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COMPORTAMENTO

Bullying: um problema de todos

Atitudes da família e da comunidade escolar e atenção a sinais são chave para tornar a sala de aula um ambiente mais seguro para crianças e adolescentes

Por Mathias Sallit

 

Quase metade dos estudantes brasileiros já foi vítima de bullying. De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), 40,3% dos adolescentes já sofreram com a prática. O estudo, publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2022, mostrou um crescimento de 30% nos relatos em colégios do País entre 2009 e 2019, período em que os dados foram analisados.

A alta recorrência agrava ainda mais essa questão, que traz sequelas individuais e sociais — desde traumas e transtornos psicológicos até evasão escolar e ataques em salas de aula.

Um problema tão comum exige soluções complexas, principalmente onde a educação acontece: em casa e na escola. Outro estudo, este da Universidade de São Paulo (USP), apontou que a prevenção ao bullying começa em um bom ambiente familiar. “Pais, mães e responsáveis por crianças e adolescentes devem ser modelos positivos e, dentro de casa, demonstrar comportamentos respeitosos e empáticos em relação à diversidade, em relação ao outro”, diz Wanderlei Oliveira, pesquisador e professor de Psicologia da PUC-Campinas.

Foi no ambiente familiar que a advogada Poliana Martins descobriu que João, seu filho de seis anos, sofria com o bullying. A irmã mais velha de João estuda na mesma escola e percebeu um movimento de exclusão dos colegas sempre que ele — uma criança autista — chegava ao colégio, na região metropolitana de Belo Horizonte. “Assim que soube do que tinha acontecido, que os colegas se afastavam dele, eu chamei para entender o que ele estava percebendo da situação”, conta Poliana. “Conversar com o João, entender os conflitos que ele tinha com os colegas e fortalecer a autoestima dele enquanto uma pessoa neurodivergente foi importante para que o cenário se alterasse.”

O papel das escolas na prevenção
Especialistas apontam a conversa em casa como o primeiro passo para enfrentar o problema com a criança. Mas é da escola a responsabilidade pela proteção dos alunos enquanto estiverem no espaço. Para a psicoterapeuta familiar Zildinha Sequeira, os colégios devem dar respostas imediatas quando casos acontecem dentro do ambiente escolar, ao mesmo tempo que devem trabalhar a prevenção. “É preciso que a escola se manifeste e deixe bem claro que não vai permitir que isso aconteça”, analisa a terapeuta, que é autora do livro Me Erra! Bullying Eu Tô Fora (Samauma Editorial), que traz relatos de estudantes de escolas do Pará sobre o tema.

Segundo Zildinha, as coordenações dos colégios podem montar um calendário anual de atividades lúdicas e palestras para conscientizar as crianças sobre o tema. Além disso, recomenda-se a capacitação de professores e toda a equipe técnica da comunidade escolar para prevenir e lidar com o problema quando acontecer. “Se eles não comprarem essa luta, que tem que ser de todo mundo, troque o seu filho de escola.”

“Nossa maior frustração foi justamente a postura da escola”, conta Poliana, que diz que não teve uma resposta de apoio positiva ao João e pretende mudar o filho de colégio.

 

“A criança tem que ter confiança para que possa relatar qualquer situação de dificuldade que ela enfrente na escola”, analisa Wanderlei Oliveira, professor de Psicologia da PUC-Campinas.

Sinais que merecem atenção
A falta de abertura para conversas entre pais e filhos dificulta a identificação do problema pelos responsáveis. Por isso, construir desde cedo um espaço para um diálogo horizontal é fundamental para enfrentar casos de bullying.

“A criança tem que ter confiança para que possa relatar qualquer situação de dificuldade que ela enfrente na escola”, analisa Wanderlei Oliveira, professor de Psicologia da PUC-Campinas.

Mas, mesmo em um ambiente de comunicação fortalecida, é importante estar alerta para alguns sinais que podem ser observados nos filhos e prenunciar o bullying:

● Mudança de comportamento em relação à escola – Estudos da área mostram que o primeiro sinal do bullying é a criança apresentar repulsa ao ambiente escolar e passar a criar estratégias para evitar as aulas. “Se antes a criança ia para a escola mais alegre, falava dos coleguinhas e sobre as coisas, esse comportamento muda, porque a escola passou a ser um espaço hostil para ela”, explica Zildinha. A queda repentina do rendimento em provas e atividades também é um indicativo.

● Sintomas psicossomáticos – Casos de bullying são gatilho para crises de ansiedade. Essas crises podem gerar sintomas psicossomáticos no momento de ir para a escola. Os sinais de origem emocional mais comuns são dor de cabeça, dor de barriga, vômitos, tonturas, falta de ar e febre.

● Mudanças na rotina – É preciso atenção a mudanças repentinas na rotina, principalmente em relação ao apetite, humor e ao sono do aluno, além do desinteresse em atividades que antes eram prazerosas. “É normal mudarmos, mas se de ontem para hoje ela apresenta comportamento diferente, os pais precisam estar atentos”, completa Wanderlei Oliveira.

● Cortes e hematomas – Mais difíceis de ser identificados, pequenos cortes nos braços e nas coxas podem ser sinal de automutilação, outro sintoma grave do bullying. Segundo Oliveira, uso de mangas compridas num dia quente pode estar escondendo esses sinais na criança e no adolescente. A psicoterapeuta Zildinha Sequeira aponta ainda para sinais de agressões físicas, como machucados, arranhões, roupas rasgadas e até material escolar quebrado.

● Agressividade – Um comportamento agressivo pode indicar que o filho é o provocador do bullying. De acordo com Oliveira, o ambiente familiar não deve enaltecer a violência, e os pais precisam apresentar limites do que é ou não aceitável nas atitudes dos filhos: “As crianças só vão conseguir fazer uma leitura de mundo adequada e mudar o seu comportamento na medida em que, na família, a violência não seja tolerada nos discursos, nas narrativas e no comportamento”.

Créditos da imagem: Adobe Stock

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