A vida da curitibana Maitê Schneider, 48, sempre esteve ligada à luta pelos direitos da população trans. Depois de ver as portas do mundo corporativo fecharem na sua cara, recebeu
a ajuda do pai, que abriu uma banca de jornal na capital paranaense para que a filha pudesse trabalhar pelo próprio sustento. “Ele sempre dizia que eu era uma mulher com infinitas qualidades”, conta. Entre elas, a de se juntar com outras ativistas para lutar por uma verdadeira transformação social para população LGBTQI+.
A Transempregos, fundada em 2013 com um grupo de amigas, tem data para deixar de existir. “Nosso objetivo sempre foi acabar com o projeto em 15 anos e que até lá as empresas já tenham criado seus filtros de recrutamento e seleção, e tenham entendido que estão perdendo pessoas talentosas”, diz Maitê. “Porque talento não tem nada a ver com identidade de gênero, orientação sexual, credo, raça e outras coisas. Nossa meta é não precisar mais existir.” Maitê dá palestras gratuitas para empresas que querem se tornar mais diversas. Ela também presta serviço remunerado de consultoria para organizações que querem fomentar uma cultura verdadeiramente inclusiva.
BASTA CONTRATAR PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, LGBTQI+, PESSOAS NEGRAS E MULHERES PARA SER UM LUGAR DIVERSO?
MS – Colocar diversidade onde não há cultura verdadeiramente inclusiva – e um ambiente de segurança psicológica e de combate às discriminações – mata essa diversidade. A pessoa pede para sair porque não tem clima organizacional para continuar, porque se sente um ET dentro da equipe. Então, às vezes, esse caminho é um pouco mais demorado. Você tem que preparar o ambiente, deixar a cultura organizacional mais inclusiva como um todo. E se o caminho como um todo. E se o caminho mesmo sem consultoria, porque as pessoas que estão na empresa começam a sentir segurança para falar de suas questões e, ao mesmo tempo, começam a trazer pessoas próximas, pensando “vou trazer meu amigo para trabalhar aqui, porque aqui ser quem ele é não é problema”; “vou recomendar esse lugar incrível para meus amigos”.
COMO VOCÊ AJUDA AS EMPRESAS A SER MAIS DIVERSAS E INCLUSIVAS?
MS – Geralmente a empresa me chama e o CEO ou o presidente me apresentam o local. “Eu tenho tantas mulheres, tantas pessoas negras em postos de liderança.” Eu escuto, pego o crachá que me deram para entrar no local e falo “agora vocês vão trabalhar que eu vou passear pela empresa e ouvir o que os funcionários têm a me dizer”. Dou um perdido e converso com todo mundo. Entro nos banheiros, vou no cafezinho. Depois de horas de passeio, eu me sento de novo com as lideranças e digo “a empresa que você acredita ter é essa, mas a empresa que você verdadeiramente tem é esta. Para você chegar nessa empresa ideal que mostrou para mim, a gente vai estabelecer algumas metas a curto, médio e longo prazo, do jeito que vocês quiserem e dentro da velocidade que vocês estiverem a fi m”. Porque é muito diferente como as pessoas se percebem e o que de fato acontece.
“Nosso objetivo sempre foi acabar com o projeto em 15 anos e que até lá as empresas já tenham criado seus filtros de recrutamento e seleção, e tenham entendido que estão perdendo pessoas talentosas”
VOCÊ IMAGINOU ALGUM DIA QUE A TRANSEMPREGOS IA SE TORNAR TÃO GRANDE E TER QUASE 500 EMPRESAS PARCEIRAS?
MS – Quando a gente começou, a primeira empresa que contratou uma pessoa trans foi um motel. Nada contra, mas eu pensei: “Não vão vir empresas”. E foi um “boom”, só no ano passado eu palestrei 479 vezes. E a gente fala com todo mundo. Startup, multinacional, microempresas. E quando a gente conseguir mudar essa percepção no micro, quando eu vir uma pessoa trans trabalhando na padaria do Zezinho da esquina, a gente vai estar chegando nesse lugar ideal com mais equidade, não só para mim, mas todos que estão à nossa volta. Só assim que vai estar legal, né?