O setor financeiro do Brasil vem passando por grandes transformações, impulsionadas pela revolução digital. Enquanto o pix – modalidade de pagamento eletrônico instantâneo – entrou no cotidiano dos brasileiros, o momento agora é de disseminação do conceito de open finance. “Nossa agenda de projetos não parou durante a pandemia”, observou Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central do Brasil, durante a cerimônia de premiação do Finanças Mais.

O pix, que completará um ano de funcionamento em novembro, já tem 313,3 milhões de chaves cadastradas, envolvendo 99,9 milhões de pessoas físicas e 6,8 milhões de empresas. No início de setembro, foram anunciados dois novos recursos, o Pix Saque e o Pix Troco, que tendem a disseminar ainda mais a utilização da ferramenta. “Trata-se de uma terceirização inteligente. Todo mundo que tem um comércio vai poder performar como caixa eletrônico”, descreveu Campos.

As novas modalidades, que entrarão em vigor no final de novembro, permitem operações em que a pessoa faz um depósito via pix para um estabelecimento comercial e sai de lá com dinheiro vivo – no mesmo valor do depósito (Pix Saque) ou num valor acrescentado às compras realizadas no local (Pix Troco). “Essas alternativas serão muito importantes no interior do Brasil”, afirmou o presidente do BC. Ele ressaltou as dificuldades para obter dinheiro enfrentadas por moradores de localidades sem agências bancárias e nas quais caixas eletrônicos sofrem constantes atos de vandalismo.

O pix já responde por 65% das transações realizadas no Brasil sem dinheiro em espécie, ante 26% que utilizam boletos e 9% na soma de TED, DOC e TEC.. O presidente do BC ressaltou, no entanto, que não está ocorrendo apenas a substituição das modalidades disponíveis anteriormente, mas sim uma grande ampliação das transações que dispensam notas e moedas – um salto de 621 milhões para 1,4 bilhão por mês desde novembro do ano passado, quando o pix foi lançado.

 

Incentivo à competição

A rápida disseminação do pix simboliza o quanto a adoção de novas tecnologias tem transformado o mercado financeiro – um processo que nunca foi tão perceptível quanto no último ano e meio, ressaltou a analista de investimentos Maria Tereza Azevedo, vencedora do Broadcast Analistas, empatada com Augusto Gazzola. “A pandemia trouxe novos desafios e escancarou a necessidade de digitalização e conectividade”, ela observou, ao receber o prêmio.

Num mercado financeiro cada vez mais dependente de dados, o conceito de open finance (que substituiu o termo originalmente utilizado, “open banking”, por ser mais abrangente) é outra inovação em curso com grande potencial revolucionário. Trata-se da possibilidade de compartilhar as informações sobre os produtos e serviços que a pessoa tem em uma determinada instituição financeira com todas as demais instituições participantes do ecossistema.

A ideia central é incentivar a competição, por meio da lógica de que, ao conhecer detalhes do relacionamento que clientes em potencial têm com outras instituições, torna-se mais fácil para um banco, uma financeira, uma cooperativa ou outros players do mercado criar estratégias para conquistar esses clientes, por meio da oferta de melhores condições. De acordo com as regras estabelecidas pelo Banco Central, as maiores instituições financeiras do País são obrigadas a participar do ecossistema, enquanto as de menor porte podem optar por entrar ou não.

Ao utilizar plataformas eletrônicas que proporcionarão um controle centralizado da vida financeira, os clientes terão acesso a uma série de facilidades – como, por exemplo, solicitar orçamentos de empréstimos e financiamentos a várias instituições, de uma vez só, com padronização de taxas, prazos e outras condições, o que facilita a comparação e a decisão.

 

Outras adesões

No open finance, os clientes precisam autorizar o compartilhamento de suas informações, decisão que pode ser revogada a qualquer momento. Para facilitar eventuais ajustes que se mostrem necessários, o processo foi iniciado com uma escala que prevê limitações na quantidade de autorizações para o compartilhamento, dos horários permitidos para realizar o compartilhamento e das informações a ser compartilhadas. Esses limites serão gradualmente ampliados, semana a semana.

Para monitorar a evolução dentro dos parâmetros planejados, foi criada uma Estrutura de Governança, reunindo as entidades de classe mais representativas do sistema financeiro. As regras para essa estrutura também foram definidas pelo Banco Central, que acompanha tudo de perto para assegurar a representatividade e evitar eventuais conflitos de interesse. A Estrutura de Governança é composta pelo Conselho Deliberativo (que toma decisões), o Secretariado (que organiza os trabalhos) e os grupos técnicos (que elaboram estudos e propostas).

O presidente do BC antecipou que os planos envolvem a conexão futura entre pix e open finance, além de outras possíveis adesões ao longo do processo. “Estamos em conversa para colocar seguros, plano de saúde e outros produtos nesse mesmo formato”, contou Campos.

 

Real Digital deve chegar em dois anos

Outro projeto da estratégia de inovação tecnológica do mercado financeiro do Brasil é o lançamento do Real Digital – moeda virtual que terá, como principal objetivo, reduzir o uso de papel-moeda, primeiro passo do processo para eliminá-lo de vez. Será algo semelhante ao ocorrido com os talões de cheque, que durante muito tempo fizeram parte do cotidiano dos brasileiros e hoje estão praticamente extintos.

O processo de criação da moeda digital brasileira está em fase de estudos pelo Banco Central e deve se estender por pelo menos mais dois anos até o lançamento. As principais economias do mundo, como Estados Unidos, China e Japão, também estão desenvolvendo ideias semelhantes.

O Real Digital será emitido pelo Banco Central, a exemplo do que ocorre com o papel-moeda – a existência de um ente regulador é, portanto, a principal diferença em relação às criptomoedas. O já chamado “e-real” poderá ser utilizado para a realização de compras, transações e investimentos – enfim, todas as mesmas possíveis aplicações do dinheiro em espécie.

Mais do que a simples substituição de um pelo outro, no entanto, espera-se que a novidade traga outros benefícios para a sociedade. Um desses efeitos será a maior facilidade para o monitoramento de movimentações financeiras, o que contribuirá para o combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento de atividades como crime organizado e terrorismo. Há também a expectativa de fomento de novos modelos  de negócios baseados em tecnologia, especialmente aqueles relacionados à Internet das Coisas.