Do século XVIII até aqui, o mundo passou por algumas ondas de transformação nos meios de produção. A primeira revolução veio em 1782, com a invenção da máquina a vapor. Depois, em 1913, vieram as linhas de produção e, a partir dos anos 50, a automação eletrônica, com o uso dos primeiros computadores. De alguns anos para cá, iniciou-se a quarta onda – que promete transformar radicalmente a relação da indústria com os consumidores –, também conhecida como Indústria 4.0.
O líder de consultoria da Accenture para as áreas de manufatura, operações e supply chain, Heron Samara, explica que o conceito nasceu na Inglaterra e está muito associado à ideia de fábrica inteligente, ou máquinas e processos industriais e logísticos potencializados pela automação e integração em um ambiente em rede. “É como se hoje a fábrica tivesse braços, pernas e visão, mas faltasse um pouco de cérebro”, compara. Ao falar de Indústria 4.0, especialistas como Samara estão discutindo como colocar mais inteligência em máquinas e processos, de forma que eles se tornem autônomos, agilizando a produtividade.
Não se trata de uma onda repentina, mas sim de um momento criado pela conjunção de uma série de fatores. Primeiro, a acessibilidade de algumas tecnologias antigas que, com o tempo, têm seu preço caindo radicalmente e sua capacidade crescendo na mesma medida. “O segundo ponto é a interconectividade proporcionada pela internet, que permite a comunicação entre máquinas e das máquinas com os seres humanos”, diz. Finalmente, a mobilidade e a chegada de novas tecnologias, como impressão 3D, realidade aumentada e realidade virtual.
Como isso tudo transforma a relação das empresas com os consumidores? Samara cita o exemplo do processo produtivo da indústria automotiva. A produção de um carro geralmente é massificada, mas o uso combinado dos fatores acima vai permitir que o cliente faça um pedido específico sobre a produção de seu carro e tenha essa customização atendida pela fábrica. “Isso será possível porque, muito em breve, teremos máquinas mais inteligentes integrando o processo produtivo”, afirma.
De acordo com Samara, hoje um grande problema enfrentado também pelas indústrias são máquinas que desregulam ou quebram. Com o uso de tecnologias como sensoriamento e M2M (da sigla em inglês, Machine-to-Machine), por exemplo, será possível que estas máquinas façam seu próprio diagnóstico e, em caso de problemas, façam as correções necessárias. Se isso não for possível, a própria máquina poderá solicitar um mecânico, antes que ela quebre.
Do ponto de vista econômico, isso traz um impacto enorme nos custos de produção. “Acreditamos que os processos de manufatura têm espaço para ganhos de 25% a 30%”, revela. Os ganhos vão além da eficiência na produção e chegam também à redução de perdas e de custos indiretos, como energia elétrica. “Hoje há tecnologias inteligentes que permitem fazer a melhor gestão do consumo dentro da fábrica ou identificar se um equipamento está consumindo mais energia do que deveria”, explica.
O vice-presidente sênior de tecnologia e inovação da SAP Brasil, Orlando Cintra, explica que as empresas não vão acabar com seus modelos de negócio, mas devem evoluir para o chamado mundo digital com o uso das inovações trazidas por tecnologias como a internet das coisas, dados em tempo real e o uso de cientistas de dados. “O fato é que a tecnologia será secundária ao propósito de negócio. O desafio é entender de que forma o modelo de negócio futuro pode atingir objetivos como melhorar a satisfação dos clientes”, afirma.
Para o consumidor, todas as mudanças em curso devem se traduzir em produtos mais baratos e personalizados. Lembrando que os próprios produtos poderão trazer inteligência embutida, mudando inclusive modelos de negócio (veja quadros a seguir). Um exemplo, já encontrado em algumas cidades da Europa, são empresas que vendem transporte em vez de carros. “São aplicativos que permitem encontrar carros disponíveis para utilização. Você usa e paga por distância percorrida”, diz Samara. Um modelo que seria impossível sem smartphones e conexão via internet. Para o especialista, as possibilidades por trás disso são fantásticas, permitindo que empresas captem informações sobre seus clientes – quem são e quais seus hábitos – e disponibilizem serviços de forma mais intensa.
Olhando o mercado sob o ponto de vista do consumidor, o que se prevê é que a quantidade de ofertas cresça exponencialmente. Por esse lado, as empresas precisam entender como tudo isso as afeta. “Como a tendência de compartilhamento afeta o negócio? Como a oferta de mais serviços do que produtos muda a abordagem? O mercado terá que entender melhor estas novas necessidades e facilitar isso para o consumidor”, defende Samara.
Para o especialista, com o advento da Indústria 4.0, os consumidores passarão a contar com mais produtos e serviços oferecidos a custos acessíveis. Mais que isso, haverá possibilidades de personificação e customização jamais vistas antes, com a oferta de produtos sob medida. “Teremos mais agilidade no time-to-market e, em algum momento, teremos redução de custo”, diz Samara.
clientes mais satisfeitos
O cerne do conceito de Indústria 4.0 – dar mais inteligência aos processos produtivos – não se restringe somente à indústria. Já é possível encontrar no mercado segmentos variados utilizando a tecnologia para ganha mais eficiência. Na agricultura, há o exemplo da NFF (National Farmers Federation), na Austrália, que desenvolveu uma plataforma on-line onde os produtores rurais podem acompanhar métricas de produção e os processos de suas fazendas. Em seus celulares e tablets, os agricultores recebem informações meteorológicas, de mercado e também sobre sua produção, estas últimas enviadas por meio de sensores instalados em drones, que sobrevoam as plantações e, com uso de telemetria, podem identificar falhas na lavoura. A solução reduz perdas, aumenta a produtividade e, na ponta, reduz o custo do produto final, aumentando sua qualidade.
Na China, a construtora Yingchuang New Materials utiliza a tecnologia de impressão 3D para imprimir casas inteiras. A capacidade de produção é de dez casas em 24 horas. Por enquanto, as casas são padronizadas, mas o processo deve evoluir até permitir que o consumidor escolha que modelo quer ter construído.
A italiana Trenitalia, considerada uma das maiores empresas de transporte de alta velocidade, adotou o conceito de Internet das Coisas (IoT) para garantir maior nível de serviços para seus passageiros e aumentar a eficiência operacional. Com sensores instalados em vários componentes críticos dos trens, reduziu de 8% a 10% dos seus custos anuais.
Na cidade de Buenos Aires, por exemplo, a prefeitura enfrentou as constantes enchentes adotando o cruzamento de dados climáticos e sensores instalados em encanamentos, com informações real-time, melhorando a qualidade de vida de milhões de pessoas.
No Brasil, o Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, foi o primeiro da América Latina a contar com um aplicativo da navegação indoor. A solução permite que o usuário se localize em um mapa com a planta do aeroporto e consiga traçar rotas para caminhar até guichês de companhias aéreas, lojas e restaurantes específicos. Por seu lado, os administradores do aeroporto poderão analisar o fluxo de passageiros pelos corredores e saguões, monitorando o caminho que seguem dentro das instalações do Galeão, o que pode direcionar reformas futuras e realocamento de serviços.
Apesar de nascido na indústria, o conceito de Indústria 4.0 chega também ao campo e ao varejo. Heron Samara, líder de consultoria da Accenture para as áreas de manufatura, operações e supply chain (cadeia de suprimentos), lembra que no campo há a possibilidade de usar essas tecnologias para monitorar plantações de cana ou de soja, permitindo encontrar falhas ou pragas. “O índice de falhas em uma plantação vai de 8% a 10%. Se estas falhas são identificadas antes, o aumento de eficiência de produção é enorme”, diz.
Nas grandes indústrias de carne, outro exemplo, a eficiência é afetada por vários fatores, como volume de alimentos dos animais, temperatura do ambiente e pragas. Também aqui é possível fazer o monitoramento da criação para saber se todos estes fatores estão dentro dos padrões, o que pode gerar grande redução de custo.
No varejo já há aplicações disponíveis para logística, um dos gargalos do setor. “Em um Centro de Distribuição (CD) é preciso controlar tudo o que entra, o que é armazenado e o que depois será colocado nos caminhões para ser entregue às lojas. Atualmente estes processos têm muitos problemas. Hoje, há tecnologia para que eles sejam 100% à prova de erros, trazendo controle absoluto sobre tudo o que está no CD”, explica Samara, lembrando que tudo isso permite às empresas repensar completamente seus modelos de negócio, serviços e produtos, agora mais acessíveis e sob medida de acordo com as necessidades dos consumidores.