou o Japão e diferentes países ao redor do mundo.
Criado por Haruichi Furudate, o mangá já vendeu 60 milhões de cópias desde 2012, quando foi publicado, e está em seu 45º volume. Já o anime, disponível na Crunchyroll – subsidiária da Sony especializada em produtos de mídia asiáticos -, e na Netflix, tem quatro temporadas. O filme, lançado em fevereiro de 2024 nos cinemas japoneses, teve bilheteria de 10 bilhões de ienes (R$ 333,6 milhões) e começou a ser exibido em novos países no dia 31 de maio, inclusive no Brasil.
O sucesso no Japão tem levado consumidores da série a se envolverem em nível mais profundo com o vôlei. Mais de 50 mil meninos japoneses que cursam o Ensino Médio participam de clubes de vôlei escolares, número que era de 35 mil em 2012, de acordo com dados divulgados pela agência de notícias AFP.
Até a Federação Internacional de Vôlei (FIVB) percebeu o apelo da série e viu nela o potencial de trazer mais espectadores para as competições oficiais, por isso a Liga das Nações, cuja segunda janela da competição masculina está sendo disputada nesta semana em Fukuoka, no Japão, apostou em uma parceria com Haikyu. Foram desenvolvidos produtos licenciados, como um pôster que mistura jogadores da série e atletas reais, caso do levantador Bruninho, da seleção brasileira.
Além disso, a rede de televisão TBS, responsável pela transmissão da competição no Japão, produziu todo o seu material de divulgação utilizando imagens do filme, intitulado Haikyu!!: a Batalha do Lixão, em divulgação casada do torneio e da produção audiovisual.
Base de fãs no Brasil e arco de Hinata no Rio
No Brasil, o sucesso não é tão estrondoso como no país de origem, mas a relação com o esporte real se faz muito presente. Durante o pré-lançamento do filme, no Shopping Pátio Paulista, na semana passada, jogadores brasileiros de vôlei marcaram presença. Os irmãos Darlan, conhecido por fazer gestos do anime Naruto durante as partidas, e Alan foram os representantes dos convocados da seleção para a Liga das Nações. Gabriel Bertollini (Itambé-Minas), Eric Endres (Sesi-Bauru) e o campeão olímpico Douglas Souza, recém-saído do Farma Conde-São José, também marcaram presença.
“Eu tenho essa tatuagem que é o lema da Inarizaki, é o lema ‘não precisamos de memórias’. Eu carrego muito esse anime no meu coração”, comentou Darlan, em vídeo divulgado pela Sony. “É um menino que tem baixa estatura, mas que é fã de vôlei, gosta de vôlei, que vive aquilo com o coração”, acrescentou Bertollini, ao explicar por que gosta da série.
A proximidade com a cultura japonesa é vista pelo estafe de Darlan como algo positivo à imagem do atleta e que pode ser utilizado para expandir o interesse pelo vôlei brasileiro. “Onde tem grandes comunidades, existem enormes oportunidades. Acredito que dessa conexão podem surgir inúmeras possibilidades de marketing para os fãs atuais”, afirma Renê Salviano, CEO da Heatmap, empresa que faz gestão dos contratos de patrocínios dos atletas, aproximando-os de marcas que tenham o objetivo de contratá-los como embaixadores, entre eles o oposto da seleção.
“Podemos ter o surgimento de novos fãs, reforçar a internacionalização do vôlei brasileiro, um intercâmbio com o continente asiático. Enfim, várias possibilidades. Temos o Darlan, astro atual do nosso vôlei, que é um fã e até mesmo pode se tornar uma mola propulsora deste movimento mundo afora. Já estamos estudando algumas possibilidades e em breve teremos novidades”, conclui.
Entre os fãs que não são jogadores, a relação com Haikyuu também é intensa. O gerente de licenciamento e criador de conteúdo Pedro Castro, de 30 anos, conheceu a série por meio do anime, na época em que a terceira temporada era a mais recente. Encantou-se, devorou os episódios rapidamente e decidiu se aprofundar lendo os mangás.
A descoberta o fez reforçar uma conexão que já tinha com o vôlei, esporte que gostava de jogar na escola e acompanhava na TV quando criança, porque sua mãe adorava assistir. “Quando comecei a assistir Haikyuu essa paixão reacendeu, voltei a jogar com amigos e acompanhar a Olimpíada. Eu lembro de muito pequeno acompanhar aquele difícil Brasil x Itália na Olimpíada de Atenas”, conta ao Estadão.
Pedro também esteve na pré-estreia do filme, pois mantém um canal no YouTube, no qual se apresenta como Ped Games e produz conteúdo, principalmente sobre Haikyu, embora aborde produções da Marvel e outros animes. Na sessão, encontrou-se com os jogadores e demais fãs, que lotaram a sala vestindo as camisas dos clubes fictícios do anime. Muitos deles também gostam de jogar e de assistir aos jogos da seleção.
“Animes esportivos tem esse poder mesmo, assistimos e já queremos sair praticando, jogando. Acho que faz parte do nosso espirito torcedor e com vontade de ganhar. Haikyuu consegue fazer exatamente isso. Só de ver uma pessoa vestir o uniforme do time já dá uma vontade de jogar”, afirma Ped.
Com a chegada do filme ao Brasil, ele espera que a produção japonesa ganhe novos fãs e, assim como no país asiático, contribua para que mais pessoas se interessem pelo vôlei e passem a acompanhar mais de perto a multicampeã seleção brasileira, dona de 11 medalhas olímpicas na soma do masculino e feminino, cinco delas de ouro.
“É uma coisa que falo desde quando comecei a falar de Haikyuu no canal. Trazer com qualidade e acessível para o público brasileiro é muito importante. Eu estava lá quando lançaram o mangá em português e foi um sucesso de vendas. Depois o anime chegou dublado em português e hoje está na Netflix. Quanto mais acessível, mais pessoas podem ter a oportunidade de conhecer uma obra maravilhosa. Com o filme não é diferente. Mesmo quem não assistiu as quatro temporadas anteriores vai se emocionar, se arrepiar, se sentir feliz e vai sair de lá ‘viciado em vôlei’”, diz.
Por ser uma potência do vôlei mundial, o Brasil é uma boa aposta para os distribuidores da série. O País, aliás, aparece em um arco do mangá. No volume 42, Hinata, já fora da escola após se formar, passa dois anos no Rio de Janeiro, onde trabalha meio-período como entregador de comida e treina vôlei de praia para aprimorar sua técnica. Ele até forma uma dupla com um personagem brasileiro, Heitor Santana.
Vôlei japonês vive grande momento
Começou na madrugada desta quarta-feira a segunda semana da Liga das Nações masculina. Após partidas no Rio, a nova etapa tem duelos divididos entre Fukuoka, no Japão, e Ottawa, no Canadá. A seleção brasileira está em solo japonês, mas não cruzará o caminho da seleção anfitriã, que, embora não tenha tantas conquistas quanto o Brasil em sua coleção, possui uma história vencedora e hoje vive grande fase.
A equipe feminina do Japão tem seis medalhas olímpicas, das quais duas são de ouro (1964 e 1976) e a mais recente é o bronze conquistado nos Jogos de Tóquio, em 2021. Também é tricampeã mundial (1962, 1967 e 1974). Já os homens têm um desempenho um pouco menos brilhante, com três medalhas olímpicas – o único ouro foi alcançado em 1972. Em Mundiais, o máximo que conseguiram foi bronze (1970 e 1974).
A seleção masculina japonesa deixou de brilhar depois da década de 1970, porém vive um momento de muito crescimento, que coincide com sucesso de Haikyuu. No ano passado, ao terminar em terceiro lugar na Liga das Nações, voltou a subir ao pódio de uma grande competição de nível mundial após 46 anos.
Na atual disputa da Liga das Nações masculina, após os jogos da primeira semana, o Japão ocupa a sexta colocação, duas acima do Brasil, oitavo. Já no ranking mundial de Federação Internacional de Vôlei (FIVB), estão em quarto lugar, também à frente dos brasileiros, donos da sexta colocação. Os três primeiros colocados são Polônia, Itália e Estados Unidos.
Yuji Nishida, Yuki Ishikawa e Ran Takahashi, estrelas japonesas que jogam na liga italiana, hoje são os rostos dessa geração que elevou o patamar do vôlei masculino japonês. Nishida, 24, e Takahashi, 22, já falaram em diversas entrevistas que são fãs de Haiykuu desde adolescentes. Não é raro encontrar vídeos pelas redes sociais com títulos como “Hinata da vida real” ou “Salto incrível de Haikyuu na vida real”, nos quais os astros do vôlei do Japão são os protagonistas. Ishikawa foi ainda mais longe na relação com a série e até aparece no volume 41 do mangá, jogando com Hinata.
Onde achar Haikyu!! no Brasil?
O mangá foi lançado no Japão em 45 volumes. A coleção brasileira, publicada pela editora JBC, junta dois números em cada edição – ou seja, a coleção completa terá 22 revistas, das quais 12 já foram publicadas. É possível achar o mangá nos principais sites de vendas e livrarias do país. Os preços de cada volume original variam entre R$ 45 e R$ 50.
O anime que transformou o vôlei em febre no Japão, abraçou o Brasil e tem fãs na seleção
Foto: Divulgação/CBV/Crunchyroll