Governo Lula tem a difícil missão de gerar desenvolvimento econômico e social sem gastar mais do que arrecada
Quem administra uma casa sabe bem que, além de garantir comida na mesa e pagar os boletos, é preciso ter um controle rigoroso para se gastar menos do que se arrecada – caso contrário, o resultado inevitável é o endividamento. Se numa família já não é fácil conseguir esse equilíbrio, considerando-se demandas, necessidades e interesses coletivos e de cada morador, imagine as dificuldades num País com 215 milhões de habitantes.
Para o economista Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda, o governo Lula terá como um de seus grandes desafios aprofundar o entendimento coletivo sobre a relação entre gasto público, carga tributária e estoque da dívida pública. “A esperança é de que possamos avançar na busca de maior maturidade político-institucional e de debate público de nível – menos ideologizado, mais informado e mais voltado para a busca das convergências possíveis”, diz Malan. “Será fundamental, já em 1º de janeiro de 2023, sinalizar com clareza, de maneira crível, que existe um sistema de regras que assegurem a sustentabilidade da trajetória de finanças públicas no Brasil.”
Integrante da equipe de transição do novo governo, o economista Pérsio Arida diz que, mesmo com toda a questão fiscal e o cenário internacional adverso – agravado pela recessão e o aumento de juros nos Estados Unidos –, o Brasil não pode deixar de trabalhar pela educação e inclusão social a longo prazo. “Nosso principal desafio econômico é crescermos de forma inclusiva e sustentável. Não é simples, mas é perfeitamente possível”, afirmou Arida, ex-presidente do Banco Central e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), durante o recente evento Lide Brazil Conference, realizado em Nova York.
“Será fundamental, já em 1º de janeiro de 2023, sinalizar com clareza, de maneira crível, que existe um sistema de regras que assegurem a sustentabilidade da trajetória de finanças públicas no Brasil.”
Pedro Malan
Busca de consenso
Para o professor André Biancarelli, do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), será fundamental reconstruir o arcabouço fiscal, a partir da constatação de que o teto de gastos é uma regra mal formulada e inviável. “É preciso uma refundação cuidadosamente discutida e planejada, que passe longe de regras rígidas ou obsessões sobre redução do Estado, que permita sinalizar uma trajetória sustentável para as despesas e carga de impostos, mas resgate a capacidade de planejamento, indução do desenvolvimento pelo Estado e as enormes tarefas do setor público na dimensão social.”
Pelo lado positivo, avalia Biancarelli, as sinalizações são menos concretas e mais políticas: um processo de normalização institucional e política que pode ser muito significativo, inclusive para efeitos econômicos. “Há uma boa vontade internacional com o Brasil, depois de uma política externa que dizimou nossa imagem”, observa o professor da Unicamp. Ele lembra também que, em contraste ao cenário de 20 anos atrás, quando Lula assumiu pela primeira vez, a vulnerabilidade externa da economia brasileira é bem menor. “Isso, historicamente, faz muita diferença. O clássico problema de escassez de divisas não está entre os principais desafios econômicos no horizonte de curto prazo”, avalia Biancarelli.
O professor Mauro Rodrigues, da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA-USP), lembra que a questão fiscal depende fortemente de reformas estruturantes, especialmente a tributária. “Essa é urgente. Aliás, faz 20 anos que é urgente. Não dá mais pra esperar”, ele observa. Rodrigues avalia positivamente a movimentação da equipe de transição e a acolhida que o processo vem recebendo, em geral, no meio político. “A polarização exacerbada atrapalha sob muitos aspectos, e um deles é que políticas públicas envolvem a busca de consenso. Não se trata de beneficiar um grupo e punir outro, e sim de fazer o que é melhor para o País.”