Artigo

NOVO ENSINO MÉDIO

Mudança no ensino médio é fator de atenção

A partir de 2022, último nível de ensino na educação básica passa a ter um modelo diferente em todas as escolas da rede pública e privada 

Por Luiza Vieira

 

As famílias que estão buscando uma escola de ensino médio têm um desafio extra pela frente. Esse nível de ensino enfrenta mudanças em seu modelo que trazem impactos para todos os colégios do País. E esse é mais um ponto que precisa ser analisado na busca por uma nova instituição. 

 

Um ano após a data prevista para o início da implementação, o Novo Ensino Médio começa a tomar corpo ao redor do Brasil. A proposta, que foi homologada em 2017 durante o governo Temer, teve de ser adiada por causa da pandemia e, agora, passa a ter prazos definidos para ser adotada nas escolas da rede pública e privada a partir de janeiro de 2022. A mudança tem como objetivo proporcionar maior protagonismo para os jovens e tornar a escola mais conectada com a realidade do estudante. O projeto, porém, tem muitos desafios pela frente (veja quadro abaixo).

Itinerários formativos, trilhas de aprendizagem, projeto de vida. Essas são algumas das novidades previstas no novo currículo e que ainda são um tanto confusas para pais e estudantes. “O que eu estou sabendo, das informações que eu tenho, até porque ainda não foram passadas pela minha escola, é que a carga horária vai ser maior e que vamos poder escolher as matérias que queremos fazer”, diz Maria Clara Fernandes Benatti, estudante do 9º ano em Belo Horizonte (MG).

A partir do ano que vem, de fato, a carga horária vai aumentar para quem está no ensino médio. Todas as escolas ampliarão a carga de 800 para, no mínimo, 1.000 horas/aula por ano (5 horas diárias), totalizando 3 mil horas ao longo dos três anos do nível de ensino. Desse total, 60% do currículo (1.800 horas nos três anos) será voltado para a formação geral básica, com os conhecimentos obrigatórios previstos na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). A diferença é que agora as disciplinas oferecidas (ou componentes) estarão agrupadas em quatro áreas do conhecimento:

 

  • Linguagens e suas Tecnologias: Língua Portuguesa, Arte, Educação Física e Língua Inglesa;
  • Matemática e suas Tecnologias;
  • Ciências da Natureza e suas Tecnologias: Física, Química e Biologia;
  • Ciências Humanas e Sociais e Aplicadas: Filosofia, Geografia, História e Sociologia.


Cabe ressaltar que a BNCC não exclui as disciplinas, mas disponibiliza esses conhecimentos de maneira interdisciplinar dentro de cada área de conhecimento.

As 1.200 horas restantes (40% do currículo) serão compostas pelos chamados itinerários formativos, caminhos personalizados que aprofundam conhecimentos gerais por meio de projetos, oficinas, núcleos de estudo e até mesmo situações de trabalho. Cada escola terá autonomia para determinar quais itinerários vai ofertar, de acordo com a realidade local, sendo obrigatórias pelo menos duas opções distintas. Com base em seus interesses e no que a instituição disponibilizar, o aluno poderá escolher um percurso de aprendizado com um ou mais itinerários formativos.

 

E esse é um ponto que merece muita atenção na procura por uma nova escola de ensino médio: saber quais são os itinerários formativos que estarão à disposição dos alunos e como eles poderão escolhê-los. O Colégio Bandeirantes, por exemplo, optou por possibilitar aos alunos a troca de áreas a cada semestre. “Essa dinamicidade permite que o estudante tenha diferentes experiências antes de escolher uma área específica”, explica Mayra Ivanoff Lora, diretora pedagógica da instituição. “É difícil ter certeza com 14, 15 anos do que você quer fazer, e com isso eles conseguem ter mais flexibilidade para testar outras coisas, o que eu acho que é fundamental nessa idade”, completa a diretora.

 

“É difícil ter certeza com 14, 15 anos do que você quer fazer, e com isso eles conseguem ter mais flexibilidade para testar outras coisas (áreas), o que eu acho que é fundamental nessa idade.”
Mayra Ivanoff Lora, diretora pedagógica do Colégio Bandeirantes

 

Além dos itinerários por área de conhecimento, uma outra possibilidade que pode ser oferecida aos estudantes para preencher os 40% da parte opcional do currículo é a formação técnica e profissional, que passa a fazer parte do ensino médio regular. Ou seja, aqueles que não escolherem estudar em uma escola técnica no início do ciclo podem compor parte ou o total de sua carga horária destinada aos itinerários formativos com cursos técnicos e de formação inicial e continuada. Nesse tipo de itinerário, o aluno poderá cursar as disciplinas referentes à formação geral básica em uma escola de ensino médio regular e o restante do seu currículo em instituições credenciadas em sua região. A outra opção é realizar tanto os cursos de formação técnica como os conhecimentos previstos pela BNCC no mesmo local, de maneira integrada. 

 

Para auxiliar os estudantes nas suas escolhas, o currículo torna obrigatório que as escolas criem espaços e tempos de diálogo com os alunos para que eles possam descobrir seus interesses e conhecer as diferentes possibilidades de itinerário. Esse novo componente curricular é chamado Projeto de Vida e o Ministério da Educação (MEC) orienta que as escolas reservem uma carga horária específica para ele pelo menos a partir do 1º ano do ensino médio. No Estado de São Paulo, o Projeto de Vida será introduzido já no 6º ano do ensino fundamental. Atividades como orientação vocacional e profissional, além do estabelecimento de estratégias para atingir seus objetivos pessoais, são alguns exemplos de como o Projeto de Vida poderá ser trabalhado dentro da sala de aula. 

 

As mudanças no ensino médio a partir do ano que vem são grandes, mas não devem parar por aí. O novo modelo ainda prevê que, gradualmente, todas as escolas sejam capazes de oferecer aos alunos 1.400 horas/aula por ano, o equivalente a 7 horas diárias, consolidando um ensino médio de tempo integral em todo o País.

 


A situação em São Paulo

Até o momento, somente 12 Estados concluíram todas as ações da construção curricular do Novo Ensino Médio. Os dados são do Observatório, plataforma criada pelo Movimento pela Base, que visa garantir a qualidade da Base Nacional Comum Curricular. São Paulo foi o primeiro Estado a ter seu currículo aprovado, no entanto ainda há aspectos com relação à regulamentação e ao planejamento para serem concluídos. 

 

Segundo o secretário estadual de Educação, Rossieli Soares, no mês de agosto o Estado começou um intenso trabalho a fim de garantir que as escolas estejam bem preparadas para implementar o novo modelo no ano que vem: “Cada escola irá debater com o corpo de professores, a partir da manifestação de interesses dos alunos, quais itinerários ofertar. Iremos dar continuidade ao processo de formação das equipes pedagógicas e de entrega de materiais de informática nas escolas”. Em live realizada no dia 20 de julho, a pasta informou que vai contratar 10 mil professores e ampliar o número de aulas diárias a fim de cumprir as exigências do novo modelo. Os alunos do período diurno terão uma aula a mais por dia, totalizando 40 na semana. Para aqueles que estudam à noite, serão 33 aulas semanais, uma ampliação de oito aulas. Segundo o secretário, as aulas adicionais poderão ser ministradas via Centro de Mídias, plataforma do governo estadual, ou presencialmente. Duas delas correspondem aos itinerários formativos e três à orientação de estudo. A mudança será gradual, iniciando com os estudantes do 2º ano do ensino médio, a partir do próximo ano.

 

O secretário estadual acredita que a pandemia tenha dificultado o plano de comunicação até aqui, mas ressalta que “a secretaria reforçará ainda mais a comunicação com as instituições representativas dos estudantes durante o segundo semestre para que essa transição se dê da melhor forma possível”.

 

 

Vantagens e desafios do novo modelo

Além de aproximar a escola dos anseios do jovem atual, o novo modelo busca superar dois dos maiores desafios enfrentados na última etapa da educação básica: a evasão escolar e a falta de interesse dos alunos. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), divulgados em 2019, reforçam o cenário. Segundo consta no relatório, o porcentual de jovens que abandonam a escola quase dobra durante a transição do ensino fundamental para o ensino médio, passando de 8,1%, aos 14 anos, para 14,1%, aos 15 anos.

Helena Faro, gerente executiva de Especialidade de Formação dos Educadores do Instituto Ayrton Senna, acredita que a maior autonomia concedida aos estudantes e as didáticas mais ativas propostas no Novo Ensino Médio (NEM) podem ajudar a enfrentar os obstáculos desse ciclo escolar: “A reformulação curricular traz uma abordagem menos focada na aquisição de conteúdo e mais voltada para o desenvolvimento de competências. Isso abre as possibilidades para que os jovens façam escolhas durante a sua juventude relativas ao seu interesse sem deixar de preservar a necessária exposição a outros campos do conhecimento”.

Apesar das expectativas depositadas no novo modelo, há grandes pontos de incerteza no que se refere à viabilidade de trilhas de aprendizagem e à formação dos professores. Luis Gustavo Megiolaro, diretor adjunto das unidades escolares do Poliedro, relata que a equipe pedagógica realizou uma pesquisa com os alunos para definir quais itinerários seriam ofertados: “A diversidade é muito grande, não dá para a escola abraçar todas as opções, ela precisa fazer escolhas, e se elas forem pautadas em uma investigação, em dados, provavelmente serão muito mais assertivas”.

Outra questão que preocupa especialistas é a formação e capacitação dos professores que, a partir do ano que vem, terão de trabalhar os conteúdos sob uma perspectiva de áreas de conhecimento. “Isso vai exigir bastante diálogo entre os educadores e uma visão comum de plano para definir as ações que serão realizadas em conjunto para que os estudantes percebam a sinergia entre as áreas de conhecimento”, afirma Helena Faro, que ressalta ainda a necessidade de revisar a formação dos professores, para que eles saiam do ensino superior com uma perspectiva de trabalho colaborativo e interdisciplinar.  

 

Mesmo com o complexo caminho pela frente, André Freitas, gerente de Projetos Pedagógicos do Sistema pH de ensino, é otimista: “Ainda que o mundo ideal da educação esteja distante da realidade brasileira, nós precisamos começar essas mudanças e elas envolvem um longo período de adaptação. Daqui a cinco, dez anos, nós estaremos conversando, creio eu, sem sentir saudade do velho ensino médio”.

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