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Solução eficaz de problemas é chave para fidelizar clientes, afirma especialista

David Kallás, professor do Insper, destaca que a forma como empresas resolvem falhas impacta diretamente a lealdade do consumidor

Por Flavio Lobo, especial para o Estadão – editada por Mariana Collini

O professor do Insper e consultor de gestão empresarial estratégica David Kallás acentua a importância da fluidez e do equilíbrio para a construção de relações duradouras das marcas com seus clientes. Nesta entrevista, Kallás destaca a condição de “conectividade permanente” que os smartphones trouxeram para a vida cotidiana que torna o tempo um recurso cada vez mais valioso. Diante desse cenário, ele considera que as empresas precisam “saber se colocar no lugar dos clientes e incorporar” uma “atitude empática à cultura da organização”.

“As empresas devem mapear os processos de compra e oferecer ‘jornadas’ adequadas às diferentes demandas, todas com o mínimo de atrito e desgaste para quem as percorre. Esse atrito pode acontecer de várias maneiras – por exemplo, quando o telemarketing pede ao cliente para informar seus dados pessoais mais de uma vez numa ligação.”

Segundo Kallás, pesquisas demonstram que, para o cliente, o “índice de solução de problemas” é o que mais tem relação com a recompra e com a chamada “lealdade” em relação à marca. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Quais são os desafios enfrentados pelas empresas que buscam valorizar o tempo dos clientes?
Primeiro precisamos entender o contexto. A relação das pessoas com o trabalho e com elas mesmas tem mudado muito, especialmente em relação à valorização do tempo. Antes a gente ia trabalhar, entrava às oito da manhã, saía do trabalho no final da tarde e se desconectava. Com os smartphones, não há mais distinção entre online e offline. A conectividade é permanente. Recurso cada vez mais escasso, o tempo vai se tornando mais valioso. E a velocidade crescente das tecnologias usadas no cotidiano aumenta a expectativa de soluções e respostas rápidas.

Como esses desafios devem ser abordados?
Entendendo os comportamentos e necessidades dos clientes, as empresas devem mapear os processos de compra e oferecer “jornadas” adequadas às diferentes demandas, todas com o mínimo de atrito e desgaste para quem as percorre. Esse atrito pode acontecer de várias maneiras – por exemplo, quando o telemarketing pede ao cliente para informar seus dados pessoais mais de uma vez numa ligação. Para fazer isso realmente bem, a empresa precisa saber se colocar no lugar dos clientes e incorporar essa atitude empática à cultura da organização.

Você pode dar um exemplo de diferentes jornadas numa mesma plataforma?
Vamos pensar numa farmácia. Vou estereotipar um pouco os personagens para facilitar, ok? Pode haver um idoso que frequenta regularmente a loja, para comprar medicamentos, sim, mas também para interagir, conversar um pouco. Você tem a jornada da mãe com um filho doente, que chega lá meio desesperada, cansada… Tem também a jornada de quem não entra na fila para pedir remédios porque vai só comprar cosméticos. À noite, começam as jornadas do pessoal da balada, que vai comprar Engov e preservativos, né? As lojas devem estar organizadas – inclusive com uma distribuição adequada dos produtos no seu espaço físico – de um modo que facilite essas diferentes jornadas, reduzindo atritos, demoras e desconfortos desnecessários.

“As empresas devem mapear os processos de compra e oferecer ‘jornadas’ adequadas às diferentes demandas, todas com o mínimo de atrito e desgaste para quem as percorre. Esse atrito pode acontecer de várias maneiras – por exemplo, quando o telemarketing pede ao cliente para informar seus dados pessoais mais de uma vez numa ligação.”

David Kallás, professor do Insper e consultor de gestão empresarial estratégica.

Falando em filas, o avanço tecnológico pode ajudar a reduzir o incômodo da espera?
Pode, sim. Em ambientes de atendimento presencial, a oferta de um bom Wi-Fi, por exemplo, é um fator importante de melhoria da experiência dos clientes. Em alguns casos, como o das companhias aéreas e das lojas de fast-food, transferir para os próprios clientes parte do trabalho que antes era feito por funcionários – com os totens de autoatendimento para check-in e para escolha e pagamento de pedidos – costuma funcionar bem. Além de poder reduzir o tempo de espera, esse tipo de gestão de filas atenua a sensação de perda de tempo porque as pessoas passam a ter o que fazer em vez de ficar só esperando.

Em que tipos de dados as empresas se baseiam para avaliar a adequação das jornadas e a satisfação dos clientes?
Há vários índices. Usava-se muito a avaliação de satisfação na qual o cliente pontua a experiência de zero a 10. Hoje, prevalece o entendimento de que a probabilidade de você recomendar a marca para um amigo ou colega – o que é medido por um indicador chamado NPS – é mais relevante. Mas o que as pesquisas vêm mostrando é que, mais importante ainda, é o índice de solução de problemas, porque é o que mais tem relação com a recompra e com a chamada “lealdade” do cliente em relação à marca. O cliente que teve um problema bem resolvido é mais fiel do que aquele que nunca teve problema.

Existe o risco de a própria busca por dados sobre a satisfação dos consumidores se tornar um fator de insatisfação?
Isso pode acontecer, sim. Do ponto de vista das empresas capacitadas para usar esses índices de modo a aprimorar seus sistemas e jornadas, quanto mais informação colhida a cada etapa da experiência do cliente, melhor. Mas é preciso equilibrar essa busca por dados para não incomodar as pessoas com pedidos excessivos de feedback. Entra em jogo, novamente, o respeito ao tempo do cliente. E como, cada vez mais, existe todo um registro digital das jornadas, as empresas colhem uma grande quantidade de dados – como o tempo gasto em cada etapa do processo – sem precisar pedir avaliações ou respostas dos clientes.

As empresas têm se mostrado capazes de solucionar satisfatoriamente os problemas reportados pelos clientes?
Isso varia bastante. Eu mesmo já tive experiências contrastantes com empresas muito conhecidas. Depois de vários anos, deixei de ser consumidor fiel de aparelhos eletrônicos de uma marca porque, quando um celular novo quebrou, fui surpreendido por um diagnóstico muito questionável de “mau uso” que invalidou a cobertura da garantia. Com outra marca, constatei que estava sendo cobrado mensalmente por uma assinatura de serviço que eu provavelmente havia feito sem querer, numa compra online. Como era um valor baixo, simplesmente cancelei. Logo depois, sem que eu tivesse reclamado, a empresa me notificou que havia identificado pagamentos por um serviço que eu não havia usado e me reembolsou. Passei a comprar eletrônicos de outra marca e a ser um cliente mais frequente da empresa que me reembolsou de maneira proativa.

Existe uma falta de atenção, por parte das empresas, com a sistematização de respostas capazes de resolver ou atenuar insatisfações legítimas?
Algumas empresas fazem isso bem. Mas, de maneira geral, eu diria que poderia haver mais atenção e prontidão nesse sentido. Os gestores deveriam se lembrar da lição da Teoria dos Jogos sobre relacionamentos que queremos que sejam recorrentes, que se mantenham ao longo do tempo. Em relações desse tipo, mesmo quando não é possível uma solução perfeita, a atitude colaborativa, de busca de soluções razoáveis, que não geram perdedores, é a mais favorável para todos – inclusive para empresas e marcas.

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