Artigo

EAD está com os dias contados

Mudaram as regras para quem quiser entrar em um curso superior a distância em 2026

Por Giovana Murça

30 de outubro de 2025

Cursar uma faculdade quase sem sair de casa e pagando mensalidades mais baixas são fatores mais do que atraentes para fazer com que, pela primeira vez, o Brasil tenha mais alunos matriculados em graduações a distância (EAD) do que nas presenciais. Segundo o Censo da Educação Superior de 2024, eram 5.189.391 matrículas no EAD naquele ano, contra 5.037.482 no presencial.

Mas essa tendência pode se alterar nos próximos anos, pois, em pouco tempo, nenhum curso de graduação no país poderá ser ofertado 100% a distância. A determinação existe desde maio com o lançamento da “Nova Política de Educação a Distância”, elaborada pelo Ministério da Educação (MEC) e formalizada pelo decreto 12.456/25.
A revisão foi motivada pela rápida expansão do EAD após a pandemia de Covid. Entre 2019 e 2024, as matrículas a distância cresceram 112% no Ensino Superior, enquanto que as presenciais caíram 18% no mesmo período. Se por um lado é inegável que esse movimento democratizou o acesso às faculdades, por outro, trouxe dúvidas e questionamentos sobre a qualidade dos cursos ofertados. Segundo Marta Abramo, secretária de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres) do MEC, isso levou a uma necessidade de “promover a atualização da legislação, considerando os avanços tecnológicos e metodológicos, com o objetivo de valorizar e qualificar a educação a distância”.

Surge uma nova modalidade
Uma das novidades do novo marco regulatório é a criação da modalidade semipresencial. Há alguns anos, os marketings das instituições já anunciavam cursos com esse perfil híbrido, mas a modalidade não existia para o MEC. Agora, existem três formatos oficiais de graduação.

Modalidade Características
Presencial • Carga horária predominante presencial
• Mas pode ter até 30% de atividades a distância
Semipresencial • Mescla atividades a distância e presenciais. Estas últimas devem ocupar pelo menos 30% da carga horária total
• Além disso, outros 20% da carga horária devem ser em atividades presenciais ou síncronas mediadas (aula online em tempo real)
EAD • A maior parte da carga horária é dada a distância
• Mas precisa ter pelo menos 10% da carga horária em atividades presenciais (incluindo provas) e outros 10% em atividades presenciais ou síncronas mediadas (aula online em tempo real)

Outras duas novas regras importantes dizem respeito ao formato das provas e aos polos, locais de apoio presencial para os alunos que cursam EAD. Agora passa a ser obrigatória a aplicação de, no mínimo, uma avaliação presencial por disciplina, que terá peso maior na nota final do aluno. Em relação aos polos, o decreto institui uma infraestrutura mínima obrigatória, adequada às especificidades de cada curso, e também a possibilidade de um mesmo local ser compartilhado por diferentes instituições, desde que ao menos uma delas também seja credenciada para graduações presenciais.

Período de transição
O impacto dessas mudanças será sentido principalmente para quem está entrando agora em graduações a distância. Os alunos que já estavam matriculados no EAD antes do decreto poderão concluir suas faculdades com base no modelo antigo.

Na prática, as instituições de ensino terão um período de transição de até 2 anos para se adaptar totalmente às novas regras. Mas elas já não podem mais oferecer vagas para novos alunos em cursos que tinham os formatos antigos do EAD. Alguns, inclusive, com toda carga horária oferecida a distância.

O impacto da nova legislação sobre as instituições de ensino já é real. O Centro Universitário Senac, por exemplo, começou um processo de análise e revisão de suas graduações a distância. “O principal desafio é cumprir as exigências regulatórias mantendo a flexibilidade necessária para que os alunos continuem acessando a formação profissional”, diz Ozeas Vieira Santana Filho, diretor de educação a distância da instituição. A PUC Minas Virtual já havia feito, em 2020, uma reformulação pedagógica da modalidade, deixando-a mais em linha com o novo marco. “Ainda assim, para cumprir todas as exigências, a universidade precisará adaptar sua infraestrutura para aplicação de provas e aulas práticas em laboratórios”, explica Sara Pimenta Resende, diretora acadêmica.

Mudanças em Saúde e nas licenciaturas
É importante ressaltar também que a legislação traz regras específicas para alguns cursos e para as graduações com titulação de licenciatura.

Cursos de Medicina, Direito, Odontologia e Psicologia seguem proibidos no formato EAD

Especificamente em Medicina, não pode haver 30% da carga horária a distância, como a lei permite para os cursos presenciais. Ela deve ser 100% presencial

O curso de Enfermagem não é mais permitido no formato EAD, apenas no presencial – podendo ter o limite de 30% da carga horária em atividades a distância

Os demais cursos da área da Saúde só poderão ser ofertados nos formatos presencial ou semipresencial.

Os cursos de licenciatura só poderão ser oferecidos nos formatos presencial ou semipresencial

O fim das licenciaturas no formato EAD é a novidade que mais vai complicar a vida das instituições de Ensino Superior. Na rede privada, que concentra a maioria das matrículas em licenciatura, 90% delas são hoje na modalidade EAD. Muitas instituições, como o Senac, estão estudando a viabilidade de continuar com seus cursos de formação de professores, analisando fatores como a estrutura dos polos e a flexibilidade de horários.

A secretária da Seres/MEC, Marta Abramo, defende a nova regra: “O objetivo é garantir um ensino com formação prática e interação entre alunos e docentes, mantendo a flexibilidade.” Para o presidente da Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED), João Mattar, a exigência da presencialidade nas licenciaturas vai contra o perfil de boa parte dos alunos, que escolhiam o EAD justamente por falta de tempo, recursos ou acesso ao ensino presencial. O especialista, inclusive, defende a revisão desse item do marco regulatório para evitar um “apagão de professores da educação básica nas próximas décadas”.

Mattar avalia também que as novas exigências de infraestrutura podem fechar até dois terços dos polos de EAD existentes no Brasil, principalmente em regiões do interior, onde não há alternativas presenciais. Mas, o presidente da ABED reconhece que, diante de tantos interesses diferentes envolvidos nessa discussão, o resultado do decreto foi o melhor desfecho possível no momento.

O avanço do EAD
Pandemia da Covid (2020-2021) super acelerou tendência de crescimento da modalidade

Ano % de matrículas presenciais % de matrículas EAD
2015 83% 17%
2018 76% 24%
2021 59% 41%
2024 49% 51%
Ano Nº de ingressantes presencial Nº de ingressantes EAD
205 2.225.663 694.559
2018 2.072.614 1.373.321
2021 1.467.523 2.477.374
2024 1.662.860 3.347.573

E como é em outros países?

O Ensino Superior EAD não é igual em todos os países. Enquanto em alguns lugares ele tem avançado recentemente, em outros a modalidade já se consolidou há algumas décadas. Pioneiras na educação a distância, as universidades nos Estados Unidos podem oferecer cursos 100% online sem grandes restrições, como aponta o livro “Qualidade em Educação a Distância: Referenciais Internacionais e Regulação”, organizado pelo professor João Mattar, presidente da Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED).

Além de flexível, a regulamentação é descentralizada, pois cada estado norte-americano estabelece suas próprias diretrizes. Mas, em quase todo o país, as instituições devem seguir normas estabelecidas por agências independentes, responsáveis por garantir a qualidade do ensino.

Em Portugal, a legislação sobre o EAD é de 2019 e os cursos oferecidos totalmente nessa modalidade são os que têm forte natureza teórica, como os da área de Ciências Sociais. Mas, mesmo em cursos tipicamente presenciais, como Medicina, parte das disciplinas pode ser dada à distância. “Quando uma disciplina é teórica, os alunos não precisam comparecer à aula, pois não envolve atividades práticas. O aluno vai só fazer prova”, explica Cassio Cabral Santos, professor da Universidade de Lisboa e membro da diretoria da ABED.

Na América Latina as regras do EAD variam: “Enquanto alguns países adotam modelos regulatórios proativos [como Brasil e Argentina], outros [como México e Uruguai] mantêm estruturas legais gerais, que, embora flexíveis, nem sempre atendem aos desafios de qualidade”, explica Mary Morocho Quezada, diretora assistente do Instituto Latino-Americano e do Caribe de Qualidade em Educação Superior a Distância (CALED).

Foto: Adobe Stock

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