Pesquisa indica que quase 60% de universitários mineiros convivem com sintomas de ansiedade

Problema provoca evasão e pode persistir ao longo da vida

Por 34º Curso Estadão de Jornalismo - editada por Mariana Collini

19 de agosto de 2024

No País considerado o mais ansioso do mundo pela OMS, um estudo feito em oito universidades federais do Estado de Minas Gerais constatou que 59,7% dos 8 mil estudantes entrevistados apresentam sintomas da doença. Desses, quase 34% têm quadros severos de ansiedade, situação que interfere na presença em aula, segundo uma das coordenadoras do estudo, Luciana Saraiva, da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

A saúde mental atravessa diversas áreas da vida universitária. Segundo a professora, muitos alunos precisam mudar de cidade, se adequar a uma nova realidade e a outra rotina. “A exigência pessoal aumenta muito e é relacionada a um sentimento de solidão logo no início, até o aluno se sentir pertencente ao ambiente.”

Luciana relata que a maior constatação da pesquisa foi a “permanência” dos sintomas ansiosos nos estudantes durante o período da graduação, com possibilidade de prevalecer ao longo da vida. “Recentemente, tive de acionar a psicóloga para auxiliar uma aluna que teve uma crise de ansiedade durante a aula. Isso tem acontecido com mais frequência”, relata.

Além da UFU, participaram do estudo outras sete federais: Minas Gerais (UFMG), Ouro Preto (UFOP), Juiz de Fora (UFJF), São João del-Rei (UFSJ), Lavras (UFLA), Vales do Jequitinhonha e Mecuri (UFVJM) e Alfenas (UNIFAL-MG). A análise foi feita com estudantes de 23 anos, em média. Essa faixa etária totaliza 58% do ensino superior, segundo o Mapa do Ensino Superior de 2023 feito pela Semesp. Especialistas analisam que o grupo da geração Z está apresentando alta nos sintomas e recebendo mais laudos de transtorno de ansiedade.

O problema não fica apenas nas universidades mineiras mapeadas pelo estudo. Laura Quadros testemunha diariamente a relação de seus alunos com a saúde mental. A psicóloga leciona há 35 anos e hoje é docente na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), mas já passou por redes de ensino privadas e públicas, além de prestar atendimento psicológico a jovens. Laura acredita que o contato contínuo com as redes e os eletrônicos perpetuam pensamentos ansiosos entre adolescentes e jovens. “Há muita comparação e cobrança tanto de aparência física quanto de vivências e realizações acadêmicas e profissionais”, explica.

Lauro Demenech é psicólogo, professor e pesquisador na área de saúde mental na Universidade Federal do Rio Grande (Furg) e reforça a situação preocupante entre os estudantes. “É uma geração mais fragilizada em uma perspectiva de saúde mental, porque suas experiências estão calcadas em elementos mais efêmeros. Tudo é muito rápido, como nos stories. Apareceu e já acabou”, analisa Demenech. “E a universidade ainda é uma instituição sólida com processos lentos.”

“A geração Z vive numa realidade gasosa, em que tudo vai e vem muito rápido”, Lauro Demenech, pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande (Furg)

O que o pesquisador observa é realidade para o universitário Bill Luz, de 24 anos. Ele começou a cursar Meteorologia em 2017, mas teve de interromper a graduação. Chegou a um ponto em que não conseguia ficar dentro da sala de aula. “Na hora do intervalo, eu simplesmente fui até a secretaria e tranquei o curso de Meteorologia por um ano”, lembra Luz.

Ele relata dificuldades em acompanhar as aulas, que considera longas, e em manter a concentração pelo uso de redes sociais. “Eu não saía do celular e havia situações em que, durante as aulas, mesmo nos dias em que eu não trabalhava, sempre levava o notebook para anotar”, conta o universitário, que hoje cursa Rádio, TV e Internet na Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho (Unesp). “Entre as muitas atividades, eu só ficava vendo o Instagram e o Facebook. Hoje em dia, fico mexendo no Twitter.”

Luz não é o único a sofrer com os processos e a pressão da graduação. Depois de uma mudança de faculdade e diversos problemas burocráticos para conseguir prosseguir, Maria Clara Kaseker, de 28, estuda Economia na Universidade de São Paulo (USP). Ela tinha uma última matéria para finalizar o curso, o que desencadeou uma série de sintomas de ansiedade. “Eu estava extremamente nervosa e ansiosa. Não conseguia comer direito, cheguei até a ter problema de estômago porque precisava finalizar até um prazo determinado pela universidade.”

“Entre as muitas atividades, eu só ficava vendo o Instagram e o Facebook. Hoje em dia, fico mexendo no Twitter”, Bill Luz, universitário

A pesquisa feita pelas federais mineiras traz um panorama regional importante, porém ainda não consegue destrinchar a situação nacional dos universitários brasileiros. O psicólogo Demenech, da Furg, explica que faltam pesquisas que mapeiem de forma mais ampla a situação de saúde mental dos estudantes de graduação. “Eles são um público de fácil acesso para diversas pesquisas, mas aparentemente não são atrativos o suficiente, até o momento, para serem realmente estudados”, acredita. Para ele, o Brasil conta com poucos estudos bem desenhados, além de não ter um levantamento anual sobre saúde mental.

A última pesquisa ampla que retrata um perfil de saúde mental de estudantes foi feita pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) em 2018. Nela foram mapeadas as causas de abandono de curso por discentes de universidades federais do Brasil. Saúde física e mental foram motivos para 21% dos estudantes pedirem trancamento ou cancelamento de matrícula; a maior causa foi por dificuldades financeiras.

Para Laura, da Uerj, a realidade econômica do estudante está intrinsecamente ligada aos sintomas de ansiedade. “Ele entra na faculdade e já conta com diversas dificuldades. Já atendi alunos que viviam em casa de chão batido e não tinham geladeira e, muitas vezes, não encontravam uma boa condição da própria faculdade”, conta. “Isso tem potencial para agravar sintomas.”

Laura destaca que, na comparação, a geração Z é mais ansiosa e vive menos o presente. “Eles já pensam que, aos 30 anos, devem ter uma família estruturada, uma casa própria e ser feliz na carreira.”

Modelo de ensino
“O modelo antigo de ter o professor em pé dando aula por uma hora, com os alunos anotando, e fazer com que tudo sobre o futuro deles dependa da nota nos exames contribui para a ansiedade”, diz Liz Reisberg, consultora de Ensino Superior, integrante do Conselho Consultivo do Centro de Educação Superior Internacional (CIHE) do Boston College.

Para Lauro Demenech, o ensino superior atual tem uma metodologia que não consegue reter a atenção e concentração dos estudantes. O pesquisador analisa que, nas universidades, os conteúdos são passados de maneira pouco estimulante, o que traz dificuldades adicionais para a geração Z, predominante no sistema. “Atualmente, você consegue acelerar tudo: vídeos, áudios, podcasts. Os universitários de hoje cresceram nesse meio”, afirma. “A dificuldade é encontrada, muitas vezes, nessa diferença de velocidade. A universidade ainda segue um modelo de ensino analógico.”

Uma possível saída para reter a atenção e a presença dos alunos em sala é a adoção de novas metodologias. A consultora de Ensino Superior aponta a necessidade de reformular a dinâmica entre professor e aluno. “A ideia é que a experiência de aprendizagem deve ser uma parceria, não apenas um professor transmitindo conhecimento”, diz. Para isso, Liz exemplifica a possibilidade de trocar provas por produções livres. Com isso, o estudante teria liberdade para escolher o tipo de trabalho em que os conhecimentos adquiridos serão aplicados. “Isso tira muita ansiedade quando os alunos podem ter um papel de protagonista na dinâmica de uma aula.”

Com reportagem de: Rebeca Freitas, Maria Eduarda Gomes, Euziane Bastos, Emanuele Almeida, Maria Luiza Valeriano

Foto: GettyImages

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