Artigo

ENSINO HÍBRIDO

Tecnologia, sim, mas com alunos na escola

A pandemia vai passar, mas o ensino híbrido veio para ficar. O desafio agora é usar as ferramentas tecnológicas na educação presencial

Por Rodrigo Simões

O ano de 2020 foi extremamente desafiador para a educação em todo o mundo. A pandemia de covid-19 exigiu a paralisação imediata das aulas presenciais e obrigou professores e alunos a se adaptar, de um dia para o outro, ao ensino remoto.

 

Já em 2021, mesmo com todas as incertezas acerca do coronavírus e suas variantes, o retorno definitivo ao espaço físico da escola ganhou força com o avanço da vacinação em todo o Brasil. Mas em um movimento gradual, muitas vezes misturando aulas presenciais e remotas. Este cenário gera alguns questionamentos e também confusões, a começar pela associação equivocada ao conceito de ensino híbrido. “A grande confusão que vemos entre o que é ensino híbrido, ensino a distância e ensino remoto é a presença das tecnologias digitais”, comenta Lilian Bacich, doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano e diretora da Tríade Educacional. “O ensino híbrido é uma abordagem que considera a integração entre aquilo que o estudante realiza com o uso de recursos digitais e aquilo que ele faz de forma desconectada, interagindo com os educadores e os pares.”

 

A especialista explica que, apesar de contar com ferramentas modernas em sua aplicação, o ensino híbrido exige a presença física dos alunos na escola – e pode ser, inclusive, 100% presencial. Isso ocorre porque o uso da tecnologia tem como maior objetivo colocar o aluno como foco do processo de aprendizagem, oferecendo a possibilidade de personalização dos conteúdos abordados em classe. “Os recursos digitais nos dão condições de entender de que maneira o aluno aprende melhor, quais são as dúvidas e facilidades, o que ele sabe fazer bem e o que ele tem mais dificuldade. E o professor, a partir dessas informações, pode aprimorar a aula seguinte”, resume Lilian.

 

Por isso, a abordagem pedagógica não tem nenhuma relação com a educação a distância (EAD), modalidade que conta com regulamentação própria e que se consolidou no ensino superior nos últimos anos – em 2019, foi a opção escolhida por 43,8% dos ingressantes em cursos de graduação no Brasil, segundo dados do último Censo da Educação Superior, divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). “O EAD tem toda uma estrutura de design instrucional, que é relacionado especificamente com um ensino apoiado apenas em tecnologias digitais e para o qual você se matriculou. Você buscou estudar nesse modelo”, complementa a especialista.

 

Implementação exige estratégia

Com o retorno definitivo às aulas presenciais no horizonte, algumas instituições já vislumbram aproveitar a estrutura e os conhecimentos adquiridos nos últimos meses para seguir com a abordagem do ensino híbrido. “Está implantado. Muito mais com os menores, mas a ideia é que consigamos implantar, de acordo com a necessidade, até o 3º ano do ensino médio”, afirma Patrícia Nogueira, diretora-geral pedagógica do Colégio Pentágono, em São Paulo. Segundo ela, a aplicação dos conceitos com as crianças mais novas é estratégica: foram elas que mais sofreram para se adaptar às aulas a distância e, no presencial, já costumam exigir metodologias diferentes e recursos para atrair a atenção. “O aluno do ensino médio já está acostumado com um outro ritmo. Foi uma faixa etária que se adaptou muito bem ao remoto”, compara.

 

Além da receptividade dos estudantes em cada faixa etária, a educadora explica que outro fator fundamental no planejamento da instituição é o processo de preparação dos professores. E, no caso da abordagem híbrida, esta formação não está relacionada apenas a ferramentas e recursos tecnológicos, mas também a metodologias ativas – que têm o aluno no centro da aprendizagem – e, especialmente, à adequação do currículo, já que não basta misturar atividades presenciais e digitais, elas precisam ser complementares.

 

Mesmo com a implementação recente, a diretora-geral pedagógica considera que os resultados iniciais são promissores: “É uma metodologia que veio para ficar, porque é uma combinação que favorece a aprendizagem”.

 

Infraestrutura é o grande desafio

 

Lilian Bacich concorda que as novas ferramentas e recursos assumem um papel cada vez mais importante nas experiências de aprendizado que o educador planeja para suas aulas, mas pondera: além da formação docente, o acesso à tecnologia é outro desafio a ser superado. “Os problemas de infraestrutura são independentes, obviamente, do ensino híbrido. São questões como dificuldade de acesso a recursos digitais e à internet no País. Neste período de pandemia, foi evidente a dificuldade de chegar próximo a esses alunos no ensino remoto emergencial”, lamenta. “Várias ações foram realizadas, como programas de TV, programas de rádio, acesso via WhatsApp com as famílias e, até mesmo, materiais impressos que eram entregues para as crianças poderem dar continuidade aos estudos.”

 

E, nesse aspecto, os estudantes de escolas públicas são os que mais sofrem. Segundo dados da pesquisa Pnad TIC 2019, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em abril deste ano, 4,3 milhões de estudantes não acessaram a internet em 2019, sendo mais de 95% deles da rede pública. “Quando falamos em ensino híbrido, estamos relembrando que uma das competências gerais da BNCC [Base Nacional Comum Curricular] é a cultura digital, e a escola tem a responsabilidade de desenvolver esta competência, para os estudantes poderem interagir com recursos digitais e aprender como produzir por meio do digital, não só consumir conteúdos nesse ambiente”, finaliza a pesquisadora.

 

Modelo previsto para desastres foi usado durante a pandemia

A interrupção repentina das aulas presenciais em 2020 exigiu ações rápidas por parte das escolas e dos educadores. No entanto, apesar de toda a urgência da situação e da necessidade de resolver o problema em larga escala, o modelo utilizado na resposta não era uma novidade. “O Ensino Remoto Emergencial (ERE) já existia como conceito e é algo que acontece em momentos de exceção, não só como vimos agora na pandemia, mas em cidades que sofrem com ciclones, terremotos ou algo que impede a presença dos alunos na escola”, define Lilian Bacich, diretora da Tríade Educacional.

 

Em resumo, o ERE oferece formas de levar a escola, da melhor maneira possível, aos alunos que estão isolados – de envio de material impresso a transmissões ao vivo de aulas via internet, TV ou rádio.

 

É importante não confundir o ERE com outro modelo educacional que gerou debate nos últimos meses, o Ensino Domiciliar, ou Homeschooling, que teve forte presença na agenda do governo federal via Ministério da Educação (MEC). No caso do Homeschooling, a proposta é completamente diferente: a família opta por retirar o estudante do sistema formal de ensino e se responsabiliza por sua educação em casa.

 

Regulamentado em diversos países – como Austrália, Canadá, Estados Unidos, Inglaterra e França – e proibido em outros – como Alemanha, Argentina, Coreia do Sul, Holanda e Uruguai –, o Homeschooling é muito criticado por especialistas brasileiros, que acreditam que o formato poderia ampliar ainda mais os problemas de formação dos estudantes no País.

 

Apesar dos objetivos bem diferentes, o Homeschooling e o Ensino Remoto Emergencial têm um problema em comum: a falta de socialização entre as crianças e do contato com diferentes visões de mundo. A proposta metodológica do ensino híbrido é justamente associar os benefícios do estudo presencial com a facilidade e a personalização permitidas pelos recursos tecnológicos. 

 

 

Futuro pede novas habilidades e apoio aos professores

O relatório O Futuro da Sala de Aula, divulgado pela Google for Education, identifica oito tendências emergentes globais para a educação primária e secundária, das quais três são destacadas na versão brasileira do documento: 


. Pensamento computacional;
. Habilidades para a vida e preparação da força de trabalho;
. Pedagogia inovadora.

 

De maneira geral, os dois primeiros tópicos demonstram a preocupação existente no País sobre a futura relação dos estudantes com um mercado de trabalho extremamente competitivo e que, no primeiro trimestre de 2021, registrou 14,8 milhões de desempregados, segundo dados do IBGE. Por isso, o desenvolvimento de competências digitais e de habilidades sociais e emocionais aparece como tendência no cenário nacional, associada ao desafio de ampliar o alcance de áreas fundamentais, como alfabetização e matemática básica, que ainda não são acessíveis a toda a população. 

 

Já o terceiro item aponta o holofote para a falta de apoio aos professores em sua formação tecnológica, desde os níveis mais básicos até a utilização de ferramentas avançadas que podem facilitar seu trabalho. Dados divulgados pelo Instituto Península em março de 2020 apontavam que 49% dos professores participantes da pesquisa consideravam um grande problema, já no início da pandemia, a falta de formação para lidar com os desafios do ensino remoto. 

 

Desde então, os sistemas evoluíram muito e boa parte dos professores aprendeu na prática a utilizá-los. “Temos plataformas que apoiam, como o Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), como Google, Microsoft e Moodle. São ambientes virtuais que favorecem a criação de um repositório que esses alunos possam acessar e trabalhar colaborativamente”, detalha a especialista Lilian Bacich.

 

Para a pesquisadora, no entanto, as ferramentas educacionais devem evoluir para ajudar os educadores na gestão da turma e na personalização das aulas. “Avançamos para olhar de que maneira as plataformas podem funcionar) para ajudar a coletar dados e para dar informações para que os professores saibam o que fazer com esses dados”, projeta.

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