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Reportagens

Entrevista -‘Não sou marca. Achei meu papel na crise’

19 de agosto de 2020

Ela debate, dá ideias, defende pequenos empreendedores e negocia medidas emergenciais. Luiza Helena age.

 

Luiza Helena Trajano

Presidente do conselho do Magazine Luiza

“Não sou marca. Marca é o Magazine Luiza. Eu achei meu papel na crise.” Assim Luiza Helena Trajano comenta a definição a ela atribuída no momento: empresária empática e solidária nestes difíceis tempos de pandemia da covid-19. Não é que ela não seja tudo isso. Aliás, empatia, solidariedade e união é exatamente o que tem defendido. E também não é a primeira vez que sua imagem se funde a uma ideia ou um conceito. Desde 1991, ao assumir como diretora superintendente da rede, Luiza Helena, 68 anos, já foi apontada como referência da classe empresarial brasileira e representante do boom varejista, do espírito empreendedor nacional e do apoio à transformação digital. Também virou exemplo de responsabilidade social e da luta por respeito à diversidade, à igualdade de gênero e contra a violência doméstica. Agora, na pandemia, está nas conversas, defende pequenos empreendedores, negocia medidas emergenciais. Não demite. Luiza Helena age.

Liquidação fantástica

O Magazine Luiza cresceu de forma constante e planejada. Quando já tinha se expandido pelo interior de São Paulo, Triângulo Mineiro, Paraná, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul, chegou à cidade de São Paulo. Os executivos do grupo, Luiza Helena à frente, sempre afirmaram que não podiam entrar no mercado paulistano de forma tímida. Em 2008, inauguraram simultaneamente 46 lojas na capital e atraíram, da noite para o dia, 1 milhão de novos consumidores. Sob o comando de Luiza Helena, o perfil inovador virou tradição. Ela criou em 1994 promoções como a Liquidação Fantástica, uma queima de estoque no início de janeiro que até hoje faz milhares de clientes passarem a madrugada nas portas das lojas, e a Só Amanhã, uma série de descontos relâmpagos válidos por um dia.

Um passo à frente

As vendas por meios eletrônicos foram iniciadas pela rede em 1992 e o site do Magazine Luiza, hoje Magalu, estreou em 2000. Luiza Helena defende o formato híbrido do negócio. Afirma que nunca pensou em separar as operações, mesmo com as pressões do mercado financeiro desde que a empresa abriu seu capital, em 2011. Na atual crise sanitária, isso fez diferença: o surto do novo coronavírus fechou 1,1 mil lojas físicas do grupo, mas aí as vendas online já representavam algo como 50% do faturamento. Fora isso, para ajudar autônomos e pequenos varejistas, o projeto Parceiro Magalu virou marketplace. Luiza Helena conta que a taxa de comissão cobrada pela rede é de 3,99%, muito abaixo do padrão pré-crise. “Até agora, recebemos 400 mil cadastros”, diz ela.

“Sou muito ligada à pequena empresa, desde os anos 80. Então achei o meu papel na crise.”

Luiza Helena chamou para si a iniciativa de negociar, por meio do Instituto para o Desenvolvimento do Varejo (IDV), medidas emergenciais com órgãos como o Ministério da Economia. O trabalho continuou na função de disseminar essas informações – das mais de 230 lives e entrevistas realizadas desde março, a executiva não poupou a voz e incluiu nas conversas emissoras de rádio do interior para a mensagem chegar para todo mundo.

Não demita

A empresária tem defendido todos os dias que vivemos um momento que exige união. Desde o início da crise, essa postura a preserva de críticas a outras lideranças consideradas exemplos negativos de atuação. “Não vou falar nada que pregue a desunião. Muitas vezes, o empresáriomquer comunicar uma coisa e fala outra”, afirma. E acrescenta: “O líder precisa pensar no modelo ganha-ganha. Se pensar apenas no seu ganho, não vai ganhar”. Luiza Helena prefere listar bons exemplos, como o movimento Não Demita, lançado pela Ânima Educação e ao qual mais de 4 mil empresas já aderiram. “O Magazine Luiza não só não demitiu, mas chegou a contratar 300 pessoas em Franca”, conta.

Presidente do conselho de administração da rede, Luiza Helena começou cedo nas lojas da família, quando o Magazine Luiza só existia na região de Franca (SP). Numa entrevista para o
Estadão em setembro de 1990, a fundadora da empresa, Luiza Trajano (tia de Luiza Helena), disse lembrar da sobrinha no balcão, de fitinha no cabelo. Ela tinha 12 anos e nas férias gostava de ficar nas lojas. Aos 18, entrou para o negócio

Saudade dos netos

Embora pareça onipresente na internet, disputada que é por tantas lives e entrevistas, Luiza Helena diz que a rotina não mudou tanto na pandemia. Ela ainda dorme as mesmas cinco horas por noite e mantém vários compromissos no dia. “O que mudou foi que o mundo digital permite entrar em mais coisas ao mesmo tempo. À noite, bate um pouco de cansaço”, diz. O que a faz ressentir-se é a falta dos netos que estão em Portugal e na França. Eles não se encontram desde fevereiro. A dor só não é maior porque estão no Brasil os filhos do CEO da empresa, Frederico Trajano. Estes netos ela vê. “Sempre com muito cuidado.”

O líder precisa pensar no modelo ganha-ganha. Se pensar apenas no seu ganho, não vai ganhar

Bandeira pessoal

Luiza Helena Trajano diz estar muito orgulhosa do empenho dos gestores neste momento de pandemia. “Cuidaram da saúde [dos funcionários] como ninguém. Não dei um palpite.” Se no passado ela temeu que a empresa se distanciasse do “jeito humano” de lidar, o receio se desfez. “Estão fazendo até melhor do que eu.” A empresária está otimista. Acredita que uma vacina surgirá em breve e que o despertar da consciência social das pessoas e das empresas vai se manter. Para ela, o brasileiro voltou a assumir seu país, fugindo de uma histórica atitude de colonizado. Uma bandeira
pessoal que pretende levar adiante é a defesa do SUS, o “melhor sistema público de saúde do mundo”, no seu entender, se for seguida a Constituição. “Saúde para todos é um dos pilares do combate à desigualdade.”

 

História para contar: Dinheiro, pra que dinheiro

Em 1957, o casal Luiza e Pelegrino Donato Trajano comprou em Franca uma loja chamada A Cristaleira. O jeito para os negócios e o tratamento “olho no olho” que a fundadora destinava aos clientes tornaram natural que um concurso feito numa emissora de rádio local tivesse escolhido “Luiza” como o novo nome da loja. O “jeito humano” da tia foi lembrado por Luiza Helena na postagem de um vídeo antigo no Instagram no início de agosto. Nele, a fundadora da rede ensinava aos vendedores seu conceito de pós-venda: “Se chega um cliente na loja para reclamar e um freguês vem para comprar, eu atendo primeiro a reclamação. Porque um freguês mal atendido é 100 perdidos (sic)”, disse a empresária, hoje com 94 anos. Da tia, Luiza Helena diz ter absorvido a disposição para encontrar soluções. “Isso ajudou a desenvolver meu lado de gestora.” A essas características podem ser acrescentadas muitas outras: o amor ao trabalho de vender, o destemor em períodos de crise, o incentivo à modernização e à gestão profissionalizada e, também, a visão estratégica para boas campanhas publicitárias. Quando a rede ainda era um acontecimento interiorano, em 1991, Luiza Helena chamou Martinho da Vila para fazer um comercial no lançamento do que foi o primeiro cartão de loja do País. “Dinheiro, pra que dinheiro”, cantava o sambista.

 

Por Roberto de Lira

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