Artigo

Uma escola para todos

O direito à educação é garantido pela Constituição. Mas será que nossas escolas são inclusivas e atendem às diferentes necessidades intelectuais dos alunos?

26 de setembro de 2025

Por Alexandre Raith

O acesso à aprendizagem ainda é um desafio para crianças e adolescentes que apresentam alguma neurodivergência como transtorno do espectro autista (TEA), transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), dislexia e superdotação. Nem todas as escolas entendem que variações no funcionamento neurológico desses alunos trazem não apenas desafios, mas também potencialidades e acabam não aceitando alunos com esse perfil ou não prestando a assistência de que eles necessitam para ser integrados plenamente ao dia a dia da escola.

Os dados mais recentes, no entanto, indicam avanços no caminho da inclusão. Segundo o Censo Escolar de 2024, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o número de estudantes com deficiência, TEA ou altas habilidades matriculados em classes comuns da educação básica cresceu 58,7% entre 2020 e 2024. Na educação infantil, a expansão foi ainda maior: mais de 250%.

Apesar dos números positivos, a formação de professores para receber esses alunos avança pouco. Segundo levantamento feito em 2023 pelo Instituto Rodrigo Mendes, organização não governamental dedicada à educação inclusiva, apenas 6% dos mais de 2 milhões de professores de classes regulares da rede pública e particular têm formação continuada em educação especial. Sem docentes preparados, o caminho da inclusão fica mais difícil. “Não basta o professor ensinar e achar que, a partir do que se ensina, todo mundo já aprendeu. Uma escola inclusiva é aquela que respeita o jeito de ser de cada um, e oferece propostas político-pedagógicas diversificadas”, afirma Deigles Amaro, especialista em gestão educacional da instituição.

Ensinar uma sala de aula diversa, com alunos de diferentes condições intelectuais, físicas e cognitivas, não é uma missão simples e exige uma metodologia voltada ao coletivo. “Tem estudante que não enxerga, que não fala, que não se baseia somente em recursos visuais ou auditivos. A escola que não segrega é aquela que não faz uma proposta pedagógica baseada no modo único”, complementa Deigles.

As adaptações necessárias envolvem até mesmo os processos de avaliação. Alunos com dislexia e TDAH, por exemplo, podem ter dificuldade na leitura inicial e no aprendizado das regras de ortografia. “Este aluno pode fazer uma prova oralmente, porque com resposta escrita vai demorar muito mais tempo e ter mais erros de ortografia, e não necessariamente se avaliará o conteúdo aprendido”, exemplifica Ana Luiza Navas, associada-fundadora do Instituto ABCD, organização social referência no trabalho com dislexia.

“Não basta o professor ensinar e achar que, a partir do que se ensina, todo mundo já aprendeu. Uma escola inclusiva é aquela que respeita o jeito de ser de cada um, e oferece propostas político-pedagógicas diversificadas”
Deigles Amaro, especialista em gestão educacional da instituição.

O que diz a lei
Há quase 20 anos o Brasil constrói uma legislação para incentivar a inclusão nas escolas. Em 2008, o País ratificou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU). No mesmo ano, publicou a Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva Inclusiva. Em 2015, foi promulgada a Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146). Há ainda uma legislação específica para dislexia e TDHA (Lei nº 14.254/2021). O desafio, porém, é transformar essas normas em prática no dia a dia das instituições. “A divulgação da lei é positiva, mas algumas escolas ainda não têm clareza sobre o que pode ou não ser feito”, diz Ana Luiza Navas.

O atendimento educacional especializado prevê a frequência do aluno na sala comum, com complementação no contraturno, se necessário, de acordo com suas especificidades. Pela legislação, esta atividade deve ser ministrada por um profissional de apoio escolar, que não necessariamente precisaria ser professor, que pode ajudar na higiene, na locomoção e até na comunicação e operacionalização do conteúdo dado em sala de aula.

O trabalho em sala de aula

Maria Clara Figueira é professora de Atendimento Educacional Especializado (AEE) na Escola Municipal Professor Manuel Valente do Couto, em Óbidos (PA), onde 48 alunos da educação especial estão matriculados, do infantil ao fun­damental I. Ela desenvolve um projeto, fruto de uma parceria com o Instituto Rodrigo Mendes, que consiste em articular a cultura regional com a identidade das crianças, por meio do estudo de danças, lendas e depoimentos dos moradores mais antigos da região. A atividade envolve todos os alunos nas aulas regulares, pela manhã. “O conteúdo é passado com ludicidade, teatro de fantoches e trabalhos de arte.” No contraturno, para os alunos de educação inclusiva, Maria Clara amplia as estratégias: “Fizemos material de apoio, como a confecção de personagens, desenho e exibição de vídeo.”

“Um aluno com superdotação, por exemplo, pode apresentar dificuldade de socializar. Hoje, é uma demanda. Pode ser que daqui a seis meses não seja mais. É um desafio, que exige pensar em novas estratégias.”
Juliana Gois, orientadora educacional do Colégio Rio Branco

Em São Paulo, no Colégio Rio Branco, a orientadora educacional de apoio à aprendizagem Juliana Gois aposta no ensino individualizado. Em conjunto com professores, pais e especialistas externos, desde psicólogos e psiquiatras até terapeutas ocupacionais, a escola elabora um plano estratégico. “Estudamos o diagnóstico, as habilidades, as dificuldades no processo de aprendizagem e os desafios”, diz. O documento é atualizado no decorrer do ano, de acordo com o desenvolvimento da criança. “Um aluno com superdotação, por exemplo, pode apresentar dificuldade de socializar. Hoje, é uma demanda. Pode ser que daqui a seis meses não seja mais. É um desafio, que exige pensar em novas estratégias.”

Na mesma escola, Itatiara Silva Lourenço acompanhou de perto a revisão do plano de estudos do filho Antônio (nome fictício), de sete anos, que está no 2° ano do fundamental. O menino tem altas habilidades e transtorno de ansiedade e apresentava dificuldade de vínculo com a comunidade escolar. Hoje já participa de forma ativa em sala e socializa com seus pares. “Se engana quem pensa que uma criança superdotada não precisa de suporte. Ao contrário. Precisa de um programa educacional para se desenvolver e ser feliz na escola como os outros alunos”, explica a mãe.

A escola prepara estratégias para valorizar as habilidades de Antônio, que se interessa por arte e música. “Eles desenvolvem projetos, o que achamos que despertaria interesses nele, que gosta de trabalhar com interdisciplinaridade. Assim, ele pode se desenvolver plenamente, com habilidades para a vida”, conclui Itatiara.

Foto: Getty Images

Guia de Colégios

Acesse todo o conteúdo da edição impressa Guia de Colégios 2025

Baixe o PDF

Veja as edições anteriores: