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Com uma lupa na mão, crianças procuram folhas, insetos e grãos de pólen em uma flor. Enquanto observam, as perguntas não param: por que a folha é verde, por que a formiga caminha em fila, por que o pólen gruda no dedo? A cena, comum em hortas, parques e laboratórios escolares, mostra que a ciência começa com perguntas.
O letramento científico – também chamado de alfabetização científica – é o passo seguinte: transformar curiosidade em método, ajudando na compreensão do mundo por meio de conceitos, observação, registro e pensamento crítico. “Quando ensinamos Ciências, auxiliamos as crianças a questionar, investigar, procurar por evidências e manter uma postura cética diante do que se lê ou se ouve”, afirma a professora do curso de Pedagogia do Instituto Singularidades Alcione Piva.
Entre as instituições privadas, o Colégio Espírito Santo, em São Paulo, estrutura esse processo de forma progressiva, com laboratório desde o 1º ano, projetos de pesquisa até o 9º e monografias no ensino médio. “Acreditamos que toda criança e jovem é, por natureza, um cientista”, diz o diretor-geral Alexandro Alberto. A escola mantém um quintal brincante, com horta e composteira, e promove viagens de estudos.
Projetos guiados pela escuta e pelo inesperado
Na rede pública, o Centro Municipal de Educação Infantil Suzana Campos Tauil, em São Paulo, organiza os projetos a partir da escuta ativa das crianças. “Observamos gestos, olhares e interesses para que o trabalho seja construído a partir da realidade em que estão inseridos”, explica a coordenadora pedagógica Isabel Nogueira Godinho. As experiências são organizadas com intencionalidade, mas também acolhem o inesperado. Tudo é registrado em narrativas que documentam avanços e descobertas das turmas, servindo como base para novos desdobramentos.
A unidade, localizada na zona sul da capital paulista, mantém uma horta pedagógica em parceria com a Universidade Federal de São Paulo, onde são cultivadas ervas e plantas alimentícias não convencionais – valorizando saberes ancestrais trazidos por famílias e funcionários. Conta ainda com um ateliê de artes e percursos investigativos, além de promover visitas a feiras livres, bibliotecas, teatros e parques da região. Neste ano, uma das turmas conhecerá a aldeia Tenondé Porã, em Parelheiros (SP), como parte de um trabalho sobre culturas indígenas. “É na primeira infância que o desenvolvimento neurológico é mais intenso, e nesse período experiências significativas são essenciais para formar sujeitos autônomos, criativos e empáticos”, reforça Isabel.
“Acreditamos que toda criança e jovem é, por natureza, um cientista”
Alexandro Alberto, diretor geral do Colégio Espírito Santo
Vivências que moldam a curiosidade
Outra experiência é a da Escola Waldorf Aracê, de Indaiatuba (SP), onde o letramento científico começa no infantil, com atividades como plantar temperos, preparar pão, cuidar de animais, pintar em aquarela e ouvir histórias ligadas às estações. Para os pais, essas vivências dão forma à curiosidade das crianças. “Quando vejo meu filho fazendo tantas perguntas, penso que, mais do que desenvolver respostas, ele está aprendendo a não se contentar com explicações fáceis. Esse é o maior legado”, afirma a química Beatriz Miranda, mãe do Martin, 4, e do Caetano, 2.
Ela conta que observa essa curiosidade em detalhes do cotidiano. “Outro dia, meu filho quis entender por que uma lagarta se transforma em borboleta e de onde vinha o vento que mexia as árvores. Essas perguntas, que parecem simples, mostram como ele começa a relacionar fenômenos com explicações possíveis. A escola dá espaço para que essa investigação seja levada a sério.”
O engenheiro Lucas Loureiro, pai dos meninos, destaca o contraste em relação à própria infância: “Cresci em São Paulo e só depois de adulto percebi detalhes da natureza que sempre estiveram ali, como as mudanças da Lua ou o céu estrelado. Para os meninos, isso já faz parte do cotidiano da escola”.
No fundamental, a Aracê amplia as experiências científicas com agricultura semanal, estudos do corpo humano, biomas e botânica, sempre acompanhados de registros artísticos. Em todas as escolas, o registro é parte essencial do método, permitindo comparar hipóteses, revisitar situações e comunicar descobertas.
Ciências além da utilidade imediata
Há, porém, pontos de atenção. Alcione Piva alerta para o risco de algumas escolas reduzirem o conhecimento a um manual de utilidades. “Conectar cotidiano e aula é essencial, mas aprender Ciências vai além da aplicação imediata. Esse processo molda modos de pensar, fortalece a argumentação e ajuda a formar sujeitos críticos e éticos, capazes de sustentar desacordos com base em evidências.”
A advertência dialoga com a importância do método. É preciso ter objetivos claros, promover observação sistemática, confrontar hipóteses e estabelecer critérios de evidência — elementos que formam a espinha dorsal capaz de transformar atividades pontuais em formação intelectual consistente.
Foto: Getty Images