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LINHAS PEDAGÓGICAS

De olho nos diferentes modelos de ensino

Comparada por educadores a uma ‘pequena constituição’, proposta pedagógica da instituição vai guiar a formação acadêmica do seu filho

Por Isabela Giordan

O conselho vem dos pedagogos: na dúvida entre o peso dos vários fatores que influenciam a seleção de uma nova escola, guie-se sempre pela metodologia de ensino da instituição. A linha pedagógica é o fio condutor de todas as atividades realizadas dentro do ambiente escolar, orientando até mesmo como o aluno deve agir além dos muros da escola. “Isso influencia amplamente a formação da criança, tanto em termos educacionais como sociais e até emocionais”, explica Cabé Diniz, coordenador pedagógico e psicólogo educacional.

Entre a maioria dos pesquisadores da área, há o entendimento de que é fundamental que a proposta pedagógica esteja de acordo com os valores dos responsáveis pela criança, a fim de evitar futuros conflitos. Para Andréa Patapoff, doutora em Psicologia da Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e uma das redatoras da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) da Educação Infantil, a definição de que linha seguir deve partir da seguinte pergunta: “Que tipo de sujeito você deseja formar para a sociedade?” Com essa resposta, é possível listar quais são as prioridades e buscar escolas que utilizam as teorias alinhadas a esses valores. “Qualquer linha pedagógica atribui um objetivo para a formação humana a partir das orientações que irão promover ou dificultar certas atitudes. Nenhum currículo é neutro, ele reflete os propósitos de um sistema educacional”, reforça Patapoff.

“Qualquer linha pedagógica atribui um objetivo para a formação humana a partir das orientações que irão promover ou dificultar certas atitudes.”
– Andréa Patapoff, doutora em Psicologia da Educação pela Unicamp

Atualmente, a educação básica brasileira possui duas grandes correntes, que são formadas pelas escolas tradicionais e pelas escolas contemporâneas, também conhecidas como construtivistas. A primeira corrente possui um formato mais fechado e se baseia no modelo de que o aluno se adapte às necessidades do sistema. “As estratégias pedagógicas são determinadas previamente, o papel do professor é executar o que está nos livros, apostilas e materiais didáticos previamente determinados pelos autores do programa”, explica Andréa. 

Já a segunda corrente, das construtivistas, é guiada pela resolução de problemas, tornando a criança ou o adolescente um sujeito ativo no processo. “Essa corrente não está preocupada apenas com a instrução, mas também com a formação ética, pensando no aluno como um cidadão do mundo. É uma perspectiva com o aluno mais ao centro do processo, de forma ativa”, afirma Viviane Potenza, pedagoga e doutora em Psicologia e Educação pela Universidade de São Paulo (USP). “Essa linha é pautada nas teorias da aprendizagem e também nas metodologias que permitem potencializar o aprendizado diante dos diversos jeitos de aprender”, conta Luís Gustavo Megiolaro, diretor adjunto de Unidades Escolares do Poliedro, instituição de ensino que segue o construtivismo.

No Brasil, a linha pedagógica mais utilizada pelas escolas é a tradicional, também conhecida como conteudista, em que o professor é o agente principal da construção de conhecimento. Porém, há outras teorias que estão crescendo e se tornando uma opção para os pais.

Veja a seguir quais são as principais características das metodologias mais disseminadas no País:

 

TRADICIONAL

Conhecida por ser a linha mais difundida no Brasil, essa linha pedagógica foi desenvolvida com o objetivo de universalizar o conhecimento. Por isso, sua metodologia preza que o conteúdo seja transmitido do professor para o aluno, desenvolvendo uma relação de superioridade, em que o professor é o detentor do conhecimento e um modelo a ser seguido. “Na metodologia tradicional, numa mesma sala de aula são reunidos alunos com idades próximas, dispostos em carteiras direcionadas para a lousa, realizando simultaneamente as mesmas atividades ou prestando atenção no que o professor explica”, descreve a pedagoga e doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) Vivian Batista da Silva.

Além disso, o conhecimento apresentado em sala de aula é encarado como uma verdade absoluta, com pouco espaço para discussões. Essa linha busca formar sujeitos que sejam exímios receptores de informações, ou seja, o objetivo é que o saber seja decorado. “A formação do aluno da metodologia tradicional é voltada ao trabalho e à preparação para os vestibulares, com realização regular de provas e uma grade curricular sistematizada”, explica o coordenador pedagógico Cabé Diniz.

Para que isso ocorra, as disciplinas são padronizadas, sem levar muito em conta as diferentes experiências e realidades sociais de cada aluno.

Método de avaliação: para avaliar seus alunos, a linha pedagógica tradicional visa analisar quanto de conteúdo foi memorizado durante o período escolar. Quando reprovado, o estudante precisa refazer a disciplina ou até mesmo a série.

 

CONSTRUTIVISTA

Ao contrário da escola tradicional, a linha construtivista coloca o aluno como um sujeito ativo na construção da sua educação, buscando desenvolver a autonomia das crianças desde os primeiros anos de formação. Aqui, o aprender na prática é um foco importante. Para isso, o estudante é convidado a experimentar situações atípicas e fugir da relação de superioridade professor-aluno tão comum nas salas de aula. Essa metodologia prevê que as dúvidas e perguntas sejam uma alavanca para a construção do aprendizado.

Apesar de considerar ter uma linha pedagógica mista, a Escola Móbile desenvolve o aprendizado por meio das situações-problema, muito comum nessa teoria. “O aluno é o centro do aprendizado e o professor, um mediador qualificado na relação”, explica Wilton Ormundo, diretor-geral da instituição.

Essa metodologia prevê ainda que a experiência escolar ultrapasse as aulas expositivas e, em sua maioria, sejam interdisciplinares, a fim de formar sujeitos mais críticos. Wilton conta que um dos projetos desenvolvidos a partir dessa premissa é o Móbile na Metrópole, realizado por alunos do 2º ano do ensino médio. Nele, durante três dias, os alunos realizam uma imersão na cidade de São Paulo e chegam a uma situação-problema que será explorada durante o decorrer de um ano em um projeto interdisciplinar.

Método de avaliação: a avaliação é realizada de forma contínua, visando acompanhar o desenvolvimento do aluno a partir das atividades propostas em sala de aula, porém há escolas construtivistas que também aplicam testes avaliativos.

 

MONTESSORI

Com turmas de até 20 crianças e com alunos de diferentes idades, a linha montessoriana baseia-se na expectativa de aprender por meio da experiência e da observação. Na sala de aula, os objetos ficam à altura do alcance das crianças e dispostos de forma que as atividades realizadas sejam escolhidas pelos próprios alunos. “O estudante parte do conhecimento que já tem e explora seu ambiente, cada um no seu ritmo e sendo agente de seu desenvolvimento sob orientação de professores ou professoras”, ressalta o coordenador pedagógico e psicólogo educacional Cabé Diniz.

O papel do professor é apresentar as opções disponíveis e afastar os possíveis obstáculos, guiando o aluno ao desenvolvimento. Porém, apesar da liberdade de escolha das atividades desenvolvidas no dia a dia, o aluno precisa cumprir módulos obrigatórios para avançar na aprendizagem, sempre respeitando o seu ritmo de evolução.

Para ser montessoriana, a linha pedagógica deve apoiar-se em seis pilares: autoeducação, educação como ciência, educação cósmica (apresentação do conhecimento de forma organizada), ambiente preparado, criança equilibrada e adulto preparado.

Celebridades como Beyoncé, Jeff Bezos, George Clooney e o escritor Gabriel García Márquez são fruto de escolas com a metodologia montessoriana. Segundo dados da Associação Montessori Internacional (AMI), atualmente existem cerca de 25 mil escolas dessa linha pedagógica ao redor do mundo.

Método de avaliação: as escolas Montessori podem escolher aplicar ou não exames de avaliação. Caso os testes sejam deixados de lado, a avaliação costuma ser realizada com base nas anotações do professor.

 

WALDORF

Baseada na Antroposofia, a chamada “ciência espiritual”, a linha Waldorf busca desenvolver o aluno considerando aspectos físicos, emocionais e espirituais. Ela considera que o desenvolvimento do aluno é dividido em ciclos de sete anos (0 aos 7, dos 7 aos 14 e dos 14 aos 21 anos), também chamados de setênios. Em cada ciclo, a criança deve ser acompanhada por um único tutor, que será a referência para o seu desenvolvimento, respeitando as prioridades de cada etapa.

Apesar de seguir a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o material didático é produzido pelos próprios alunos, com uma apostila específica para cada disciplina. Além disso, a criança possui desde pequena o contato próximo com as artes, os trabalhos manuais e corporais. Atividades relacionadas a música, dança, teatro, pintura, argila, marcenaria e madeira fazem parte da rotina dos estudantes. “A nossa mais elevada tarefa é formar seres humanos livres capazes de dar sentido e direção em suas vidas”, definiu o fundador da teoria, Rudolf Steiner, há mais de 100 anos.

A primeira instituição no Brasil foi a Escola Waldorf Rudolf Steiner, inaugurada em 1966, em São Paulo (SP). Atualmente, existem mais de 250 escolas que seguem a metodologia no País, segundo dados da Federação das Escolas Waldorf no Brasil (FEWB).

Método de avaliação: a avaliação é feita por meio das anotações do professor fixo responsável pelo aluno naquele setênio.

 

ESCOLA DEMOCRÁTICA

A teoria democrática foi uma das primeiras a contradizer os preceitos defendidos pelas escolas tradicionais, prezando pela liberdade do estudante para escolher como estudar. Nela, a maioria dos sistemas foi abolida como, por exemplo, a estrutura da sala de aula, os exames de avaliação, as lições de casa e até mesmo o cumprimento de uma carga horária predefinida. A gestão do tempo é realizada integralmente pelo aluno.

Essa teoria argumenta que a criança é a figura central do processo de aprendizado e que é preciso que ela decida qual é o melhor método para aprender os conteúdos necessários para a sua formação. Aqui, o papel do professor é ser um facilitador. Além disso, a comunidade interna e externa tem voz nas decisões. Em assembleias periódicas, direção, professores, funcionários, pais e alunos opinam e votam sobre quais são as melhores decisões a ser tomadas. Há três princípios que regem a linha democrática: a autogestão, o prazer do conhecimento e a não hierarquia do conhecimento. 

Uma das escolas democráticas mais antigas do mundo foi fundada em 1921, na Inglaterra, e ainda está em funcionamento. É a Summerhill, considerada pioneira nesse tipo de ensino e que influencia até hoje os estudos sobre a área. Outra referência mundial para os defensores dessa linha pedagógica é a Escola da Ponte, em Portugal. A coordenação dela está a cargo de José Pacheco, considerado um dos maiores educadores da atualidade.

Método de avaliação: nessa metodologia, as provas e tarefas são deixadas de lado. A avaliação do desenvolvimento da criança é feita por meio da participação ativa nas atividades, além da produção de trabalhos escritos e artísticos.

 

Como encontrar a linha pedagógica de cada escola?

Apesar de não existir nenhum ponto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) que obrigue as escolas a desenvolver um documento específico com detalhes sobre a linha pedagógica escolhida, a maior parte das instituições oferece essas informações. Isso pode ser feito por meio de um material exclusivo disponibilizado pela coordenação pedagógica ou em reuniões específicas para discutir o tema. “Existe um conjunto de reuniões, que ocorrem a partir de agosto, para as pessoas que têm interesse em ingressar no próximo ano letivo, e os diretores apresentam os diferenciais da escola. Se alguma família ficar com dúvidas, é possível marcar uma conversa particular com o coordenador”, explica Wilton Ormundo, da Escola Móbile.

No Colégio Marista, há ainda um documento específico com todas as informações sobre o projeto político-pedagógico da instituição, o Projeto Educativo do Brasil Marista. “Mais detalhes do dia a dia de um estudante marista podem ser obtidos com a coordenação pedagógica, que está sempre à disposição das famílias”, frisa o diretor-geral do colégio, Carlos Dorlass.

Buscar mais informações sobre a linha pedagógica de uma nova escola ajuda no alinhamento entre os valores da família e os da instituição, passo importante para uma boa relação futura. “O bom vínculo entre alunos, docentes e até pais é um aspecto que qualquer escola deve valorizar. É preciso estar atento ao bem-estar de todos para que haja um clima amistoso e tranquilo”, reforça a pedagoga Andréa Patapoff.

Outra dica importante é certificar-se de que a linha pedagógica vai além do discurso e seja praticada pela escola. “Muitas vezes o discurso pedagógico está distante das práticas educacionais. Por isso, a família deve estar atenta se as práticas que a escola propõe são, de fato, efetivas”, indica Viviane Potenza, doutora em Psicologia e Educação.

 

A evolução das teorias

 . Século 18 – O filósofo alemão Johann Friedrich Herbart (1776-1841) foi um dos pioneiros na área pedagógica e o primeiro a formular o termo como uma ciência. Ele considerava a criança um sujeito a ser moldado por forças externas. Com isso nasceu o foco à instrução, base até hoje das escolas tradicionais

. 1909 – A médica italiana Maria Montessori (1870-1952) publicou em 1909 o livro que descreveria as bases da linha pedagógica montessoriana. Ela acreditava que as crianças tinham o poder de ser a fonte do próprio conhecimento desde que fossem dadas as condições certas. O intuito era permitir que as crianças tivessem direito à autoeducação

. 1919 – A Antroposofia, que rege a Linha Waldorf, surgiu após uma palestra do filósofo austríaco Rudolf Steiner (1861-1925) em uma fábrica alemã destruída na Primeira Guerra. Ele defendeu que, além de moradia e alimentação, a sociedade precisaria de sensibilidade para se reerguer, e queria formar alunos em sua integralidade (corpo, alma e espírito)

. 1921 – O jornalista e educador inglês Alexander Sutherland Neill (1883-1973) também foi um dos primeiros a se declarar contra a linha de Johann Herbart. Em 1921 ele fundou a Escola Summerhill, que guiou o desenvolvimento da linha democrática. “Gostaria de ver a escola produzir um varredor de ruas feliz do que um erudito neurótico”, afirmou na época

. Década de 1960 – A metodologia construtivista ganhou destaque com os estudos do cientista e biólogo suíço Jean Piaget (1896-1980). Ele descobriu que a transmissão de informações durante a infância é limitada pelas capacidades cognitivas, não sendo possível uma criança absorver conhecimentos que ela ainda não consegue compreender

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