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Estudantes se rendem ao ensino ‘híbrido’; para professor, educar online é ‘factível’

Transição do presencial para o virtual é mais fácil em algumas áreas; mas ações como o dissertar expõem desafios

Por Raisa Toledo

 

Juan Alexandre da Silva mora em Sant’ana do Livramento, na fronteira do Rio Grande do Sul com o Uruguai. Ele é professor de História do 6.º ao 9.º ano do ensino fundamental, concursado no município, que tem menos de 80 mil habitantes. Na hora de cursar a graduação, recorreu ao EAD – e faria o mesmo para o mestrado, se tivesse a opção.

Para ele, o modelo não resolve problemas estruturais do ensino superior brasileiro, mas representa uma opção que, para muitos, é a única. “A distância da cidade do interior para uma capital ou uma cidade centro de referência universitário dificulta muito que a gente possa estudar. Principalmente porque, mesmo existindo uma universidade na sua cidade, como é meu caso, ela tem poucos cursos e nem sempre é aquilo que a pessoa quer.”

 

EXEMPLO
Juan Alexandre planeja cursar pós-graduação na área de História da Ciência, mas considera que uma opção mais realista pode ser uma especialização em Educação. Em sua opinião, a lógica utilizada para a graduação a distância poderia ser usada para o mestrado, pois alguém já formado pode ter mais autonomia para encarar um modo de estudo mais autônomo. “Há áreas de pesquisa que exigem um ambiente físico específico, como um laboratório, o que dificulta a questão. Mas muitos cursos na área de Humanas, como é meu caso, podem não ter essa limitação.”

 

ENTRAVES
A engenheira de produção Renata Ferreira havia iniciado as aulas no mestrado no dia 9 de março de 2020. Pouco depois, as medidas de distanciamento social decorrentes da pandemia de covid-19 começaram a ser implementadas. O resultado foi um programa cursado quase inteiramente a distância. A experiência não foi positiva: apesar de ter concluído todas as disciplinas, ela ainda realiza a pesquisa necessária para sua dissertação, que prevê que seja concluída até o fim do ano.

As dificuldades foram diversas. Pesquisas de campo tiveram de ser realizadas de forma remota e a comunicação também enfrentou obstáculos, porque as dúvidas não eram solucionadas tão rapidamente. Conversando com colegas, ela percebeu que as reclamações eram bastante semelhantes e, somado a elas, havia o peso da emergência sanitária. “Foi um desafio muito grande conciliar todos os problemas de ordem mental enfrentados pelo isolamento, como ansiedade e depressão, bem como as perdas causadas pela covid-19, com o início do mestrado e as atividades”, diz a pesquisadora em projetos na área de sustentabilidade.

Realizar uma transição quase imediata para o modelo a distância também foi uma complicação; até então, realizar tudo por meio das telas dos dispositivos digitais não era algo habitual. “As distrações em casa eram maiores, e as atividades domésticas durante o isolamento social dificultavam a rotina de estudos. No meu caso, a concentração para prestar atenção em uma aula no computador por horas é bastante reduzida.”

 

SOLUÇÕES
Nesse cenário, o avanço de ferramentas como inteligência artificial, gamificação e interatividade são algumas das apostas para incrementar o aprendizado em modelos a distância ou híbridos. Na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), a disciplina de Telemedicina é um exemplo de currículo que busca integrar esses conceitos à pós-graduação. Desde 1998, ela é ministrada de forma digital pelo professor Chao Lung Wen – a oferta de disciplinas que utilizam métodos não presenciais é prevista na Lei nº 9.394, de 1.996, e não caracteriza curso como a distância.

No programa de Chao Lung Wen, o primeiro e o último encontros são presenciais. No restante do tempo, uma plataforma é utilizada para desenvolver metas de aprendizado. “Aquele modelo do professor expositor, apresentando em PowerPoint e respondendo algumas perguntas já está um tanto ultrapassado.” Atualmente, o sistema conta com dez recursos interativos, como fóruns de contribuição, vídeos imersivos 360º e microscopia de lâminas digitalizadas. A metodologia é chamada por ele de “educação digital conectada a multi-habilidades”. “Eu não chamo de EAD porque o EAD virou um formato muito quadradinho e foi taxado como um quebra-galho”, afirma.

Na prática, uma interação semanal com os alunos é intercalada com metas a serem cumpridas em projetos. “Eu gero uma interatividade unindo aprendizagem significativa com team based learning, o aprendizado em grupo, com a identificação de problemas.”

 

FACTÍVEL
Para o professor, diante da popularização das videoconferências, reuniões em grupo, realidade virtual, inteligência artificial e plataformas digitais, a realização de um mestrado que utilize tecnologias educacionais e interativas é “totalmente factível”. “Não tem mais cabimento fazer uma educação formal antiga, quadradinha, sem envolver o uso da tecnologia.”

Independentemente de aval, Chao Lung Wen defende, por exemplo, o uso de inteligência artificial como recurso para gerar debate, integração, construção de raciocínio e formação de opinião. “Mesmo o ChatGPT, nas mãos de um bom professor, pode estimular que o aluno faça boas perguntas, e isso é muito mais poderoso que uma simples apresentação que, no fundo, pode ser gravada e assistida pelo aluno.”

Mesmo para Renata, que acredita ser pouco provável que cursar um mestrado totalmente a distância seja possível, o modelo híbrido representa uma opção interessante para quem trabalha e pretende também ingressar na vida acadêmica. “Na minha opinião, há disciplinas mais teóricas que podem ser ministradas de maneira remota, mas as interações presenciais são de fundamental importância para o andamento da pesquisa. Um exemplo disso é que ainda não consegui finalizar a minha”, afirma. “Considero ser impossível conduzir uma pesquisa de dissertação de forma 100% online.”

 

Processo passa por aval do Conselho de Educação
As propostas são inicialmente analisadas pela equipe técnica da Diretoria de Avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) quanto aos critérios previstos nas normas específicas e documentos orientadores das áreas, seguindo os mesmos critérios das propostas para cursos presenciais. Depois, seguem para as comissões das áreas de avaliação, constituídas pelos coordenadores de área e consultores.

Por fim, são analisadas pelo Conselho Técnico-Científico da Educação Superior (CTC-ES). A agência ressalta que, até o momento, “nenhuma proposta (de mestrado no formato a distância) apresentada foi recomendada pelo CTC-ES, pois nenhuma atendeu aos critérios mínimos estabelecidos”.
No caso de uma aprovação, o projeto segue para validação do Conselho Nacional de Educação (CNE). Em seguida, o MEC é o responsável por autorizar o funcionamento. Entre os itens considerados na regulamentação de propostas de programas de pós-graduação stricto sensu na modalidade de educação a distância estão a realização presencial — em sede ou polo de EAD — de atividades como estágios obrigatórios; seminários integrativos; pesquisas de campo e atividades laboratoriais.

Estudantes se rendem ao ensino ‘híbrido’; para professor, educar online é ‘factível

Foto: DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO

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