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Por Carol Firmino
Desde janeiro de 2025, celulares estão oficialmente proibidos nas salas de aula em todo o Brasil. A mudança veio com a sanção presidencial da Lei nº 15.100/2025, que alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para restringir o uso de aparelhos eletrônicos pessoais durante as atividades escolares, exceto quando houver finalidade pedagógica autorizada pelo professor.
Nas redes públicas e privadas, muitas instituições adotavam regras próprias de limitação ao uso do celular antes da legislação federal, que apenas consolidou práticas já existentes. Na escola Vera Cruz, em São Paulo (SP), por exemplo, o uso de celulares em sala de aula já era proibido antes da lei. “A partir do 6º ano, eles não podiam entrar com o celular nas salas, salvo em situações planejadas com finalidade pedagógica”, afirma Daniel Helene, coordenador pedagógico do ensino fundamental.
Mudanças
Mas isso não quer dizer que a nova lei não tenha trazido mudanças. As mais perceptíveis, segundo Helene, ocorreram fora das aulas. Antes, cerca de 20% dos alunos costumavam se reunir em rodas durante o recreio para assistir a vídeos nos celulares. “A proibição fez com que os alunos passassem a conversar de outras maneiras”, diz.
No Colégio Adventista, com unidades na região do ABC e no litoral paulista, também já existiam diretrizes internas sobre o tema. Mas, com a promulgação da lei, essas regras foram reforçadas e acompanhadas de ações práticas, como campanhas de conscientização e reuniões com pais e alunos. “Houve um aumento na participação durante as aulas. A ausência do celular reduziu as distrações e facilitou a construção de um ambiente mais colaborativo”, relata o diretor-geral, Cleyton Guimarães Costa.
Também já se percebem outros sinais interessantes com a redução do uso excessivo de celulares no dia a dia, no período fora da escola, o que trazia efeitos negativos também do ponto de vista da saúde mental de crianças e adolescentes. “A ansiedade, especialmente nos momentos que antecediam o intervalo e a troca de professores, diminuiu com o tempo. A concentração e o envolvimento nas aulas aumentaram significativamente. O ambiente está mais fluido, e os professores conseguem desenvolver os conteúdos com mais profundidade”, diz Rosemary Pontes, diretora pedagógica da rede de colégios Multiverso Educação, do Ceará. Para ajudar nessa transição, escolas da rede ampliaram as opções de atividades nos intervalos, oferecendo jogos de cartas, gamão e até karaokê.
“Houve um aumento na participação durante as aulas. A ausência do celular reduziu as distrações e facilitou a construção de um ambiente mais colaborativo”
Cleyton Guimarães Costa, diretor geral do Colégio Adventista
Impactos iniciais
O apoio também precisa vir das famílias dos alunos, e o engajamento delas tem sido decisivo para que a regra funcione na prática. No Vera Cruz, o diálogo com os pais foi conduzido junto à Organização de Famílias da escola, garantindo adesão e entendimento.
“Com as famílias não há embate ou conflito, mas observamos a manutenção de alguns comportamentos, como pais que querem conversar com os filhos por mensagem durante o período escolar. Aos poucos, fomos restringindo o uso dos aparelhos a momentos muito específicos: os alunos podem trazer os celulares, mas usam apenas no horário da chegada, no recreio e no horário de saída”, comenta Helene.
Se já são claros os sinais positivos no comportamento, na saúde mental e na convivência entre os alunos, ainda é cedo para medir impactos na aprendizagem. Mesmo assim, os relatos de professores sobre o aumento da fluidez nas aulas, menor número de interrupções e maior aproveitamento dos conteúdos são encorajadores.

A lei federal que proibiu o uso de celulares em sala de aula já traz benefícios percebidos por professores, mas também reacende um debate antigo sobre o papel das tecnologias na educação. A medida busca reduzir distrações e ampliar o foco dos estudantes, ao mesmo tempo que levanta uma questão: como evitar que a regulação seja confundida com rejeição à tecnologia?
Para especialistas e instituições, a proibição não deve ser interpretada como um veto à tecnologia digital nas escolas, cada vez mais presente em práticas pedagógicas que, em alguns casos, incluem o uso controlado de celulares. Nas escolas ouvidas pelo Guia de Colégios, há consenso de que o problema não está na tecnologia, mas no uso recreativo e descontextualizado. “Seguimos utilizando recursos digitais, inclusive com celulares da escola que não têm redes sociais nem jogos. São usados para gravar entrevistas, tirar fotos, fazer pequenas edições de vídeo. A gente quer continuar ensinando os alunos a trabalharem com esses equipamentos”, afirma Daniel Helene, do Vera Cruz.
Rosemary Pontes, diretora do Colégio Multiverso Educação em Fortaleza (CE), reforça essa ideia: “A questão não é rejeitar a tecnologia, mas sim educar para o uso consciente e equilibrado. Contamos com Chromebooks, TVs, projetores e uma excelente internet, que garantem uma conexão saudável e produtiva com o mundo digital”.
“Seguimos utilizando recursos digitais, inclusive com celulares da escola que não têm redes sociais nem jogos. São usados para gravar entrevistas, tirar fotos, fazer pequenas edições de vídeo. A gente quer continuar ensinando os alunos a trabalharem com esses equipamentos”
Daniel Helene, do Vera Cruz
Há também a preocupação de que o “desaparecimento” dos celulares no ambiente escolar deixe em segundo plano a necessidade de uma formação crítica para o uso responsável das telas. Quem faz o alerta é Guilherme Alves, gerente de Projetos da SaferNet, organização sem fins lucrativos dedicada à defesa e promoção dos direitos humanos na internet. Ele ressalta que a nova regra pode até ajudar a reduzir distrações em sala de aula, mas não resolve sozinha os desafios do mundo digital: “Ela colabora no curto prazo, mas não pode ser tratada como afastamento da educação para a cidadania digital, que é um direito dos estudantes e está prevista na BNCC [Base Nacional Comum Curricular] desde 2017”.
Ele destaca que, para isso, é importante investir na formação de professores, envolver as famílias e integrar o tema ao currículo escolar: “A escola tem papel central de ensinar sobre privacidade, discurso de ódio, desinformação, saúde mental e outros temas que atravessam o uso da tecnologia”. O foco, defende Alves, não deve ser apenas restringir os aparelhos, mas preparar os alunos para lidar com os riscos da hiper-conectividade dentro e fora dos muros da escola.
Foto: Adobe Stock