Reportagem
“É um marketing ainda elitista”
Para Amanda Costa, jovem embaixadora da ONU, a pluralidade de vozes é essencial para o discurso climático pegar
Por Maurício Oliveira
A os 29 anos, Amanda Costa tem uma trajetória marcada pela busca de oportunidades que pareciam impossíveis para uma jovem criada na Brasilândia, uma das maiores comunidades de São Paulo. Ela começou a se interessar pelo tema das mudanças climáticas durante o curso de Relações Internacionais e, ao se conectar com organizações como a Engajamundo, que fomenta o protagonismo jovem na discussão de temas globais, teve a oportunidade de participar de duas Conferências do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU) – a COP-23, realizada em 2017, em Bonn, na Alemanha, e a COP-24, no ano seguinte, em Katowice, na Polônia. Iniciava-se o caminho como ativista que a levou a ser nomeada jovem embaixadora da ONU e a ingressar na lista de lideranças com menos de 30 anos da revista Forbes.
Cada nova conquista ou reflexão é compartilhada nas redes sociais com os seguidores, que Amanda carinhosamente chama de “lindezas climáticas”. “Percebi que minha missão é tornar o tema da sustentabilidade mais familiar e acessível para as pessoas com a mesma origem que eu”, lembra ela, que é uma das fundadoras da ONG Perifa Sustentável e está passando o ano em Londres para cursar mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente na The London School of Economics and Political Science (LSE), uma das mais prestigiadas escolas de ciências econômicas e políticas do mundo. “É uma experiência fantástica. As 50 pessoas da turma têm 35 nacionalidades diferentes”, conta Amanda – que, para manter a tradição de participação nas conferências da ONU, está arrumando as malas para a COP-30, em Belém (PA).
Percebi que minha missão é tornar o tema da sustentabilidade mais familiar e acessível para as pessoas com a mesma origem que eu”
Amanda Costa, jovem embaixadora da ONU
Como você avalia, de forma geral, o tratamento que o tema sustentabilidade vem ganhando no marketing e nas redes sociais?
É um marketing ainda elitista. A linguagem deveria ser mais acessível, para que todas as pessoas possam entender o que está sendo discutido e quais são os caminhos que a gente pode trilhar. Outro ponto é que a realidade da maioria dos brasileiros precisa ser considerada, e isso não acontece quando só aparecem rostos de pessoas ricas, que falam “gratidão”, abraçam árvores e não comem carne. Nas famílias periféricas, o consumo de carne está muito atrelado à ascensão financeira. É um símbolo de vitória. Meus pais, quando crianças, não podiam comer carne porque não tinham dinheiro para comprar. É óbvio que há várias problemáticas na cadeia de produção da carne, mas um discurso que simplesmente a condena não vai alcançar o grande público. Por isso é fundamental ter diversidade de vozes pautando os temas de sustentabilidade; senão, as pessoas nem sequer vão parar para ouvir.
O que os departamentos de marketing das empresas podem fazer para ajudar a transformar esse cenário?
O primeiro ponto seria mudar algo que é bem paradoxal: os perfis que mais engajam são os que estimulam o consumo, e não a discussão mais aprofundada sobre sustentabilidade e o futuro que queremos. São rostinhos bonitos que estão lá vendendo uma coisa atrás da outra – o produto vegano X, a linha de skincare Y –, como se a indústria tivesse se apropriado do debate sobre sustentabilidade apenas para continuar vendendo. É infinitamente mais fácil para mim fazer publis do que captar recursos para o Perifa Sustentável, que desenvolve um trabalho no mundo real. Gostaria que fosse o contrário, mas isso depende das empresas. Se elas estão realmente comprometidas em transformar a realidade, nem tudo precisa ser pensado, em primeiro lugar, pela ótica do marketing.
Avaliem a possibilidade de adaptar a estrutura de poder para uma composição realmente mais inclusiva e diversa”
Amanda Costa, jovem embaixadora da ONU
Como você faz para avaliar propostas de parcerias feitas pelas empresas?
Trabalho com uma agência, a Côrtes & Cia, primeira agência de criadores de conteúdo negros criada na América Latina, que cuida da minha imagem e me ajuda a tomar essas decisões. O critério essencial é que, antes de qualquer coisa, tenho uma causa à qual sou fiel. Por conta desse perfil de ativista, eu resistia à ideia de estar nas redes, até que um amigo disse que eu tinha a obrigação de compartilhar com a galera do meu território tudo o que eu estava vivendo – e que seria egoísmo não fazer isso. Essa frase me pegou muito. Foi quando percebi que minha missão é tornar o tema da sustentabilidade mais familiar e acessível para as pessoas com a mesma origem que eu. Só que eu não quero ter a minha imagem atrelada a qualquer empresa. Então a gente faz uma análise bem criteriosa. Um dos aspectos que verificamos é a diversidade de raça e gênero na própria equipe de marketing que fez o contato. Se a empresa diz que faz e acontece em ESG, mas na reunião só tem homem branco, alguma coisa não está batendo. Por isso, se eu pudesse deixar um recado para as empresas, seria este: avaliem a possibilidade de adaptar a estrutura de poder para uma composição realmente mais inclusiva e diversa.
Como nasceu a ideia de criar o Perifa Sustentável?
Logo que comecei a participar dos fóruns globais, eu me sentia sozinha por não ver pessoas parecidas comigo. As pessoas lá eram quase todas brancas e ricas. Isso aumentou a minha vontade de me comunicar com a minha galera. Então participei de um edital internacional voltado a ideias de jovens do Sul Global, com o objetivo de criar um projeto que pudesse levar tudo aquilo que estava sendo discutido sobre sustentabilidade para as quebradas do Brasil – e isso envolvia não apenas informação, mas também atividades práticas. Esse foi o embrião do Perifa Sustentável, que criei ao lado de duas amigas e de um pessoal mais experiente, que ajudou em toda a parte burocrática e legal.
É fundamental ter diversidade de vozes pautando os temas de sustentabilidade; senão, as pessoas nem sequer vão parar para ouvir”
Amanda Costa, jovem embaixadora da ONU
A sua trajetória de conquistas teve como um dos capítulos mais recentes a obtenção de uma bolsa de estudos na LSE. Muitas portas só se abriram por conta da sua fluência em inglês desde cedo, algo difícil para quem vem da periferia. Como você aprendeu o idioma?
Sempre fui estudiosa e, aos 12 anos, fiquei sabendo que um amigo estava estudando inglês em uma escola de idiomas próxima. Perguntei aos meus pais se eu também podia estudar lá, e eles fizeram um sacrifício para pagar o curso. Minha mãe me ensinou que conhecimento é a única coisa que ninguém tira da gente, e meu pai sempre foi muito presente e dedicado à família. Sou abençoada por ter uma família estruturada, algo raro na periferia. Estudei nessa escola de idiomas até os 18 anos, até que passei em um programa para ser conselheira de acampamento de verão nos Estados Unidos. Trabalhei durante três meses na Califórnia e aí aprendi o idioma de vez, na prática, com as criancinhas me corrigindo. Tudo na minha vida tem sido assim: uma coisa puxa a outra, mas nada cai do céu.
Foto: arquivo pessoal