Ao mesmo tempo que inúmeras pesquisas demonstram o quanto a pandemia acelerou fortemente a utilização da internet para os mais diversos fins – compras, lazer, saúde, trabalho, estudo –, é preciso lembrar também do outro lado da moeda: o crescente abismo que vai se abrindo em relação àqueles que enfrentam algum tipo de limitação para ter acesso às amplas possibilidades oferecidas pela vida digital.
O serralheiro José Raimundo Dias, 57 anos, funcionário de uma serralheria na Lapa, em São Paulo, é um caso de quem nunca usou a internet – e não tem planos para começar a fazê-lo. “Vivi até agora sem isso e não me fez falta. Quem eu quero que me encontre tem o meu número de celular”, diz ele enquanto aponta para o aparelho, modelo básico.
José Raimundo está entre os 37 milhões de brasileiros acima de 10 anos de idade que, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), não haviam acessado a internet ao longo dos três meses anteriores. Na prática, isso quer dizer que são pessoas que permanecem alheias ao mundo online. Trata-se de um contingente equiparável às populações do Chile, do Paraguai e da Bolívia somadas.
Outra pesquisa, a TIC Domicílios 2020, questionou as pessoas que permanecem offline sobre a principal razão para isso: 31% alegaram falta de interesse, 22% disseram que não sabem usar o computador e 10% consideram, simplesmente, que não têm necessidade. Ou seja: as duas barreiras mais básicas, desinteresse ou desconhecimento, envolvem 63% dos resistentes à internet, enquanto o custo foi mencionado por apenas 18% e questões relacionadas à segurança e à privacidade, por 9%.
Há uma relação clara entre a resistência à internet e a baixa escolaridade. A proporção de pessoas que não acessam a rede é 20 vezes maior entre aquelas sem o ensino fundamental completo – como é o caso de José Raimundo, que só estudou até o quarto ano – em comparação a quem concluiu o ensino superior.
Vários outros dados confirmam que as extremas desigualdades do Brasil real se refletem diretamente no virtual. A TIC Domicílios 2020 mapeou o déficit de acesso à internet por classe social: 99% dos domicílios das classes A e B têm conexão com a rede, 91% da classe C e apenas 64% nas classes D e E.
Além disso, o acesso à internet é muito maior nas cidades do que nas áreas rurais e, a partir dos 30 anos, vai diminuindo gradualmente conforme a idade. O único atributo que não suscita grandes diferenças é o gênero: 21,5% dos homens não acessaram a internet nos últimos três meses, ante 19,5% das mulheres.
RAIO-X DA
DESIGUALDADE
16% dos domicílios brasileiros não têm acesso à internet. No Nordeste esse índice sobe para 24,2%, enquanto no Sudeste fica em 11,4%
Entre os domicílios urbanos, apenas 8,9% não têm acesso à internet, contra 42,7% dos domicílios rurais
O rendimento médio mensal por morador dos domicílios com acesso à internet é R$ 1.481, contra R$ 682 naqueles sem acesso à rede
20,5% dos brasileiros com mais de 10 anos não acessaram a internet nos últimos três meses, índice que ficou em 42,8% entre pessoas sem o ensino fundamental completo e em apenas 2,1% entre aquelas com ensino superior completo
Na faixa entre 20 e 29 anos, 7,5% não acessaram a internet nos três últimos meses, contra 55,2% na faixa acima de 60 anos