Bancas presenciais de cotas raciais na USP: Justiça emite nova determinação
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Jovem se autodeclarou pardo ao concorrer em graduação na Federal de Alagoas (Ufal); Defesa do recém-formado diz que vai recorrer da decisão
Por Guilherme Lara da Rosa – editada por Mariana Collini em 23/12/2024
O médico recém-formado Pedro Fellipe Pereira da Silva Rocha foi condenado pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5) a indenizar a Universidade Federal de Alagoas (Ufal) em cerca de R$ 500 mil por fraude a cotas raciais. O julgamento aconteceu no último dia 5, em resposta a uma ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF). A defesa disse que irá recorrer da decisão.
A sentença assinada pelo juiz Ricardo Zagallo definiu que o médico deverá ressarcir a universidade em R$ 7 mil para cada mês estudado no curso de graduação – o curso de Medicina tem duração média de seis anos. A Justiça também determinou que o jovem formado em 2023 indenize a sociedade em R$ 50 mil por danos morais.
Segundo o MPF, Pedro Fellipe Rocha — que afirma se considerar pardo — ingressou na universidade em 2017 por meio da Lei de Cotas, que garante vagas em instituições federais para estudantes que se autodeclaram pretos, pardos e indígenas. À época, a Ufal não contava com comissões de heteroidentificação, que só foram implementadas cerca de dois após a entrada do estudante.
“O rapaz não apresentava nenhuma característica física (cor da pele, textura de cabelo e formato do nariz, entre outras) que confirmasse que ele era pardo, como havia declarado no momento da inscrição no Sistema de Seleção Unificada (Sisu)”, afirmou o MFP.
Segundo o órgão, esse caso e outros possíveis episódios de fraudes das cotas foram denunciados por alunos da própria Federal, “que não tomou providências”. O Estadão perguntou à instituição sobre como agiu no caso de Rocha e quantas denúncias de fraudes em cotas foram recebidas desde 2018, mas não houve resposta para esses questionamentos.
Coordenador do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas da Ufal, Danilo Luiz Marques afirmou à reportagem, por outro lado, que a comissão de heteroidentificação criada na universidade surgiu como mecanismo de combate às fraudes em cotas raciais. Segundo ele, as bancas são compostas por servidores e alunos da Ufal, além de membros da sociedade.
“O que acontecia antes era apenas a autodeclaração e isso causou uma série de casos de denúncias e fraudes. Entendemos que é muito importante que as instituições efetivem essas políticas a partir da comissão de heteroidentificação”, afirmou.
As comissões de avaliação de candidatos cotistas foram criadas nas universidades para coibir fraudes, mas foram alvo de acusações de promover um “tribunal racial”. As instituições dizem que o mecanismo é defendido inclusive pelo movimento negro, sob o argumento de evitar desvios das vagas para ações afirmativas.
Neste ano, a negativa de matrícula a um aluno que havia se declarado cotas fez a Universidade de São Paulo (USP) ser questionada na Justiça.
O Supremo Tribunal Federal (STF), em 2017, ratificou a existência dessas bancas raciais e definiu que os aspectos de pretos e pardos a serem considerados pelas bancas em concursos e processos seletivos são:
Textura do cabelo (crespo ou enrolado);
Nariz largo;
Cor da pele (parda ou preta);
Lábios grossos e amarronzados
Caso põe em descrédito a política de ação afirmativa, diz MPF
Em 2021, quando Rocha estava no 4º ano do curso, o MPF ajuizou ação para que ele fosse condenado a pagar indenização por danos morais à sociedade. No documento, o órgão argumentou que o jovem prestou “autodeclaração ideologicamente falsa” para ingressar no curso.
“À medida que não ostentando qualquer característica fenotípica que o torne potencialmente vítima de discriminação racial, valeu-se indevidamente da política pública para obter vantagem a que não faria jus, em processo seletivo”, conforme a Procuradoria, ação civil pública à qual o Estadão teve acesso. Isso ocorreu “não apenas em detrimento dos demais candidatos, mas contribuindo, ainda, com sua atitude, para o descrédito da política de ações afirmativas positivadas” pela Lei de Cotas.
Em defesa escrita enviada à Justiça à época, o então universitário disse ter considerado “todo o seu contexto de vida, das relações familiares, escolares e outras sociais, que fizeram com o que passasse a se identificar e se reconhecer como pardo”. Diante da impossibilidade de convocar o candidato negro que teria direito à vaga, o MPF optou por não solicitar o cancelamento da matrícula do aluno acusado de fraudar as cotas.
A 2ª Vara da Justiça Federal em Alagoas negou os pedidos de indenização e, em setembro de 2022, o MPF recorreu ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5) para mudar a sentença proferida em 1ª instância. Desta vez, a Quinta Turma do TRF-5 decidiu que Rocha deverá pagar pelo curso.
“O MPF ressalta que a aparência física do candidato é imprescindível para assegurar o direito à cota racial, pois são justamente as características físicas (fenótipo) próprias das pessoas negras (pretas ou pardas) que as tornam vítimas de preconceito racial na sociedade brasileira”, disse órgão, em nota.
Após o julgamento, a defesa do médico afirmou à reportagem que irá recorrer da decisão porque ela “viola preceitos constitucionais”. “É importante esclarecer que o sistema de cotas raciais não se restringe exclusivamente aos pretos, mas também inclui os pardos, conforme a legislação vigente. O médico recém-formado, ao longo de sua vida, sempre se reconheceu como pardo, autodeclaração que reflete seu contexto histórico, cultural e social. A autoidentificação é um direito da personalidade, vinculado aos aspectos existenciais, emocionais e sociais de cada indivíduo”, disse a advogada Paula Falcão Albuquerque.
Para a defesa, a participação no processo seletivo foi “legítima” e amparada pela autodeclaração permitida por lei. “Ele sempre agiu de boa-fé, em conformidade com as normas legais, e não houve qualquer fraude ao sistema, nem comprovação de danos materiais e morais à Universidade Federal de Alagoas ou à sociedade, uma vez que suas condutas foram orientadas por todos os critérios estabelecidos pela legislação e, principalmente, pelo edital”, acrescentou.
Foto: Reprodução/Ministério Público Federal30
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