Por que USP e outras brasileiras subiram em ranking de universidades? O que isso significa?
18 set 2023
Segundo especialistas, levantamentos têm indicadores importantes, mas devem ser vistos com ressalvas; mudanças metodológicas e peculiaridades regionais podem influenciar o resultado
Por Marcio Dolzan, Renata Cafardo e Victor Vieira
As três universidades estaduais paulistas estão entre as dez melhores de América Latina e Caribe. A Universidade de São Paulo (USP) desbancou a PUC do Chile como a melhor de 430 instituições no QS World University Rankings 2024, divulgado nesta quarta-feira, 13. Já a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) ficou em 3.º e a Universidade Estadual Paulista (Unesp), em 10.º.
A melhora no desempenho, claro, foi comemorada pelas três instituições, que desenvolvem estratégias para monitorar os levantamentos internacionais. Mas por que as três subiram e a USP chegou ao topo?
Segundo especialistas, interpretar rankings não é tarefa fácil e oscilações – para cima ou para baixo – devem ser vistas com cuidado. Mudanças nos critérios de avaliação ou na quantidade de instituições analisadas, por exemplo, influenciam.
É preciso também levar em conta particularidades das instituições, como número de alunos, perfil dos professores, políticas de inclusão social, natureza das pesquisas desenvolvidas, modelo de financiamento (se público ou privado), dentre outros elementos. Um exemplo: A PUC tinha 33 mil alunos, segundo seu anuário mais recente (2020). Já a USP, naquele ano, tinha 97,3 mil.
“Cada pesquisa, e cada versão anual, deve ser considerada como análise única, e não como parte de uma série contínua”, diz Solange Santos, doutora em Ciência da Informação pela própria USP e pesquisadora do CiMetrias, grupo de pesquisa em métricas da Ciência e Tecnologia.
As consultorias de ensino superior costumam ter vários rankings: globais, regionais, temáticos (instituições mais sustentáveis, por exemplo), por área de conhecimento etc. Às vezes, uma mesma empresa usa indicadores distintos para seus próprios levantamentos.
Era o caso da QS, que tinha critérios diferentes para as listas global e regionais (como a da América Latina). Isso mudou este ano. O parâmetro ‘rede internacional de pesquisa’, que avalia colaborações acadêmicas, foi incluído nos dois recortes. Também houve ajustes nos parâmetros de empregabilidade e sustentabilidade. Número de artigos científicos, titulação de professores e impacto da pesquisa são outros exemplos de parâmetros.
Nas palavras do vice-presidente sênior da QS, Ben Sowter, foi um “reinício”, mudança considerada a mais significativa em quase 20 anos. “Esta redefinição é uma oportunidade de alinhamento com as ambições contemporâneas dos estudantes e do setor global do ensino superior”, afirma, em artigo de julho sobre as alterações.
“A metodologia agora está mais próxima da análise mundial, não tinha sentido usar duas metodologias”, disse ao Estadão o reitor da USP, Carlos Gilberto Carlotti Junior. Para ele, o novo resultado mostra que a instituição está no “caminho certo de se tornar universidade de classe mundial”.
Na última lista global da QS, divulgada em junho, a USP também é a melhor do continente e está no top 100 pela primeira vez (em 85.º lugar). Realidade melhor do que no ranking da Times Higher Education, outra consultoria de referência do setor, em que a USP está na faixa entre 201.º e 250.º (não há uma posição precisa nessa parte da lista).
“O que um ranking internacional de universidade reflete é a visão que a instituição que elabora o ranking define como qualidade e importância”, lembra Solange. Ou seja: não permite afirmar que uma instituição é melhor do que outra.
Mas os resultados têm, sim, sua relevância. “Esses rankings funcionam como um raio x, ainda que parcial, e também como farol sobre quais indicadores as universidades poderiam melhorar”, afirma Dulce Helena Siqueira Silva, presidente da Comissão Institucional dos Rankings da Unesp.
“Elegem indicadores e captam informações por bases de dados ou que as próprias universidades fornecem. Normalmente os indicadores são válidos e refletem em boa parte a realidade, mas também deixam de considerar algumas particularidades”, pondera.
Dulce Helena também faz ressalvas. “A Unesp tem contingente muito qualificado de docentes em licenciaturas – algo importantíssimo para o Brasil e a sociedade -, que os rankings não captam. Além disso, tem 24 campus pelo Estado, e particularidades regionais são específicas”, diz. Atividades de extensão, exemplifica, pesam menos em ranqueamentos.
Solange Santos complementa: “Eles ignoram diferenças entre os vários sistemas educacionais, assim como assimetrias regionais. Ao criar tabelas de classificações (com posições), pequenas diferenças são ampliadas – e muitas vezes diferenças estatisticamente insignificantes”, aponta.
Universidades têm projeto para analisar rankings
Muitas das universidades brasileiras têm criado comissões e escritórios que funcionam como núcleos de inteligência para monitorar a performance acadêmica e direcionar esforços. Em 2017, a Unesp criou junto com a USP e a Unicamp o Projeto Métricas, que analisa rankings internacionais e oferece análises e notas técnicas.
“Os rankings auxiliam as políticas internas e, ainda que com algumas reservas, certamente a gente leva em consideração os resultados”, diz Dulce Helena. Além disso, instituições bem ranqueadas mundo afora se tornam preferidas para parcerias acadêmicas, bem como se tornam mais atrativas para investimentos de instituições e da iniciativa privada.
Desafios e gargalos
Entre os gargalos historicamente citados por especialistas para o avanço do Brasil nos rankings, estão a burocracia das instituições públicas (que têm regras mais engessadas para compra de equipamentos, gastos com pesquisa ou contratação de professores) e a baixa internacionalização (poucos alunos e docentes estrangeiros, além do número restrito de disciplinas em Inglês).
Outro obstáculo são as irregularidades financeiras, sobretudo em universidades federais, que não têm autonomia financeira e ficam sujeitas a cortes de verbas do governo. Já as três estaduais paulistas são mantidas por uma cota fixa de 9,57% da arrecadação de ICMS de São Paulo, o que dá mais previsibilidade financeira. As federais, desde 2015, sofreram com sucessivos períodos de cortes de recursos.
Além disso, gestores universitários brasileiros ponderam que a rede pública brasileira tem papel de inclusão social no ensino superior, o que não ocorre em todos os países. O alto número de alunos e as cotas para alunos negros e de escola pública, por exemplo, demandam mais verba de assistência estudantil.
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