Quando estava no quinto período da Faculdade de Direito de Curitiba, Maitê Schneider, 48, uma mulher transexual, procurou estágio em pelo menos vinte escritórios de advocacia. Foi recusada em todos. “Eu tranquei o curso”, afirma. “O mundo corporativo para uma pessoa trans era um caminho que não existia, não era possível, a não ser que você mantivesse sigilo de suas questões identitárias.”
Desde então muita coisa mudou – e com a colaboração de Maitê, inclusive. Em 2009, ela e algumas amigas, como a cartunista Laerte Coutinho, fundaram a Associação Brasileira de Transgêneros, focada no acesso à educação para pessoas trans. Anos depois, em 2013, nascia a Transempregos, um projeto de empregabilidade para quem, como Maitê, não encontrava oportunidade no mercado formal de trabalho. “No começo a gente só queria dar ‘match’ entre os currículos de pessoas trans e as empresas. Hoje em dia a gente faz também um trabalho de conscientização e de pensar estratégias para uma cultura organizacional mais inclusiva, fazendo projetos de impacto, agregando responsabilidade social à marca ou aos produtos”, diz Maitê.
Uma das primeiras empresas que procuraram a Transempregos foi o Grupo Pão de Açúcar. Segundo Susy Yoshimura, diretora de Sustentabilidade e Compliance do GPA, a empresa tem como prioridade respeito e promoção dos direitos LGBTQI+, mas também trabalha inclusão e desenvolvimento de pessoas com deficiência, equidade de gêneros e racial e diversidade etária. “É importante que nosso time reflita a sociedade, que é plural”, diz Susy. “Quanto mais diversidade e representatividade em nossas lojas, mais entenderemos nossos clientes e suas demandas. Devemos proporcionar ações inclusivas para contribuir com a transformação.”
É MUITO POUCO
O crescimento da diversidade no ambiente corporativo foi mensurado recentemente pela pesquisa A Diversidade e Inclusão nas Organizações no Brasil, realizada pela Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje). Foram ouvidas 124 empresas que, juntas, empregam mais de 850 mil funcionários e faturam o equivalente a 18,3% do PIB brasileiro. Uma em cada seis disse ter programas internos de diversidade e inclusão, geralmente ligados aos departamentos de Recrutamento e Seleção, Comunicação ou Treinamento e Desenvolvimento. Quando questionadas sobre os motivos dessas iniciativas, a maioria afirmou que o objetivo era “melhorar a imagem e reputação” (68%). A pesquisa revelou, ainda, que os maiores progressos das empresas em relação aos programas de diversidade e inclusão foram referentes à identidade de gênero (63%).
Segundo Ricardo Sales, doutorando em Políticas de Diversidade pela ECA-USP e professor da Fundação Dom Cabral, a questão da diversidade nas empresas é um imperativo moral e ético. “A sociedade é profundamente desigual e as empresas estão inseridas nessa sociedade, portanto têm a obrigação de ajudá-la a avançar nessa temática”, afirma.
TRADIÇÃO
A multinacional de tecnologia IBM se orgulha de ter uma tradição de décadas no respeito à diversidade. Em 1984, auge da aids e da discriminação aos homossexuais, incluiu em seu código de conduta global o combate à discriminação pela orientação sexual e identidade de gênero. “Para as empresas que querem avançar no tema de diversidade, isso é fundamental. No código de conduta você coloca quais são as regras do jogo”, diz Adriana Ferreira, líder de Diversidade e Inclusão da IBM para América Latina. Antes mesmo da implementação de políticas públicas ou mudanças na legislação, os funcionários da companhia já podiam incluir os companheiros do mesmo sexo no plano de saúde, por exemplo. A hormonioterapia de funcionários transexuais – ou de seus filhos e dependentes legais transgêneros – é subsidiada desde 2017. Em junho deste ano, a empresa passou a oferecer a cobertura de todos os processos cirúrgicos do processo transexualizador. Há dezessete anos, a IBM é um dos dez Melhores Locais de Trabalho para a Igualdade LGBTQI+ da Human Rights Campaign Foundation, um dos maiores grupos de defesa dos direitos civis LGBTQI+.
MAIS MULHERES E MAIS NEGROS
Embora a primeira programadora da história tenha sido uma mulher, a inglesa Ada Lovelace, o mercado de tecnologia sempre foi dominado por homens. Uma realidade que a consultoria global de software Thoughtworks tem conseguido transformar graças a um trabalho intenso de contratação e desenvolvimento de mulheres em todos os níveis de senioridade da empresa. Em 2017, lançou o projeto Todas as Mulheres na Tecnologia e os frutos já começaram a ser colhidos: em março deste ano, quase metade (47%) da força de trabalho da empresa era feminina e elas já eram maioria nos cargos de liderança (55%). No ano seguinte, 2018, a Thoughtworks lançou outro projeto para fomentar a diversidade, o Enegrecer a Tecnologia, que desenvolve ações específicas para contratar pessoas negras. Hoje, elas já são 34% da empresa e a meta é que representem 40% da força de trabalho em 2021. Renata Gusmão, líder de Transformação Social da Thoughtworks, é taxativa: “É o certo a ser feito. A empresa tem que ter a cara do Brasil”.
A Avon, conhecida por ter mais da metade da força de trabalho feminina inclusive nos cargos de gerência e de alta liderança, também está focada em tornar a empresa mais diversificada em relação a cor e etnia. Em um futuro próximo, promete lançar “metas corajosas” para a contratação de pessoas negras, garante Daniel Silveira, presidente da Avon no Brasil. “Recentemente, fizemos um debate sobre racismo internamente e estamos construindo um plano de ação robusto para intensificar e acelerar a agenda étnico-racial dentro da empresa. Ainda estamos trabalhando nos detalhes”, revela. A companhia já tinha dado um passo nessa direção quando no ano passado aumentou de 5% para 20% a contratação de estagiários negros. “Reconhecemos que esse número ainda não reflete a realidade brasileira”, diz Silveira.
“Quanto mais diversidade e representatividade em nossas lojas, mais entenderemos nossos clientes e suas demandas. Devemos proporcionar ações inclusivas para contribuir com a transformação.”
– Susy Yoshimura, diretora de Sustentabilidade e Compliance do Grupo Pão de Açúcar
AS VANTAGENS DE NÃO SER INVISÍVEL
Companhias que investem em diversidade sexual, de gênero e de etnia são mais saudáveis, felizes e rentáveis. Costumam ter melhor retenção de talentos, saúde organizacional mais sólida e maior probabilidade de alcançar uma performance financeira superior à das empresas que não se engajaram nessa pauta. As informações são da Diversity Matters, pesquisa conduzida pela consultoria McKinsey, que analisou 700 empresas de capital aberto em toda a América Latina. Outros estudos desse tipo afirmam o mesmo.
A RESPOSTA DA SOCIEDADE
Um estudo sobre tendências globais de consumo feito pela IBM em parceria com a norte-americana National Retail Federation, a maior associação comercial varejista do mundo, revela que os consumidores de hoje valorizam marcas com “propósito”. Os pesquisadores entrevistaram cerca de 19 mil pessoas de 28 países, incluindo o Brasil, para compreender melhor como as decisões de compra individuais estão evoluindo e, assim, ajudar as empresas a entender esse novo cenário. Um terço dos consumidores afirmou que pode deixar de comprar seus produtos preferidos se perder a confiança em suas marcas favoritas e que, na hora de tomar decisões de compra, estão priorizando empresas que são sustentáveis, transparentes e alinhadas com seus principais valores.
Os investidores também já se mostraram dispostos a apostar em marcas mais engajadas em diversidade, como a Natura, por exemplo. As ações ordinárias da empresa brasileira de cosméticos dispararam no mês passado após a campanha do Dia dos Pais da marca, que contava com a participação do ator trans Thammy Miranda, filho da cantora Gretchen e pai do pequeno Bento Ferreira de Miranda, de seis meses. No último dia 29 de junho, terminaram o pregão com um avanço de 6,73%, o maior do Ibovespa, enquanto o principal índice do mercado subiu apenas 1,44%.
Milena Buosi, gerente de Diversidade da Natura, lembra que a campanha está alinhada à missão e aos valores da empresa, que se orgulha em contar com uma força de trabalho diversa desde o início de sua trajetória e tem diversidade e inclusão inseridas no plano estratégico da companhia.
Confira as Entrevistas:
Maitê Schneider, da Transempregos: “Nossa meta é não precisar mais existir”
Milena Buosi, da Natura: “A meta é ter 50% de liderança feminina até o fim de 2020”