Por Maurício Oliveira

O Brasil está tentando colocar suas contas em ordem, assim como boa parte dos brasileiros no pós-pandemia – 77,4%, para ser mais exato, de acordo com o resultado de outubro da pesquisa mensal de endividamento realizada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). A fórmula para não entrar em dívida é simples e todo mundo conhece: não se deve gastar mais do que se ganha. Ainda assim, poucos brasileiros podem encher o peito e dizer que estão com as contas em dia, seguros de que poderão pagar todas as despesas previstas para o próximo mês.

Muitas vezes os gastos são consequência de imprevistos. A pandemia provocou essa sensação na maioria dos lares brasileiros e também nas contas governamentais. Um exemplo está no programa Bolsa Família, que está completando duas décadas de existência e deverá consumir, este ano, R$ 175 bilhões. Em 2019 – há apenas quatro anos, portanto –, a conta foi de R$ 30 bilhões. Esse aumento expressivo do montante aplicado no programa, consequência direta dos efeitos devastadores da pandemia, se deu nem tanto pelo número de famílias atendidas, que passou de 14 milhões para 21,5 milhões, mas pelo valor médio do benefício, de R$ 190 para quase R$ 700 por família.

Apesar da inegável importância da transferência de renda, é essencial que o governo saiba de onde virá o dinheiro para cobrir os custos determinados pela Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, que no final do ano passado autorizou a ampliação do teto de gastos justamente para bancar os programas sociais no pós-pandemia. “O Bolsa Família consumia 0,5% do PIB e, com a PEC da Transição, chegou a quase 1,5% do PIB”, lembra a economista Silvia Matos, do FGV Ibre. “É preciso encontrar uma fonte de renda permanente para bancar essa diferença.”

“Mesmo que a reforma tributária tenha efeito de longo prazo, tira do caminho uma incerteza dos investidores.”
Rafael Cagnin, economista.

Reforma tributária segue em frente

O governo tenta avançar nas reformas que poderão proporcionar a renda necessária, com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, à frente da missão de fazer as costuras necessárias no Congresso para cumprir as metas fiscais. A reforma tributária está em fase de debates na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, com expectativa de votação na primeira quinzena de novembro. Por ser também uma PEC, terá de passar por dois turnos de votação e receber o apoio de pelo menos 49 dos 81 senadores.

“Mesmo que a reforma tributária tenha efeito de longo prazo, tira do caminho uma incerteza dos investidores, de tal forma que encaminhar essa agenda já representa uma sinalização bastante positiva”, ressalta Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). Ações em busca do equilíbrio macroeconômico, como a manutenção das metas de inflação – apesar da pressão da chamada “ala política” do governo – e a aprovação do novo arcabouço fiscal (em substituição ao modelo de teto de gastos), têm sido avaliadas positivamente pelo mercado.

Um dos riscos que os analistas temem é a criação de políticas de subsídios para determinados setores, sem a avaliação profunda de custos e benefícios envolvidos. O governo Lula parece estar decidido, no entanto, a permanecer distante de algumas visões adotadas no passado por motivações mais ideológicas do que econômicas. Um indício disso é não ter havido retrocessos, ao menos por enquanto, em reformas macro e microeconômicas implementadas desde 2016.

Há uma discussão entre os economistas a respeito de quanto essas reformas já estão impactando o PIB potencial brasileiro. “Ainda que de difícil mensuração, há cada vez mais suspeitas de que o PIB potencial brasileiro possa já ser maior diante dos efeitos das reformas implementadas”, diz a economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria. No caso da reforma tributária sobre o consumo de bens e serviços, com a implementação do Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), a expectativa é de que possa ser mais bem precificada pelos agentes econômicos e agências de rating já a partir da aprovação. “Será um passo relevante para aumentar a produtividade da economia e, consequentemente, da sua capacidade de crescer sem gerar desequilíbrios como a inflação”, acrescenta a economista.

Imagem: Adobe Stock