Artigo

Tradição ou modernização: o papel da lição de casa

Famílias e escolas discutem como equilibrar aprendizado e infância

26 de setembro de 2025

Por Ana Pinto

Parte da cultura escolar brasileira, a lição de casa, também chamada de “dever” ou “tarefa”, é alvo de debates há décadas. Para uns, ela simboliza disciplina, responsabilidade e envolvimento das famílias no processo de aprendizagem. Para outros, traz uma sobrecarga que invade o tempo de brincar, conviver e descansar.

No Colégio Pentágono, a tarefa recebe o nome de “atividade complementar” e, segundo Rodrigo Reis, diretor da unidade Alphaville, tem o objetivo de contribuir para a construção da postura do estudante, desenvolver a autonomia e consolidar hábitos de estudo responsáveis. “Também abre espaço para pesquisa, leitura crítica, curiosidade intelectual e autodescoberta.”

Para Ivaneide Dantas, professora e coordenadora de estágio do curso de Pedagogia do Instituto Singularidades, o impacto das tarefas no bem-estar infantil depende da intencionalidade. “Quando os professores têm clareza dos objetivos e oferecem devolutivas construtivas, os alunos encaram a tarefa de maneira mais engajada. Já lições sem propósito ou com grau de dificuldade desproporcional podem gerar frustração e afastar as crianças do estudo.”

DEVEREs
A pediatra Isabella Moreira, mãe de duas meninas, de 7 e 5 anos, lembra que a própria infância foi marcada por tarefas que pareciam tortura. “Gerava muito estresse. Não tenho boas lembranças disso”, conta. Hoje, com as filhas, a experiência é diferente. “Para minha surpresa, as lições estão mais lúdicas. Participo sem fazer por elas, mas acompanho e até relembro aprendizados. Não têm sido um martírio.”

Para Milene Alves, diretora de Sucesso do Cliente da Escola da Inteligência, a chave é o planejamento. “Mais do que revisar conteúdos, a lição ajuda a lidar com responsabilidades, organizar o tempo, sustentar o esforço diante de desafios e reconhecer o próprio progresso. Quando equilibrada, fortalece vínculos, estimula a autonomia e apoia o desenvolvimento socioemocional”.

“Quando os professores têm clareza dos objetivos e oferecem devolutivas construtivas, os alunos encaram a tarefa de maneira mais engajada. Já lições sem propósito ou com grau de dificuldade desproporcional podem gerar frustração e afastar as crianças do estudo.”
Ivaneide Dantas, professora e coordenadora de estágio do curso de Pedagogia do Instituto Singularidades

O ponto de tensão surge quando a quantidade ultrapassa o limite saudável. Para Ivaneide, a lição não deve ocupar o espaço de brincar, descansar ou conviver em família. “Quando bem dosada, é uma aliada. Mas, se vira excesso, se transforma em obstáculo.”

O debate não é exclusivo do Brasil. Na França, em 2012, os pais protestaram contra os deveres, alegando a necessidade de mais tempo para a família. A Espanha, por sua vez, classificou a prática como sintoma de fracasso do sistema escolar, e alguns distritos dos Estados Unidos reduziram as tarefas para atender estudantes que trabalham ou cuidam dos irmãos.

Por aqui, o movimento ganha força em escolas de tempo integral, que representam 15% das instituições. Com jornada de oito horas, elas permitem que os alunos concluam as atividades dentro da escola, liberando espaço para outras experiências.

EQUILÍBRIO
Não existe consenso científico sobre a quantidade de tarefas por faixa etária, lembra Ivaneide, mas o bom senso deve prevalecer. “A lição precisa ser moderada, interessante e adequada. Mais importante do que a quantidade é garantir que esteja alinhada aos objetivos de aprendizagem e que seus resultados sejam incorporados às atividades em sala de aula”.

Seja reduzida, abolida ou reformulada, a lição de casa seguirá em debate. O ponto comum está na busca por equilíbrio: tarefas claras e significativas, capazes de estimular a autonomia sem comprometer o tempo de viver a infância. “É na medida certa que a lição cumpre seu papel: fortalece habilidades socioemocionais, estimula a autonomia e garante que a infância seja vivida com leveza e confiança”, resume Milene.

Foto: Adobe Stock

Guia de Colégios

Acesse todo o conteúdo da edição impressa Guia de Colégios 2025

Baixe o PDF

Veja as edições anteriores: