O cenário nem sempre é trivial. No Brasil, existem questões peculiares como o baixo ritmo das chuvas, a inflação e uma antecipação do debate eleitoral de 2022. Mas enquanto o respeito à democracia e ao rito eleitoral estiverem presentes, segundo especialistas, a situação continua classificada como normal, ainda mais em uma democracia em consolidação.

“A renda variável está descolada de outras Bolsas de países centrais, principalmente em relação à China. Mas o risco não é maior aqui no Brasil do que sempre foi. A instabilidade política é maior do que o investidor estrangeiro gostaria e pode haver ainda um acirramento das discussões políticas, mas as instituições estão funcionando e é isso que o mercado olha”, afirma Jayme Carvalho, planejador financeiro CFP e conselheiro da Associação Brasileira de Planejamento Financeiro (Planejar). Para o analista, a questão eleitoral acaba diminuindo a vida útil do governo, interferindo no Congresso e trazendo volatilidade aos mercados, mas tudo dentro das regras do jogo.

A avaliação de Carlos Prates, diretor-geral da Moody’s no Brasil, segue uma linha semelhante. Segundo ele, a atual conjuntura política nacional não deve fazer com que o País tenha uma piora no ranking da Moody’s. De acordo com o executivo, presente na premiação do Finanças Mais, os ruídos políticos são normais para os mercados perto de anos eleitorais. A avaliação da agência é que as manifestações do presidente da República, Jair Bolsonaro, não interferem no quadro macro. Os analistas da agência, em seus cenários, não consideram nenhuma outra possibilidade que não seja a realização das eleições presidenciais no País em 2022.

“Não vemos as declarações [do presidente] como ameaça real aos Poderes, mas como engajamento de força política na base [eleitoral]. A gente não enxerga as ameaças como sendo de grandes proporções, porque as instituições do Brasil são muito fortes. O Judiciário é muito forte e essa fortaleza é um dos motivos do ruído. É algo que, se confirmado como real, pode afetar a nota do Brasil, da América do Sul, dos países emergentes como um todo, mas não trabalhamos com essa hipótese de maneira alguma”, afirma Prates.

Roberto Secemski, economista-chefe para o Brasil do banco Barclays, diz que a polarização política nas eleições de 2022 e a decisão do governo federal de expandir gastos, principalmente com o reajuste de 50% do novo Bolsa Família, podem respingar também na confiança de investidores. “O mercado está apreensivo e nervoso em relação aos prêmios de riscos. A expansão do Bolsa Família é importante, mas o teto existe para limitar escolhas e é isso que o governo precisa pensar neste momento”, afirmou.

Segundo Fernando Honorato, esconomista-chefe do Bradesco, haverá turbulência na economia, mas também caminhos que podem levar a uma recuperação. “O que a gente oferece é projeção. As projeções da inflação de 2022 não se refletem só na política monetária. A expansão do teto de gasto federal é uma das principais preocupações para justificar se o Brasil terá um ano complicado em relação aos investimentos.”

Uma das maiores incertezas, portanto, pelo quadro apresentado no evento, antes das manifestações do dia 7 de setembro, está relacionada com a questão do teto orçamentário. “Quando falamos da nota, falamos da capacidade de pagar as dívidas e o lado fiscal sempre importa. Então, acreditamos que estamos dentro da perspectiva de que haverá pagamento de dívida. Na nossa visão, as reformas manterão a dívida sob controle”, concluiu Prates.

O consultor financeiro Ricardo Hirata considera impossível separar a política da economia. “Por isso, a situação de médio prazo, quer dizer, de até um ano, será de alta instabilidade”, diz Hirata. Cenário que pode se agudizar ainda mais por causa das proximidades das eleições e pelo fato de a circulação do coronavírus ainda estar intensa em alguns países. “Haverá, neste período, uma forte luta contra a inflação por meio da Selic, além de políticas não favoráveis ao controle fiscal. No longo prazo teremos mais certezas, pois, independentemente do vitorioso na corrida presidencial no ano que vem, devemos ter maior estabilidade e crescimento”, diz Hirata.

 

Crise hídrica no radar

Com a chegada do verão no Brasil, a expectativa é de que a crise hídrica possa se agravar e continuar afetando a economia e o PIB que, como mostram os dados mais recentes, andou de lado no segundo trimestre do ano. Por isso, o tema da gestão dos recursos hídricos, segundo os especialistas, não deve deixar o radar tão cedo. Tudo indica, na avaliação do setor, que o problema vai preocupar o investidor durante pelo menos parte de 2022. Com isso, o aumento da inflação e a retração do PIB podem ficar sobre a mesa por mais tempo.

“Estamos para atingir o pico de inflação. A reabertura econômica com a inflação carregada pode permitir um repasse maior. Vemos o choque nos preços do atacado, que subiram 50% e não se reproduziram em toda a cadeia. As pressões para cima são muito fortes”, disse Roberto Secemski, economista-chefe para o Brasil do banco Barclays, durante participação em painel na premiação do Finanças Mais.

A seca pode ter também um efeito grave sobre o agronegócio. Previsões indicam a tendência de recuo no PIB do setor neste ano, algo que não é registrado desde 2016. O impacto da seca sobre todo o PIB do Brasil, entretanto, ainda é difícil de ser mensurado. O tamanho da crise – o País poderá precisar adotar um racionamento, por exemplo – só ficará mais claro nos próximos meses, a depender da quantidade de chuva sobre os reservatórios.

Fernando Honorato, economista-chefe do Bradesco, afirma, no entanto, que o racionamento não é algo que já seja irreversível. “Na minha visão, conseguiremos manter os reservatórios em 10% da capacidade, no período de chuva. Se diminuir mais do que isso, podemos ter problemas. Chegamos a operar com 5% em Sobradinho, mas o assoreamento complica [a operação]. Será necessário muita colaboração do governo e da sociedade para evitar medidas preventivas de demanda. O fato é que, por enquanto, não está no nosso cenário de PIB um racionamento propriamente dito. Se houver, o PIB vai ser impactado. É um choque de oferta. Mas tudo depende da severidade”, avaliou Honorato.