Artigo

O desafio da matemática

Especialistas defendem métodos que preservem a criatividade e aproximem o ensino do cotidiano

26 de setembro de 2025

Por Natália Mascarenhas

Muita gente começa a tropeçar na matemática já nos primeiros anos da escola. A dificuldade não é pontual: em 2023, menos da metade dos alunos da rede pública atingiu o nível esperado até o 5º ano, segundo levantamento do Todos Pela Educação a partir dos dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). O resultado mostra que muitos avançam de série sem dominar operações básicas, o que compromete o aprendizado futuro.

Para Raquel Milani, docente da área de Educação Matemática da USP, o maior desafio nos anos iniciais é preservar a criatividade das crianças. “Elas chegam à escola imaginativas, espontâneas, cheias de perguntas, e o ensino tradicional tende a moldar todos a pensarem do mesmo jeito.” Esse formato, avalia, inibe a diversidade de raciocínios e desconsidera vivências, como lidar com dinheiro ou troco, por exemplo. “As crianças não precisam calcular da mesma forma. Quando o professor diz “é assim que se faz”, regula o pensamento em vez de construir um conhecimento emancipatório e dialogado.”

VIVÊNCIAS
A dificuldade em matemática também aparece nos relatos de famílias. Diagnosticado com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) na vida adulta, Eduardo Chagas, de 36 anos, lembra que sua primeira recuperação foi nessa disciplina, aos seis anos, experiência que o marcou e o fez acreditar que não gostava de estudar. Ele se engajava quando as atividades eram práticas, como no trabalho de coletar folhas e flores — experiência que considera marcante e relacionada ao fato de hoje trabalhar com plantas.

“As crianças não precisam calcular da mesma forma. Quando o professor diz “é assim que se faz”, regula o pensamento em vez de construir um conhecimento emancipatório e dialogado.”
Raquel Milani, docente da área de Educação Matemática da USP

Mais tarde, Chagas descobriu que sua memória auditiva era mais eficiente que a leitura e avalia que a escola poderia ter reconhecido isso desde o início. “Não é só o TDAH: é consequência de um sistema que, desde cedo, cobra performance e nota, sem respeitar o tempo de cada criança.”

Hoje, ele é pai de Aurora, de 4 anos, e teme que a filha repita as mesmas marcas. Atualmente, ela estuda no Centro Municipal de Educação Infantil (Cemei) Suzana Campos Tauil, em São Paulo. “Espero que a próxima escola da Aurora olhe para esse período com tanto interesse quanto a criança, em um processo que respeite a descoberta e não imponha pressão. Eu acredito que o papel da escola seja oferecer os estímulos corretos e não atrapalhar a criança com métodos preestabelecidos.”

NAS ESCOLAS
No Colégio Pentágono, jogos de tabuleiro, bingos, dominós e cartas ajudam os estudantes a explorar padrões, desenvolver cálculo mental e compreender as quatro operações. Recursos como geoplano, tangram e dobraduras permitem investigar formas e simetrias. “Esses materiais permitem que os alunos experimentem e testem ideias matemáticas em situações planejadas, nas quais são convidados a levantar hipóteses, comparar estratégias e registrar descobertas”, explica Reinaldo Aquino, diretor da unidade Perdizes, em São Paulo.

“Essa prática ajuda a desenvolver argumentação, raciocínio lógico e autonomia, mostrando que a matemática se constrói na investigação e na troca de ideias”
Reinaldo Aquino, diretor do Colégio Pentágono em Perdizes

A resolução de problemas é o eixo central: professores propõem desafios que partem de jogos, materiais manipulativos ou situações reais, como calcular trajetos em mapas ou dividir objetos de forma justa. “Essa prática ajuda a desenvolver argumentação, raciocínio lógico e autonomia, mostrando que a matemática se constrói na investigação e na troca de ideias”, afirma Aquino.

Na Escola Waldorf Aracê, em Cotia (SP), o aprendizado vai além dos meios tradicionais. Música, histórias, ritmos, poemas e materiais da natureza fazem parte da rotina. A resolução de problemas também nasce do cotidiano. Entre as atividades, estão o plantio de trigo para produzir pão, marcenaria, culinária e colheitas na horta, situações que exigem cálculos de quantidade, medidas e frações. “Chamamos de Educação do Fazer com Sentido: conteúdos aparecem do trabalho prático, útil e conectado à vida”, explica o corpo pedagógico da escola.

FUTURO
Embora vista como obstáculo por muitos alunos, a matemática é justamente a disciplina que desenvolve competências valorizadas no futuro, como pensamento lógico, criatividade, argumentação e resolução de problemas, observa o professor Guilherme Jacobik, do Instituto Singularidades. Para Raquel Milani, construir uma base sólida nos anos iniciais exige valorizar tanto o currículo científico quanto os saberes prévios dos alunos. “Se criarmos uma cultura do diálogo, em que o diferente é explicitado e respeitado, formamos sujeitos que argumentam, opinam e fazem escolhas com mais segurança.”

“Chamamos de Educação do Fazer com Sentido: conteúdos aparecem do trabalho prático, útil e conectado à vida”
Corpo pedagógico da Escola Waldorf Aracê

Foto: Tiago Queiroz/Estadão

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