A cerimônia de premiação do Finanças Mais – realizada virtualmente na manhã da sexta-feira (3/09) – atraiu, mais uma vez, a atenção do mercado. Os debates e palestras incluídos na programação reforçaram que o País está passando por um período de grande imprevisibilidade, resultado da soma de uma série de fatores, alguns globais e outros locais: a expectativa sobre o desenrolar da pandemia, pressão inflacionária, crise hídrica, responsabilidade fiscal e a perspectiva de que teremos um processo eleitoral tenso e extremamente polarizado no ano que vem.

Na palestra de abertura do evento, o presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto, analisou o cenário econômico e respondeu a perguntas feitas pelo diretor de Jornalismo do Estadão, João Caminoto. Campos ressaltou que a variante Delta é uma preocupação neste momento em que grande parte dos países já recuperou níveis econômicos próximos ou até mesmo superiores ao estágio pré-covid-19. “O Brasil teve uma recuperação em V e retomou o patamar anterior à pandemia”, ele resumiu.

O presidente do BC observou que, assim que a pandemia for definitivamente superada, o foco será lidar com o passivo decorrente dela. Campos enfatizou que é essencial o País manter a responsabilidade fiscal ao tratar de temas complexos, como Reforma Tributária, programas sociais e pagamento de precatórios. “São fatores que geram incertezas no mercado.” Demonstrar controle sobre as contas é essencial para que o Brasil atraia investimentos no período de recuperação da pandemia. “Não temos como sair da crise só com recursos públicos, mas a atração de investimentos é um processo que está relacionado à credibilidade do País no aspecto fiscal.”

 

Calote elegante

O tema do momento, quando se fala em equilíbrio fiscal, é como resolver o impasse em torno do pagamento dos precatórios pelo governo federal – dívidas que já passaram pela última instância da Justiça e devem ser quitadas. O valor previsto para 2022 em precatórios é de R$ 89 bilhões, 64% mais do que os R$ 54 bilhões de 2021. Incluir esse valor no orçamento deixaria o governo com margem extremamente reduzida para investimentos em infraestrutura e em programas sociais – a exemplo do Auxílio Brasil, que Bolsonaro pretende turbinar em ano eleitoral.

O governo apresentou ao Congresso Nacional uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) prevendo o parcelamento dos precatórios, numa escala em que os de menor valor são pagos imediatamente e os de maior valor, parcelados em até dez anos. A proposta inclui a criação de um fundo para antecipação desses parcelamentos, a ser irrigado por venda de imóveis da União, recebimento de dividendos de estatais e concessão e partilha de petróleo, entre outras fontes. As dívidas quitadas dessa forma não seriam consideradas no cálculo do teto de gastos.

A perspectiva de que os precatórios não sejam pagos imediatamente está criando preocupações no mercado. “É um calote. Pode até parecer um calote mais elegante, mas é um calote”, afirmou Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central, ex-ministro da Fazenda e atual secretário de Estado de Fazenda e Planejamento de São Paulo. Ele lembrou que uma das vantagens do teto de gastos é justamente forçar o governo a definir prioridades. “O que é obrigatório, tem que pagar. Só depois disso são definidas as prioridades dentro do orçamento disponível”, afirmou Meirelles.

 

Decisões transparentes

Outra preocupação onipresente durante a cerimônia de premiação do Finanças Mais é a pressão inflacionária – o índice brasileiro chegou a 8,99% nos últimos 12 meses. Trata-se de um fenômeno global, em grande parte resultante do gargalo da produção durante a pandemia, mas que tem algumas agravantes no País.

Campos reafirmou o compromisso do Banco Central de cumprir as metas inflacionárias e assegurou que a instituição vai agir com o máximo de transparência para que o mercado entenda a lógica das tomadas de decisão. “A melhor forma de lidar com as dificuldades é explicitar quais são essas dificuldades e o que estamos fazendo em relação a cada uma delas”, descreveu. O presidente do BC acrescentou que a instituição tem instrumentos para trazer a inflação aos patamares esperados. “Faremos tudo o que for necessário para isso.”

Um fator que ganhou impulso durante a pandemia, destacou o presidente do BC, é a chamada “inflação verde” – custos decorrentes da busca por maior sustentabilidade por empresas e governos. Ele citou a demanda por minérios, a exemplo de cobre e alumínio, utilizados na infraestrutura de fontes renováveis de energia, como a eólica e a solar.

 

Tensões desnecessárias

Outro ponto debatido durante a premiação do Finanças Mais foi a influência das tensões políticas e institucionais na avaliação dos riscos de investir no Brasil. Carlos Prates, country manager da Moody’s, comentou a nota mais recente para o País dada pela agência de classificação de crédito de títulos, situando o Brasil dois níveis abaixo do que seria grau de investimento e um nível acima dos principais concorrentes.

Prates avaliou que a nota retrata o temor crescente dos investidores em relação ao equilíbrio fiscal do País – e que ainda não leva em conta a influência das turbulências políticas, como as ameaças feitas pelo presidente Jair Bolsonaro de cancelamento das eleições no ano que vem. “A visão, hoje, é de que essas ameaças se encaixam num período pré-eleitoral, com o propósito de engajar a base política. Não conseguimos enxergar um risco concreto de ruptura institucional. Acreditamos nas instituições brasileiras. O Judiciário é forte, e parte dos ruídos que estão acontecendo é justamente pela força do Judiciário”, avaliou o representante da Moody’s no País.

Prates enfatizou que a hipotética consolidação dessas ameaças causaria abalos devastadores no nível de confiança no Brasil. “Seria uma ruptura tão grande que torna qualquer coisa possível. Nesse cenário, a própria avaliação de risco deixaria de fazer sentido.” Por mais que a interpretação seja a de que o presidente “joga para a torcida”, contudo, é inegável que esse comportamento causa tensões desnecessárias. “Está faltando tranquilidade ao País. Por isso, minha perspectiva é de que 2022 será um ano mais difícil que 2021, mesmo que as preocupações com a pandemia diminuam”, projetou Ilan Goldfajn, presidente do Conselho do Credit Suisse Brasil e ex-presidente do Banco Central.

 

Desafios gigantescos

Boa parte dos depoimentos dos vencedores do Finanças Mais, exibidos durante a cerimônia de premiação, ressaltou as dificuldades decorrentes da pandemia. “Fazer projeções já não é uma tarefa fácil normalmente, mas em 2020 os desafios foram muito maiores, porque as hipóteses mudavam semanalmente”, lembrou Roberto Secemski, economista-chefe para o Brasil do Banco Barclays, vencedor do Prêmio Broadcast Projeções na categoria Top Básico (que leva em conta juros, câmbio e inflação) e segundo colocado na categoria Top Geral (que considera sete critérios e foi vencida pela A2).

“Os últimos meses foram de ambiente concorrencial acirrado, em meio a uma pandemia que afetou a estabilidade e a previsibilidade dos negócios. Este prêmio só nos fortalece no processo de saída da crise”, disse Octavio de Lazari Jr., presidente do Bradesco, vencedor da categoria Varejo entre os bancos comerciais e múltiplos.

“É um reconhecimento extremamente importante para quem permaneceu ao lado de quem estava na linha de frente do combate à pandemia”, observou Helton Freitas, presidente da Seguros Unimed, vencedora na categoria Seguro-Saúde. “Num ano tão desafiador, foi preciso excelência na gestão de recursos para entregar excelentes resultados”, comentou Aroldo Medeiros, diretor-presidente do BB DTVM, gestora de recursos do Banco do Brasil, ganhadora na categoria Corretoras e Distribuidoras.

Assista a premiação: