Por Jaime Troiano, engenheiro e sociólogo
Há alguma controvérsia a respeito, mas dizem que o escrivão da esquadra de Cabral, nos contatos iniciais com a então chamada Ilha de Vera Cruz, escreveu para o Rei Dom Manuel. Na carta, sintetizava suas impressões dizendo que é uma terra em que, se plantando, tudo dá.
Durante muito tempo, nos meus anos de ensino básico, ouvia com muito orgulho essa arcaica mensagem. O tempo passou e, por caminhos novos, comecei a duvidar de que isso fosse verdade. Não seria isso apenas uma forma de esconder tudo o que poderíamos ter sido, por estarmos confortavelmente deitados, “eternamente em berço esplêndido”?
O tempo continuou passando e uma visão renovada e mais madura sobre nossa história tem me levado a pensar que Pero Vaz de Caminha, o escrivão da esquadra, não teve apenas uma visão idílica, um sonho extravagante sem pé nem cabeça. Mas um sentimento premonitório.
O que essa introdução, aparentemente deslocada do ponto de vista histórico, tem a ver com o nosso trabalho deste ano para o Marcas Mais do Estadão? É um devaneio gratuito de um profissional de negócios e branding? Ou quem sabe uma celebração da memória das aulas de História da Professora Leocádia, na Caetano de Campos, aqui em São Paulo? Quero crer que não é nem devaneio e nem a poeira da memória.
Olhando para nosso mercado, como ele está constelado atualmente, vendo como as organizações brasileiras se envolvem com ele, como os consumidores em nossa sociedade se relacionam com empresas e marcas, arrisco dizer que o escrivão foi premonitório. Mesmo nos momentos mais sombrios, não deixamos de acreditar que, em se plantando, tudo dá.
O Marcas Mais, ao longo de suas edições anuais, tem mostrado a força das empresas e marcas que nasceram aqui, ao nosso lado. Que foram plantadas nas cinco regiões do País e repercutem as palavras de Caminha.
Talvez nesta edição, mais do que em anteriores, as marcas posicionadas nas primeiras posições do ranking, quando vemos os resultados do Brasil como um todo, confirmam isso. Auditamos um total de 325 marcas e uma parte substancial delas é brasileira e ocupa posições de prestígio no ranking.
Não é uma constatação com um viés xenofóbico. Por duas razões. Primeiro, porque é uma expressão objetiva e numérica dos próprios resultados. Segundo, porque as organizações que foram se desenvolvendo e se profissionalizando em nosso país aprenderam muito (e continuam a aprender) com os insights e ensinamentos das multinacionais que aqui aportaram. Porém, chega um momento em que passam a caminhar com as próprias pernas. A canção do Gilberto Gil já nos dizia isso quando ele fala da sua terra: “A Bahia já me deu régua e compasso, meu caminho pelo mundo eu mesmo traço”. Embora não nos esqueçamos de que o inverso também é verdadeiro. As marcas globais também sabem o quanto têm aprendido com quem nasceu aqui e conhece, com a insubstituível sabedoria dos nativos, como se movimentar no mercado. A propósito, os melhores coordenadores internacionais de empresas globais que eu conheci nunca deixaram de ouvir o “Oráculo de Delfos” de profissionais brasileiros.
E para completar. Há dois fatores que têm facilitado a briga entre empresas e marcas nacionais diante das competidoras internacionais.
Fator 1: O consumidor brasileiro é cada vez menos malinchista! “Malinchismo é um termo pejorativo usado para explicar as formas de atração que o estrangeiro exerce no imaginário popular, fazendo com que indivíduos percam o espírito de nacionalidade ao se passar para o lado do outro.” Desde o Império, sempre fomos muito malinchistas, também, não só o México onde nasceu o malinchismo. Alguma coisa, porém, aconteceu nestas últimas décadas que tem nos aproximado do que se planta aqui. Cada vez, fazemos melhor o que já fazíamos antes. Resultado: criamos uma vacina nativa contra o malinchismo.
Fator 2: Cortei um filé em Oslo e vi que a faca era uma Tramontina; olhei para os pés de uns garotos em Valência e calçavam Havaianas; acompanhei o ATP de tênis de Miami com placas do Itaú nas quadras; Fogo de Chão em Vancouver…Imaginem o quanto tudo isso credencia o que fazemos aqui, como um valioso selo de origem.
Onde quer que esteja, Caminha deve estar sussurrando: eu não disse!