Cotas para pessoas com deficiência e trans e combate à evasão são prioridades da nova reitora da Unesp

Primeira mulher eleita para o cargo, Maysa Furlan prevê fortalecer ações de permanência, como mentoria de alunos para colegas e diz não prever dificuldades para negociar verba com o governo

Por Isabela Moya - editada por Mariana Collini

25 de novembro de 2024

A professora Maysa Furlan será a nova reitora da Universidade Estadual Paulista (Unesp) entre o ano que vem e 2029. Ela é a primeira eleita para ocupar o cargo na instituição, que teve a escolha ratificada pelo governo de São Paulo na sexta-feira, 15.

Hoje vice-reitora, ela diz que um dos focos da sua próxima gestão será incrementar estratégias de inclusão e permanência estudantil tanto na graduação, quanto na pós-graduação.

Professora de Química no câmpus de Araraquara, ela também afirma que criará uma pró-reitoria específica para lidar com inclusão e permanência estudantil, dando maior prioridade a ações afirmativas, inclusão, saúde, atividade física e saúde alimentar.

A Unesp já discute cotas para pessoas com deficiência (PCD) e transsexuais, mudança que ela prevê como implementação no “curto prazo”, de acordo com Maysa. Recentemente, as universidades Federal de São Paulo (Unifesp) e de Brasília (UnB) adotaram cotas para pessoas trans e a Estadual de Campinas (Unicamp), cotas para PCD.

A futura reitora também afirmou não ver dificuldades em negociar com a gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) sobre recursos, mesmo após uma tentativa do governo de flexibilizar o repasse de verbas para as universidades paulistas, como o Estadão revelou.

Unesp, USP e Unicamp recebem uma cota fixa de 9,57% da arrecadação estadual do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

Esse modelo de financiamento, com autonomia e previsibilidade orçamentária, é considerado um dos fatores que propiciou ao ensino superior paulista ser um dos líderes na produção científica da América Latina, conforme especialistas.

Com a reforma tributária, o ICMS deixará de existir gradualmente a partir de 2026. Por isso, está sendo discutido um novo formato de repasse às universidades. Em agosto, os reitores das três instituições chegam a formular uma primeira proposta para o governo.

Veja os principais trechos da entrevista:

Como está a negociação da proposta para o financiamento das universidades estaduais?
Os reitores já estão trabalhando e discutindo. Penso que vamos caminhar, que o governo do Estado reconhece o papel das universidades. É importante que tenhamos esse orçamento assegurado para que possamos, a partir de 2026, continuar com um projeto de universidade de excelência. O projeto é sólido, as discussões se iniciaram. As três universidades públicas paulistas têm esse reconhecimento internacional e nacional e essa excelência por conta da autonomia universitária que temos. A autonomia universitária nos diferencia nesse País.

Há dificuldade para conseguir o recurso, tendo em vista que o governo já tentou incorporar ao percentual das três universidades o financiamento das faculdades de medicina e da universidade virtual do Estado?
Temos canais muito abertos hoje para discutir essa nova perspectiva, para que assegurar o orçamento que hoje temos via ICMS. Não vejo dificuldade em discutir esse assunto com o governo. Sempre vai haver debate; isso é muito salutar. Nós três (Unesp, USP e Unicamp) estamos hoje respondendo aos anseios da sociedade de forma fenomenal, em todos os aspectos. Não vejo como um sistema tão rico de ciência, tecnologia, educação e formação de pessoas, ter dificuldades para essa discussão.

Essa questão das faculdades de medicina (faculdades de Medicina de Marília, a Famema, e de São José do Rio Preto (Famerp), além da Universidade Virtual do Estado, a Univesp) já foi descartada, mas é algo que sempre volta. Provavelmente teremos que “rediscutir” isso em algum momento, talvez não neste governo, mas em algum momento.

Se não há dificuldade para discutir a manutenção do orçamento, há abertura para aumentar a verba das universidades?
Sempre temos que lutar por mais verbas para educação, ciência, tecnologia e inovação no País e no nosso Estado. Foi assim que crescemos. Foi com esse projeto de lei que alicerça 1% da receita tributária à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapesp) que chegamos nesses programas fundamentais.

Avalia que precisamos valorizar mais a pesquisa brasileira? Como fazer isso?
A pesquisa é o grande diferencial da universidade pública, é essencial para a universidade desenvolver o conhecimento. É através da pesquisa que produzimos conhecimento altamente qualificado. Esse conhecimento produzido nas universidades brasileiras que fez com que fôssemos capazes de dar resposta à pandemia. A Unesp avançou exponencialmente em pesquisa nos últimos anos. Nos últimos três anos, captamos quase R$ 21 milhões em recursos financeiros para pesquisas, só de órgãos de fomentos. Participamos ativamente de editais da Finep (a Financiadora de Estudos e Projetos, agência pública de fomento à ciência e tecnologia) para projetos institucionais, e tivemos participação dos nossos pesquisadores em áreas que precisamos dar resposta à sociedade, nas áreas ambientais, de mudanças climáticas, de saúde, de combate à fome. Onde evoluímos muito e trouxemos uma engrenagem na formação de recursos humanos foi na inovação tecnológica e social. No último ranking da Quacquarelli Symonds (QS), a Unesp foi considerada a 1ª do País e a nona do mundo [no critério de Indústria, inovação e infraestrutura do Impact Ranking da Times Higher Education]. Isso não é pouco, é fantástico. Isso vem também porque criamos 10 FabLabs, e vamos dar continuidade a isso, para que os alunos possam ousar. Em paralelo a isso, criamos um centro de educação em inovação, porque temos que educar nossos alunos e comunidade numa perspectiva de transformar o conhecimento gerado em inovação para mudar a sociedade, a vida das pessoas e contribuir para o País.

Ainda faltam recursos para a pesquisa decolar no País?
Parte desse FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) realmente foi aplicado em pesquisa. O CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, órgão federal de fomento) avançou nos seus programas. Temos cada vez ter mais verba para pesquisa, porque temos uma capacidade instalada, uma possibilidade de estabelecer interdisciplinaridade entre as diferentes áreas. As universidades e seus pesquisadores se qualificaram de tal forma que as ideias são infindáveis. Aumentamos a internacionalização, temos um sistema de mobilidade que traz pesquisadores do mundo, levamos nossos (pesquisadores) para lá. Quanto mais direcionarmos verba para a educação, para a ciência e tecnologia, mais esse País vai avançar.

Quais mudanças pretende promover na sua gestão e quais pilares avalia que a universidade precisa valorizar mais nos próximos quatro anos?
Somos uma chapa em continuidade a esta gestão, em que sou vice-reitora. Esta chapa atual sempre trabalhou muito com a proposta de resgate da universidade, que vinha de pressão econômica grande. Tínhamos uma atividade econômica anterior ruim. Mas também de acolhimento, de um olhar para as pessoas e especialmente restabelecer o diálogo com a universidade. Também queremos avançar na formação da produção do conhecimento qualificado. Hoje somos a segunda universidade no País, após a USP, em termos de qualidade de produção.

Também temos que ampliar a procura pelos nossos cursos de pós-graduação na universidade pública. Temos sentido, nos últimos anos, a diminuição da procura dos jovens nascidos no século 21 pelas universidades públicas. Isso não acontece só com a Unesp, mas com nossas irmãs, com as federais. É um processo global. Precisamos criar condições na universidade que tragam o pertencimento e a permanência desses alunos. Novas metodologias de ensino, bons restaurantes universitários, boas áreas de convivência dos alunos para que possam desenvolver projetos e dialogar, criar infraestrutura para a permanência do estudante, para que ele sinta prazer de ficar na universidade.

Como exatamente pretendem investir na permanência estudantil?
Temos uma coordenadoria, que foi criada nessa gestão, que cuida da saúde física e mental dos nossos estudantes. Eles voltaram diferentes após pandemia. Todos voltamos diferentes, mas muitos sentiram mais. Hoje há um apoio institucional para saúde mental e para permanência estudantil. (Queremos) avançar nos projetos de moradia, estamos reformando as moradias estudantis e os restaurantes universitários. Criamos a política de saúde alimentar e vamos ampliar isso. O projeto para avançar nessas questões é a criação de uma pró-reitoria que vai cuidar desses assuntos de permanência e ações afirmativas, de inclusão, saúde, esportes, atividade física e a saúde alimentar. A pró-reitoria vem com essa perspectiva de maior visibilidade. Também estabelecemos, a partir deste ano, uma política de inclusão e permanência na pós-graduação. Já implementamos, mas temos que caminhar cada vez mais.

A senhora mencionou a menor procura pelas universidades públicas e que pretendem combater isso com estratégias de permanência estudantil. Mas qual a causa desse fenômeno? Por que os jovens estão procurando menos as universidades públicas?
Não só públicas, mas todo o sistema de curso superior do País. A pandemia trouxe um reflexo: muitos jovens tiveram de abrir mão do curso superior para trabalhar. Essa questão econômica é importante, a social também, e temos de melhorar muito a educação básica do País. A educação básica é um pilar importantíssimo para que a universidade forme recursos humanos, para que vejam sentido e tenham acesso à universidade, especialmente a universidade pública, que desenvolve pesquisa e que forma realmente recursos humanos para atuar nesse mercado tão exigente.

(Precisamos) modernizar tecnologias, avançar em cursos que realmente sejam aderentes ao que a sociedade precisa, ter infraestrutura em que o aluno sinta prazer de permanecer na universidade. A universidade pública tem um diferencial, o aluno tem a oportunidade de conviver com laboratórios de pesquisa em todas as áreas do conhecimento e participar ativamente do conhecimento gerado na universidade.

Além da procura menor, como está a evasão?
É preciso avaliar não só a procura, mas também o fluxo do aluno na graduação. Temos alunos que desistem na primeira dificuldade. Em cursos da área das Ciências Exatas, em que há disciplinas como Cálculo, eles têm muita dificuldade. Após um ou dois anos, o aluno não dá conta daquelas disciplinas e desiste. Também criamos e vamos dar continuidade agora ao sistema de mentoria, em que um aluno que não tem dificuldade recebe uma bolsa equivalente à iniciação científica e, numa linguagem próxima à do colega, ele consegue interagir (e tirar dúvidas). E um docente sempre monitora todo esse conteúdo. Essa interação é legal e adotamos esse modelo para diminuir a evasão.

Outra coisa importante que está no nosso plano de gestão é trabalhar com egressos. Estamos entrando em contato com eles para entender se os nossos egressos estão trabalhando na área que são formados ou se ganharam aptidões tão diversas que conseguem atuar em diferentes áreas, e isso traz um movimento legal para trabalharmos o projeto pedagógico desses cursos.

O projeto de inclusão da universidade inclui a aderência a cotas de diferentes modalidades, como para PCD e pessoas trans?
A Unesp é plural pela sua própria concepção. Nós adotamos as cotas, o sistema de reserva de vagas, antes de se tornar lei. Iniciamos com um orçamento de R$ 10 milhões, hoje já estamos com orçamento de R$ 70 milhões para permanência estudantil, o que realmente favorece a inclusão. A inclusão é importante para que ter uma universidade que seja o reflexo que do que temos na sociedade. E, para isso, você tem de formar as pessoas.

Essa representatividade vai se consolidar com a criação de uma pró-reitoria. Avançamos muito, e vamos avançar mais. Estamos avançando nessa discussão (de reserva de vagas para pessoas trans e com deficiência). Essa discussão já teve início. É questão a curto prazo. Nós sedimentamos caminhos legais, temos diálogo com todos os segmentos, com coletivos, intra e extra muros. Acho que isso vai acontecer a curto prazo.

Como será essa nova pró-reitoria?
Diante dos desafios da construção de uma universidade mais democrática, acessível e inclusiva, a Unesp tem desenvolvido, há alguns anos, políticas e ações direcionadas a administrar e garantir direitos de grupos e populações excluídos historicamente da formação no ensino superior. Propomos a criação de uma pró-reitoria que vai localizar essas ações como políticas institucionais efetivas e permanentes. Terá como maior propósito fortalecer e transversalizar ações já desenvolvidas e outras necessárias na garantia dos direitos humanos à toda comunidade universitária.

A pró-reitoria vai administrar, acompanhar e avaliar ações e políticas de promoção de bem-estar (saúde, alimentação e atividades esportivas); de permanência estudantil; de reserva de vagas em todos os segmentos da comunidade universitária; de prevenção e intervenção diante de situações de violências e todas as formas de discriminação; e de garantia de acessibilidade e inclusão para todas as pessoas com deficiência. Além disso, vai articular ações coletivas na produção de indicadores das desigualdades e das consequentes ações e políticas afirmativas, a partir de perspectivas interseccionais, em permanente diálogo e debate com a sociedade e na comunidade acadêmica.

Cotas para pessoas com deficiência e trans e combate à evasão são prioridades da nova reitora da Unesp

Foto: Tiago Queiozroz/Estadão

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