Inteligência artificial e até raios cósmicos viram apostas de startups na mineração ‘verde’
Grandes empresas buscam ajuda de companhias de tecnologia para resolver desafios da área
Por Guilherme Guerra
Na busca por uma mineração mais “verde”, as startups e as gigantes multinacionais formam um par perfeito. As primeiras são ágeis para colocar projetos no ar e olham para metodologias e técnicas com foco na sustentabilidade e na redução de custos. Já as empresas pesos-pesados do setor têm a capacidade financeira de bancar novas maneiras de exploração e mantê-las em vigência por décadas, com visão de longo prazo e escala. No Brasil, é assim que o setor trabalha para renovar a maneira como a exploração do subsolo acontece, mirando a redução da pegada de carbono em toda a cadeia produtiva.
O cupido desse par perfeito é o Mining Hub, com fundação em janeiro de 2019 em Belo Horizonte (MG) e considerado o maior hub de inovação focado em mineração no Brasil. O objetivo da organização é unir pequenas startups a grandes empresas por meio de editais de inovação aberta, formato bastante conhecido em outros campos do mercado de startups, como finanças (fintechs) e saúde (healthtechs). Com a intermediação do Mining Hub, uma multinacional pode colocar a público um desafio a ser resolvido, e as startups saem à procura de soluções que possam resolver o problema com tecnologia. Quem tiver a melhor proposta firma a parceria e fecha negócio.
“Esse é um setor onde grandes empresas costumam fazer negócio com outras grandes empresas. Nós, então, começamos a trabalhar a inovação aberta de uma maneira que as startups desenvolvem possíveis soluções para as grandes mineradoras”, explica Leandro Rossi, diretor executivo do Mining Hub desde janeiro de 2022.
Os ciclos de aceleração incluem desafios em algumas áreas-chave da mineração, como circularidade na cadeia (com reaproveitamento de resíduos), descarbonização e utilização de fontes alternativas de energia, por exemplo. Ao todo, foram 15 ciclos de desafios, com mais de mil startups de 14 países e 22 mineradoras participando do programa, como Anglo American, Samarco e Vale.
“A mineração não é um jogo para pequenas empresas. Então, as startups buscam parcerias com as grandes companhias”, Leandro Rossi, diretor executivo do Mining Hub.
“A mineração não é um jogo para pequenas empresas. Então, as startups buscam parcerias com as grandes companhias”, aponta Rossi. “Elas têm a oportunidade de trabalhar na melhoria de produtos e processos na indústria da mineração.”
A startup Beyond Mining é uma das empresas que passaram pelo Mining Hub. Nascida em 2019 em Belo Horizonte, a empresa fundada por Bianca Nakandakari e Paulo Lopes passou por quatro ciclos de desafios de inovação aberta, tornando-se a companhia mais frequente nos desafios do hub. Além disso, vem crescendo a um ritmo impressionante, de mais de 300% ao ano. O segredo vem da sua aposta tecnológica, que hoje é a queridinha do mercado: a inteligência artificial (IA).
A Beyond Mining usa aprendizado de máquina (machine learning) para otimizar processos e tarefas cotidianas das mineradoras. Não se trata de uma IA generativa, que cria texto, imagens ou vídeos, como o ChatGPT, da OpenAI. Trata-se de uma ferramenta para entender rotinas e que, por meio de bilhões de cálculos, pode prever cenários que um humano levaria horas ou dias para antever.
Na prática, a tecnologia da Beyond Mining consegue realizar muitas tarefas para diferentes setores. Por exemplo, a solução pode reduzir de 5% a 10% o uso de água em uma indústria ou diminuir em 10% a emissão de gases de efeito estufa, diz a empresa. De maneira mais extrema, a IA pode antecipar acidentes e mitigar riscos da operação de uma mineradora em uma barragem.
Paulo Lopes, chefe de operações e cofundador da Beyond Mining, defende a disseminação da IA na cadeia de mineração. Mas a tecnologia, alçada a toda-poderosa no mundo corporativo após a popularização do ChatGPT, nem sempre pode resolver tudo. Às vezes, segundo ele, instalar sensores ou enviar drones podem ser saídas mais eficientes em algum cenário. Em outros, leitura de dados e aprendizado de máquina se saem melhor. “A IA é só uma ferramenta e não é uma bala de prata para tudo. Mas, onde ela puder ser aplicada, ela vai ser a melhor solução”, diz o executivo.
“A IA é só uma ferramenta e não é uma bala de prata para tudo”, Paulo Lopes, chefe de operações da Beyond Mining
Para dar certo, todo modelo de IA precisa de bilhões de dados para ser treinado. No caso da Beyond Mining, a startup mineira utilizou pacotes de dados de pesquisadores mundo afora, bem como de outras empresas, para desenvolver um algoritmo próprio que consiga ser uma solução faz-tudo para diversas áreas do setor. A depender do projeto escolhido, alguns ajustes são feitos no algoritmo (o tal do “fine-tuning”, no jargão do setor da ciência de dados), diz Lopes.
Em meio ao boom da IA, a Beyond Mining vê uma oportunidade de crescer não só no Brasil, onde há pequenas, médias e grandes empresas que podem receber a solução, mas também no mundo. A startup prospecta clientes na África do Sul e Austrália, bem como estuda abrir uma filial em Londres, na Inglaterra, onde já possui alguns funcionários freelancers da área de ciência de dados (essencial para o desenvolvimento de IA). “De lá, queremos ter um posto internacional para conseguir comercializar de forma global a nossa solução”, prevê o executivo.
Solução que vem do espaço
Para a startup de Campinas (SP) Konker, fundada em 2021, o Mining Hub representou uma virada na história da companhia, segundo o presidente executivo da empresa, o alemão Richard Freund. A companhia entrou no programa de desafios do hub de inovação fundado por Leandro Rossi, onde foi aprovada no desafio, conseguiu fechar negócio com a Anglo American e, depois, firmou uma parceria com a Tetra Tech.
A Konker trabalha com uma tecnologia pouco explorada no Brasil e um tanto quanto “futurista”: raios cósmicos. A startup usa a radiação vinda do espaço em direção à Terra para calcular a massa, volume, densidade e até a qualidade do minério de ferro sob um terreno, com menor impacto ambiental do que as tecnologias de prospecção atuais e com mais precisão.
O feito acontece por meio da muografia. A chegada dos raios cósmicos à Terra produz os múons, partícula subatômica semelhante a um elétron e de fonte inesgotável no planeta. Esses múons acabam colidindo com toda e qualquer matéria física, de humanos, animais e plantas a construções, vulcões e subsolos. Com telescópios próprios, é possível ver quantos múons atravessaram algo sólido ou vazio, calcular a densidade dos objetos, mapeá-los tridimensionalmente e transmitir as informações em tempo real. O processo é semelhante a uma tomografia com raio-x computadorizado, mas é inofensivo para humanos e a natureza e consegue ser mais preciso no cálculo de grandes volumes de matéria, como pilhas de minérios de ferro.
O caso mais conhecido de muografia aconteceu nas Pirâmides de Gizé, no Egito, em 2016. Cientistas têm usado essa tecnologia para descobrir túneis, câmaras e túmulos subterrâneos no edifício erguido pelos egípcios há mais de 4,5 mil anos. Os cientistas instalaram detectores de múons em diversos pontos da construção e, ao final do processo, conseguiram mapear locais até então inéditos, com localização e tamanho exatos.
A Konker faz a mesma coisa, mas com telescópios próprios criados no Brasil para a mineração. O resultado é que a análise da startup consegue ser precisa para uma mineradora, discernindo o que é minério de ferro ou rejeitos, por exemplo.
Segundo o Freund, a vantagem dessa técnica é a precisão de 97%. Outro ponto está no fato de que a metereologia não altera a exatidão dos cálculos feitos pelos telescópios, o que significa que a tecnologia funciona todos os dias da semana e em todos horários. “Nós podemos escalar a nossa solução de maneira fácil para toda a indústria, porque oferecemos segurança e eficiência operacional”, aponta o CEO.
Atualmente, a Konker testa se sua medição de múons consegue ir além de minérios de ferro, como a área de óleo e gás. Em provas recentes, a startup não conseguiu obter precisão ao medir pilhas de açúcar, mas a ideia é continuar procurando outras áreas em que a muografia pode ser útil. Atualmente, a startup conta com dez funcionários, que são físicos, eletricistas e analistas de dados envolvidos com pesquisa na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
“Estamos no início da empresa e queremos escalar para outras áreas que têm desafios parecidos”, afirma Freund, que mora no Brasil há 20 anos e fez carreira na área de tecnologia no País.
Certimine quer melhorar reputação do Brasil
A startup paulistana Certimine tem uma grande missão: melhorar a reputação do Brasil no mercado de minérios. Fundada em 2018, a empresa faz a certificação anual de ouro, ferro, cobre e lítio para atestar a origem desses minerais para joalherias e mineradoras interessadas em saber a procedência das commodities que compram. Se o item está propriamente certificado, sem origem ilegal, a Certimine coloca um selo “verde” no produto.
“Os compradores internacionais não têm confiança em comprar minérios do Brasil”, aponta Eduardo Gama, presidente executivo da Certimine. Nos últimos anos, episódios colocaram o País no meio de uma crise internacional, com a Suíça barrando a importação de ouro ilegal brasileiro ou a crise dos Yanomâmi, cujas terras são invadidas por garimpeiros ilegais. “Aqui, não existem mecanismos de checagem no País nem algum tipo de controle. Foi daí que criamos a startup.”
“Existem mais clientes dispostos a pagar por rastreabilidade”, Eduardo Gama, CEO da startup Certimine
Para fazer a rastreabilidade, a Certimine coloca na mina e no garimpo um funcionário equipado com capacete com câmera e um tablet para fazer registros do local. O processo presencial permite detectar se há trabalho análogo à escravidão ou infantil, segurança, impacto ambiental e outros parâmetros. As informações coletadas são transformadas em relatório e exibidas em uma plataforma blockchain, cuja tecnologia permite atestar transações e registrar patentes de forma segura, sem permitir que haja alterações na base de dados — é como um “cartório da internet”.
Para Gama, o impulso no negócio da startup veio em 2022, quando o tema da rastreabilidade e origem das commodities ganhou força no mundo, principalmente na União Europeia. “O mercado mudou muito, de forma drástica”, afirma. “Existem mais clientes dispostos a pagar por rastreabilidade, porque a mentalidade já melhorou muito, e vai melhorar bastante.”
No próximo mês, a Certimine deve lançar mais selos que indiquem a procedência de uma commodity. Gama adianta que selos como “carbon free” (com compensação de carbono na cadeia), “Amazon free” (não foi produzido na Amazônia) ou “mercury free” (sem mercúrio) devem estar disponíveis. “É que o minerador receba um prêmio por esse produto com menor impacto ambiental”, defende o CEO.
“Estamos com uma fração do mercado e temos tudo para surfar em uma eventual escalada”, Eduardo Gama, CEO da startup Certimine
A startup, hoje com 30 funcionários e 400 clientes, procura investidores que possam aportar dinheiro na empresa e ajudar a catapultar o negócio. Com negócios internacionais (a Certimine tem escritórios no Canadá e na China), Gama acredita que há muito o que crescer na certificação de minérios no Brasil e no mundo.
“Estamos com uma fração do mercado e temos tudo para surfar em uma eventual escalada”, prevê. “O Brasil é um mercado enorme.”
Gigantes da mineração buscam startups para crescer
Na outra ponta, as principais mineradoras do setor também estão em busca do “par perfeito”. É o caso da brasileira Vale, que lançou um fundo de venture capital corporativo (CVC, na sigla em inglês) para selecionar startups que possam contribuir com o negócio da gigante brasileira.
Batizado de Vale Ventures, o fundo nasceu em junho de 2022 e tem valor de US$ 100 milhões para serem gastos em até seis anos. O alvo são startups de estágio inicial a nível maduro (ou semente a série B, no jargão do mercado), com algum tipo de sinergia com a proposta de sustentabilidade da Vale. A Vale busca por startups das áreas de descarbonização (como siderurgia verde e hidrogênio verde), resíduos e processamento de minerais (com aposta em circularidade das operações), mineração sustentável (como minas inteligentes, aprendizado de máquina e sensores) e metais de transição energética.
A Vale Ventures surgiu com investimentos em duas startups: Boston Metal, de produção de aço verde, e Allonia, de biotecnologia. Ambas não são brasileiras, mas sim dos Estados Unidos. A companhia afirma que, no seu plano de investimento, não faz distinção entre negócios nacionais ou internacionais — basta que haja um “match” com o negócio da mineradora brasileira. Mais investimentos devem surgir, mas, até agora, mais nenhum detalhe é dado pelo fundo.
“Estamos no início da nossa jornada de conseguir ser uma alavanca para contribuir para a estratégia de sustentabilidade da Vale”, diz Bruno Arcadier, diretor da Vale Ventures.
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