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De olho no agro

Cursos superiores para quem pensa em trabalhar no campo crescem e geram oportunidades para os universitários brasileiros

Por Isabella Baliana

30 de outubro de 2025

Apujança do agronegócio brasileiro não passa ao largo da atenção das universidades. A disparidade é cristalina quando se analisam os números.

As matrículas nas graduações relacionadas ao chamado agrossistema (agronomia, zootecnia e medicina veterinária) cresceram 26% em uma década, entre 2013 e 2023. Enquanto a entrada de estudantes em cursos presenciais de todas as outras áreas baixou 29% em todo o País, segundo dados do Mapa do Ensino Superior 2025, divulgado pelo Instituto Semesp (centro de inteligência analítica mantido pelas mantenedoras de instituições de ensino superior do País).

Como menos de 7% das matrículas presenciais no ensino superior são voltadas para o agronegócio – setor que representa 23% do PIB nacional, segundo estimativa da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) –, a perspectiva ainda é de crescimento para os próximos anos.

O custo para a abertura de novas vagas no sistema é um gargalo importante, analisa Mario Luiz Chizzotti, diretor do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Viçosa (UFV). O investimento costuma ser alto nos cursos de qualidade porque eles envolvem a criação de fazendas experimentais, laboratórios e infraestrutura multidisciplinar. “Nos últimos anos, essa dificuldade foi intensificada pela redução orçamentária das instituições federais de ensino superior, o que impediu a abertura de novas vagas nas universidades existentes”, avalia o diretor da UFV. Abrir cursos perto dos centros urbanos, por exemplo, é quase impossível por causa do preço da terra.

O perfil cada vez mais urbano da sociedade brasileira também distancia os jovens vestibulandos das graduações do setor. “Muitos estudantes não têm contato direto com a realidade rural e desconhecem os impactos positivos que o agro exerce sobre a sociedade, seja na produção de alimentos, embalagens, biocombustíveis, nos serviços ambientais ou na geração de renda e empregos. É necessário investir em comunicação científica, mostrando à população urbana como o campo gera benefícios”, afirma Chizzotti.

O lado tecnológico dos cursos voltados para o campo é outro ingrediente do cardápio universitário que precisa ficar mais explícito para os jovens que estão terminando o ensino médio, na visão de Omar Sabbag, professor dos cursos de Engenharia Agronômica e Zootecnia da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

A tecnologia é algo, explica o docente do Campus de Botucatu (SP), que está presente inclusive em cursos menos tradicionais, como Agrocomputa­ção, Biotecnologia, Agroecologia e Ener­gias Renováveis. “Existem profissões que estão surgindo ou ganhando destaque devido aos avanços tecnológicos no setor, como a de especialista em inteligência artificial e análise de dados, operadores de drones e especialistas em internet das coisas”, explica Sabbag.

Outro campo que se abre para os futuros profissionais é o que mescla a produção agropecuária com a responsabilidade ambiental. “Há uma demanda crescente por especialistas em áreas como agropecuária regenerativa, capazes de desenvolver práticas de manutenção e sequestro de carbono, bem como profissionais para atuar com rastreabilidade e certificação da cadeia produtiva, para atender às exigências dos mercados internacionais”, afirma Chizzotti, da Federal de Viçosa.

“Nos últimos anos, essa dificuldade foi intensificada pela redução orçamentária das instituições federais de ensino superior, o que impediu a abertura de novas vagas nas universidades existentes”
Mario Luiz Chizzotti, diretor da Universidade Federal de Viçosa (UFV)

Qual o foco do meu curso?

Veterinária
Os veterinários têm uma formação voltada para promover o cuidado integral dos animais, ajudando a prevenir e tratar doenças em indivíduos das mais diversas espécies.

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Zootecnia
O zootecnista, por sua vez, aprende a aplicar técnicas que servem para melhorar e otimizar a produção animal. Ou seja, seu trabalho é mais focado em aumentar a eficiência dos processos de criação em instalações agropecuárias.
Agroecologia
O curso de Agroecologia trabalha com práticas agrícolas sustentáveis, buscando integrar sistemas naturais e agrícolas para a produção de alimentos de baixo impacto ambiental.

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Agrocomputação
A Agrocomputação, por sua vez, foca em abordar o uso de recursos de tecnologia no agronegócio. Inteligência artificial, IoT (internet das coisas) e o processamento de grandes conjuntos de dados são alguns dos recursos vistos para aumentar a produtividade, solucionar problemas e promover a sustentabilidade.

É preciso integrar produção e ecologia
O Brasil é um dos maiores produtores e exportadores mundiais de commodities como soja, café, açúcar, suco de laranja, carne bovina e avícola, tendo exportado 82 bilhões de dólares apenas no primeiro semestre de 2025, segundo o Ministério da Agricultura e Pecuária. Embora seja um importante motor econômico para o País, toda essa produção precisa, cada vez mais, respeitar a demanda mundial por práticas sustentáveis, que reduzam os impactos ambientais do setor.

O uso de tecnologias digitais, a recuperação de pastagens degradadas e a adoção de insumos biológicos são exemplos de estratégias que atendem tanto à exigência global por alimentos produzidos de forma responsável como à busca por mais eficiência e produtividade. “Ela [a sustentabilidade] é a base para a construção de um setor que não apenas maximiza a produção, mas também garante a longevidade dos recursos naturais”, explica o professor Omar Sabbag, da Unesp.

Na visão do docente, eventos como a COP-30, que será realizada agora em novembro, na cidade de Belém (PA), colocam o agronegócio brasileiro em destaque global, exigindo que o setor demonstre sua capacidade de combinar eficiência produtiva com responsabilidade ambiental. “A ecologia não é apenas um complemento, mas um elemento indispensável para que o Brasil se torne um líder global na produção de alimentos de forma responsável, resiliente e sustentável”, conclui Sabbag.

Essa visão transversal que o profissional do presente precisa ter não significa abrir mão da busca por especializações bem delimitadas, como explica Joel Ferreira, médico veterinário graduado pela Universidade Federal de Goiás (UFG) em 2023. Após a graduação, o jovem passou para a residência em clínica e cirurgia de grandes animais. “O mercado de trabalho é amplo e dinâmico, mas a concorrência também aumenta, exigindo atualização contínua e especializações. O caminho nunca é fácil, mas sempre há lugar para os que se dedicam”, ratifica Joel.

A ecologia não é apenas um complemento, mas um elemento indispensável para que o Brasil se torne um líder global na produção de alimentos de forma responsável, resiliente e sustentável

Omar Sabbag, professor da Unesp

 

Foto: Adobe Stock

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