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Como mudança em área protegida ajudou tubarões no litoral de SP

Sete espécies, seis delas sob risco de extinção, voltaram a ser vistas com frequência no Arquipélago de Alcatrazes

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Por Aline Reskalla

Sob risco de extinção em várias partes do mundo, os tubarões têm papel fundamental na manutenção, ciclagem de nutrientes e no bem-estar do ecossistema marinho. E os oceanos, por sua vez, são um dos principais sumidouros de CO2 da atmosfera, além de fonte de alimento e renda.

Em um dos santuários marinhos mais deslumbrantes do Brasil, o Arquipélago de Alcatrazes, em São Paulo, o movimento é o inverso: sete espécies de tubarões, seis delas sob risco de extinção, voltaram a ser vistas com relativa frequência por cientistas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) seis anos após a ampliação da área protegida do arquipélago de 12 km2 para 675 km2 e com a criação, em 2016, do Refúgio de Vida Silvestre. O arquipélago está localizado a 35 Km da costa do litoral norte de São Paulo, na altura da cidade de São Sebastião.

Liderados pelo pesquisador Fábio Motta, do Laboratório de Ecologia e Conservação Marinha (LabecMar) e professor do IMar/Unifesp, o grupo vem monitorando a área desde 2014, mas, em 2022, uma nova metodologia foi incorporada aos trabalhos de campo. Além do censo visual de peixes, feito por mergulhadores, eles adotaram a técnica de filmagens remotas subaquáticas com isca, do inglês Baited Remote Underwater Stereo-Videos (BRUVs).

Nele, duas câmeras go pro são acopladas nas extremidades de uma estrutura de metal, que tem ainda uma haste em PVC, de 1,5 metro de comprimento, contendo um quilo de sardinha macerada. A sardinha funciona como isca, gerando uma pluma de odor que atrai peixes predadores que normalmente não se aproximam dos mergulhadores, pois eles produzem bolhas e movimentam as águas, explica Fábio Motta.

Posteriormente, as imagens obtidas pela equipe são analisadas em laboratório por meio de um software específico. “Conseguimos saber variedade de peixes, quantidade e tamanho”, conta Motta.

Segundo o professor, foram realizadas 150 operações com os BRUVs, e em 11% delas os tubarões apareceram. “Monitoramos o verão e inverno de 2023 e 2024 e detectamos a presença de sete espécies, sendo seis ameaçadas de extinção.”

O estudo intitulado “Efeitos iniciais da expansão e aplicação de uma reserva marinha subtropical sobre espécies ameaçadas de tubarões” foi publicado em janeiro de 2024 no periódico Environmental Biology of Fishes. Foi registrada a presença de tubarões em 16 (10,7%) das 150 operações de BRUV, com registro de sete espécies: (Squalus cf. albicaudus – cação-bagre-da-cauda-branca (única que não está sob risco de extinção entre elas); Carcharias taurus – tubarão-mangona; Carcharhinus plumbeus – tubarão-galhudo; Carcharhinus falciformis – tubarão-seda; Rhizoprionodon porosus – cação-frango; Sphyrna lewini – tubarão-martelo-recortado; e Sphyrna zygaena – tubarão-martelo-liso).

O artigo também é assinado pelos pesquisadores do LabecMar/Unifesp Ana Clara S. Athayde, Maisha Gragnolati, Rafael Munhoz, Luiza Chelotti, Nauther Andres, Guilherme H. Pereira-Filho, além de Otto Gadig (professor do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista – Unesp).

Para Motta, esses dados, combinados com a percepção de mergulhadores e mergulhadoras frequentes e experientes sobre o aumento de avistamentos de tubarões, sugerem um efeito positivo recente do Refúgio de Alcatrazes para estes predadores e um ecossistema mais saudável.

Fernanda Rolim, pesquisadora do LabecMar/Unifesp e pioneira no uso de BRUV em ambiente marinho no Brasil, diz que fazer o registro em vídeo de uma espécie criticamente ameaçada de extinção como o tubarão-mangona (Carcharias taurus), no interior do refúgio, foi um momento muito gratificante para toda a equipe. “Os resultados mostram também que o monitoramento a longo prazo e a proteção do Refúgio de Alcatrazes são cruciais para manter e aumentar os efeitos positivos na área”, diz.

Pescadores fazem parte da solução
O coordenador do estudo, Fábio Motta, afirma, contudo, que as reservas não podem ser encaradas como “panaceia”. “Importante dizer que as áreas marinhas de proteção integral são importantíssimas, mas, sozinhas, não vão resolver o problema da perda de biodiversidade dos oceanos. Elas precisam ser consorciadas com um conjunto mais abrangente de medidas, que envolvem gestão e monitoramento da pesca, extensão pesqueira, diálogo de saberes, você valorizar o conhecimento local de pescadores. O problema é complexo e demanda soluções complexas também.”

Ele diz que “não se pode colocar na conta dos pescadores essa questão, demonizar todo esse segmento social, porque eles fazem parte da solução também”. Há regiões em que a pesca de tubarões pode ser explorada, desde que devidamente monitorada.

Como mudança em área protegida ajudou tubarões no litoral de SP

Foto: LabecMar/Unifesp