Artigo

É HORA DE MUDAR?

Respeitando o momento certo

Se pais e filhos estão em dúvida sobre a necessidade de uma transferência escolar, alguns sinais podem ajudar na tomada de uma decisão familiar

Por Thales Valeriani

O processo de transferência escolar envolve mudanças no cotidiano, ambiente físico e grupo social de crianças e adolescentes. E altera também a rotina dos pais, com mudanças nos horários e hábitos. Tantas modificações deixam algumas famílias inseguras quanto a mudar ou não o filho de escola.

 

Algumas mudanças se dão por questões mais pragmáticas, como a feita pela pedagoga Vanessa Scardelato, mãe de duas crianças, Davi, 4, e Alice, 9. Vanessa era professora em uma escola particular em Santo André (SP) até o fim do ano passado, quando se desligou do colégio. “Como eu saí da escola, não tinha mais a bolsa de estudo deles, então por uma questão financeira mesmo eu mudei de colégio e vim para essa escola mais perto de casa, o que é melhor para mim também”, conta.

 

De acordo com a mãe, o processo de adaptação foi bem assimilado por Alice. Já Davi sentiu falta do espaço físico da antiga escola. “O Davi mesmo verbalizava o incômodo. Engraçado que ele não verbalizava saudade dos amigos, mas do parquinho, dizia que tinha saudade de uma xícara giratória que tem lá”, relata. A  alternativa encontrada por Vanessa foi conversar com os filhos focando nos pontos positivos da mudança.

 

Além do diálogo entre os pais e os filhos, a parceria entre a família e a escola também é importante para que o processo de adaptação ou de ajuste às normas seja mais tranquilo. Segundo o coordenador de Orientação Profissional do colégio Vértice (SP), Luis Otavio Targa, “nesse processo de adaptação conta muito a parceria escola/família. Na escola, vamos analisar o aluno no âmbito emocional e pedagógico. Já o outro lado é quando a família compartilha o que esse aluno leva para casa quando chega da escola”, avalia. 

 

“Nesse processo de adaptação conta muito a parceria escola/família. Na escola, vamos analisar o aluno no âmbito emocional e pedagógico. Já o outro lado é quando a família compartilha o que esse aluno leva para casa quando chega da escola.”
Luis Otavio Targa, coordenador no colégio Vértice

 

Embora considere cada caso único, Luis Otavio acredita que a transição e a adaptação escolar costumam ser mais tranquilas quando a criança é mais nova. “Quanto mais novo for o aluno, mais tranquilo é esse processo de adaptação emocional. Na adolescência, por exemplo, é muito característica a formação de grupos, então os adolescentes ficam mais receosos de deixar o grupo para trás e ir viver uma nova experiência em uma nova escola”, afirma.

 

Além das mudanças que acontecem por questões pragmáticas, algumas ocorrem porque o aluno não está satisfeito ou bem adaptado ao colégio. A psicopedagoga e psicanalista Vanessa Vigatto, que atende há mais de 20 anos crianças e jovens com dificuldade escolar, avalia que cada faixa etária possui um modo próprio de demonstrar a insatisfação ou os problemas vividos no ambiente escolar. “A criança ou o jovem é que tem que ser escutado. Muitas vezes, essa insegurança na transição escolar é mais com os pais. Eles ficam com medo de perder esse vínculo. Eu já atendi muitas e muitas crianças e adolescentes que pedem para mudar de escola, mas os pais têm uma ligação afetiva com o colégio [e não mudam]”, conta Vanessa.

 

Assim, saber identificar os diferentes sinais de insatisfação da criança ou do adolescente em relação ao ambiente escolar pode auxiliar a família na tomada de decisão sobre manter ou trocar o estudante de colégio. A seguir, levantamos com especialistas alguns sinais em cada fase do ensino que podem ajudar os pais.

 

SINAIS NO ENSINO INFANTIL

Na educação infantil, o processo de mudança tende a ser mais sossegado para a criança, uma vez que o ambiente e a rotina escolar são novidade para ela. Nesse caso, a adaptação precisa ser também da família em relação aos novos horários e à rotina que o cotidiano escolar demanda.

 

No entanto, nem sempre o processo é tranquilo. E, como nessa faixa etária as crianças ainda estão aprendendo a falar, os pais devem ficar atentos ao comportamento dos filhos. “Na educação infantil, as crianças ainda não conseguem verbalizar os seus sentimentos e as suas insatisfações. Então elas acabam fazendo representações através do comportamento”, afirma a psicopedagoga Vanessa Vigatto. 

 

De acordo com Vigatto, “quando a criança chora muito para ir para a escola, quando ela se nega a realizar as atividades, isso pode ser um sinal de que algo de errado está acontecendo. É importante que os pais ouçam as queixas das crianças, quando elas falam que não gostam da escola, que não gostam da professora, é importante ficar atento a esses sinais”, aconselha. 

 

“Quando a criança chora muito para ir para a escola, quando ela se nega a realizar as atividades, isso pode ser um sinal de que algo de errado está acontecendo. É importante que os pais ouçam as queixas das crianças.”

–  Vanessa Vigatto, psicopedagoga

E a psicopedagoga também considera que a relação entre a família e a escola deve ser aberta e transparente. “É importante buscar ouvir também o lado da escola. Por que a criança está falando isso em casa? Está acontecendo algo na escola? Algum amigo está incomodando?”, orienta. 

 

SINAIS NO ENSINO FUNDAMENTAL

O ensino fundamental é o nível mais longo da educação básica, dura nove anos e é dividido em dois ciclos, anos iniciais e anos finais. Além disso, nesse período ocorre a transição da infância para a adolescência, sendo também uma época de mudanças em vários sentidos.

 

A psicanalista Vanessa Vigatto afirma que, “nessa idade, a criança ou o pré-adolescente consegue expor melhor o seu sentimento. Então ele consegue falar se existe uma insatisfação com bullying, se há alguma dificuldade de relacionamento entre os amigos, se existe uma questão mais pontual com determinado professor”, explica.

 

Além disso, caso a criança ou o jovem reclame, os pais devem ouvir com atenção a queixa. “Se é algo relacionado com o pedagógico, se não existe uma identificação [com a escola], ou se eles não estão conseguindo dar conta de uma demanda pedagógica. Então os pais precisam ficar atentos, sentar com a criança e ver qual é o melhor modo de ajudar. Seria mudar de escola? Se for, é importante os pais conversarem com a criança e tentar entender o porquê de a criança estar querendo aquilo”, analisa Vigatto.

 

Já por parte da escola, devem ser traçadas estratégias para acolher os novos alunos ou os que apresentam algum tipo de dificuldade. Segundo o diretor de Unidades Escolares do Poliedro (São José dos Campos), Rodrigo Fulgêncio, as dinâmicas e os meios de inclusão dos novos alunos mudam de acordo com a idade dos estudantes. “Nós não temos os anos iniciais, então todos os nossos alunos do 6º ano são alunos novos. Por isso, nas primeiras aulas nós usamos estratégias de acolhimento e de integração dos alunos. Temos atividades recreativas, dinâmicas de grupo e o mesmo acontece no ensino médio, só que adequado à idade”, relata o diretor.

SINAIS NO ENSINO MÉDIO

No ensino médio, os adolescentes costumam participar mais do processo de escolha da escola em que vão estudar, além de conseguirem verbalizar as insatisfações e os anseios que têm em relação aos estudos. 

 

Outra característica do ensino médio é que esse costuma ser o nível de ensino em que a  família mais se preocupa com o conteúdo ensinado para o estudante. “Os pais pensam mais acerca do conteúdo, por exemplo, se a escola oferece um conteúdo suficiente para o vestibular, a partir do final do ciclo do fundamental, sendo que isso deveria ser pensado desde sempre, porque o fundamental é a base do ensino médio”, afirma Luis Otavio Targa, coordenador de Orientação Profissional do colégio Vértice (SP).

 

Nessa etapa, alguns adolescentes acabam tendo um rendimento escolar mais baixo do que quando eram crianças, o que faz alguns pais considerarem a troca de escola. De imediato, tal medida pode aliviar a carga de estudo e o estresse, mas, no longo prazo, pode comprometer o aprendizado do estudante. O alerta é feito pela psicanalista Vanessa Vigatto: “Se o jovem vai mudando muito de escola,  ele vai achar que a vida é assim: se ali não deu certo, ele vai para outro, e depois para outro. E aí ele não vai resolver o problema, vai arrastar o problema. Além disso, o jovem vai sentir que não tem potencial. Então o melhor é encorajá-lo, é sugerir um professor particular, participar de plantão na escola, procurar o professor da disciplina”.

 

Essa opinião é corroborada por Luis Otavio. “Às vezes, a mudança de escola muda também a perspectiva que o aluno tem sobre ele. E, infelizmente, muitos alunos têm a escola como parâmetro para definir se eles são inteligentes ou não. E a gente sabe que esse não deveria ser o único parâmetro. Essa transição escolar mexe muito também com a  autoimagem e autoconceito desse aluno e, por isso, deve ser olhada com muito cuidado”, avalia.

 

BENEFÍCIOS DE UMA BOA DECISÃO

Os benefícios de uma boa decisão sobre manter ou não o filho na escola poderão ser observados do curto ao longo prazo. Isso porque uma decisão acertada deve considerar o bem-estar da criança ou do jovem.

 

Segundo Vigatto, “a gente tem sempre que pensar na criança, no jovem, no aluno. Ele precisa estar bem no lugar em que está, em que vai passar mais tempo. Se o jovem vai estar em um lugar que o faça se sentir confiante, seguro, feliz, o aprendizado tende a fluir”. 

 

Caso apareçam dificuldades, o papel da família é dar suporte e orientação. “Por mais que tenha dificuldade, o jovem sente que está sendo olhado, que está sendo cuidado. Então isso vai ajudar. O importante é sempre pensar no bem-estar dos alunos e, depois, temos os frutos de um caminho bem trilhado para colher”, analisa a psicopedagoga.

 

Essa percepção é compartilhada pelo diretor Rodrigo Fulgêncio: “Se a família está mesmo decidida a mudar de escola, então tem que pesquisar muito antes, não se restringir ao site, [deve] fazer uma visita, mesmo que seja virtual, para conversar com a coordenação pedagógica e entender a proposta da escola. E também procurar conversar com algumas famílias que tenham os filhos matriculados nessa escola ou em outras escolas para perguntar como é o dia a dia, como são as avaliações. Acho que essa é uma escolha muito importante e, então, ela tem que ser tomada com muita seriedade, muito cuidado”.

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