Por Daniel Rocha – editada por Mariana Collini

O engenheiro agrônomo Marcos Antônio viu o seu investimento de quase R$ 70 mil desaparecer após a compra de imóveis em dois resorts em Caldas Novas, em Goiás. Os apartamentos seguem o modelo de cotas de multipropriedade, em que várias pessoas são donas de um mesmo empreendimento com o direito a usufruir do espaço em alguns períodos do ano. Fora a dor de cabeça vivenciada pelo investidor, o caso reforça os cuidados que devem ser tomados antes de fechar qualquer negócio.

O objetivo da compra de Antônio era garantir mais uma opção de lazer para a família, em função de toda a infraestrutura de hotel com piscinas e parques aquáticos. Mas o atraso nas obras dos empreendimentos Varandas Thermas Park e Resort do Lago transformaram essa expectativa em uma briga judicial para tentar resgatar os valores perdidos. E ele não é o único. No Reclame Aqui, há 182 reclamações de consumidores insatisfeitos.

O E-Investidor tentou contato com a Nova Gestão Investimentos e Participações LTDA, responsável pelo Varandas Thermas Park, por e-mail, telefone e via Linkedin dos sócios da companhia, mas não obteve retorno. Já a empresa S.P.E Resort do Lago Caldas Novas LTDA, responsável por outro resort e alvo do processo judicial, não respondeu ao pedido de posicionamento.

A reportagem também entrou em contato com a WAM Group, que aparece como a atual responsável pelo empreendimento. Em nota, a empresa diz que foi contratada para intermediar a comercialização das cotas do empreendimento em julho de 2023 e, por isso, não tem responsabilidade pela venda das cotas adquiridas em períodos anteriores.

O investimento que ainda não teve retorno
O Varandas Thermas Park foi o primeiro empreendimento em que Antônio decidiu investir, e também o de maior valor. Durante férias com a família em Caldas Novas, em agosto de 2015, ele foi abordado por promotores de vendas do hotel, que o convidaram para conhecer um novo lançamento imobiliário da região.

Na época, os representantes destacaram o potencial de valorização do projeto e afirmaram que a cota de multipropriedade concede direito de até duas semanas de hospedagem por ano nas unidades, além da possibilidade de disponibilizar o período da estadia para terceiros e receber parte do valor das diárias. As informações constam nos autos do processo movido pelo agrônomo.

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Os benefícios foram suficientes para convencer a família a comprar uma unidade pelo valor de R$ 41.201,25, quitado integralmente em abril de 2016. A entrega do empreendimento estava prevista para outubro de 2018 – o que não aconteceu até hoje.

“Após seis meses do fim do contrato pedi o dinheiro de volta, mas os atendentes falaram que não poderiam devolver porque a minha cota já estava quitada. Depois, me ofereceram uma cota de outro empreendimento”, informou Antônio, que recusou a proposta. A Nova Gestão Investimentos e Participações LTDA é a responsável pela construção do hotel e se tornou alvo de um processo judicial em dezembro do ano passado após negar o reembolso integral para o agrônomo.

Em novembro de 2017, a família fez outra aquisição ao comprar mais uma cota de multipropriedade do Resort do Lago, em Caldas Novas. O segundo investimento custava em torno de R$ 32,9 mil e com uma projeção de entrega do imóvel em 2020, que também não aconteceu. As circunstâncias levaram o agrônomo a entrar com uma ação judicial contra S.P.E. Resort do Lago, responsável pelo empreendimento, em novembro do ano passado para conseguir a restituição integral do investimento. A ação aguarda sentença da Justiça após a ausência de defesa da S.P.E. sobre o caso.

Vale destacar que este empreendimento fazia parte do portfólio do fundo imobiliário Tordesilhas EI (TORD11), mas foi vendido “a preço de banana” devido às dificuldades financeiras para a execução das obras. Como mostramos nesta reportagem, o FII informou ao mercado que a operação possui pendências financeiras relevantes, sendo um deles na ordem de R$ 76,4 milhões em processos jurídicos trabalhistas e cíveis. O empreendimento funciona parcialmente desde fevereiro de 2018 após a entrega de quatro blocos e de cinco piscinas em dezembro de 2017. Um bloco continua em construção além de outras quatro piscinas.

Cotas de multipropriedade: os cuidados para fazer um bom negócio
As cotas de multipropriedade se mostram como uma alternativa mais acessível para adquirir imóveis em resorts ou condomínios de alto padrão e se tornaram populares no mercado imobiliário brasileiro. Segundo informações da Associação para o Desenvolvimento Imobiliário e Turístico do Brasil (ADITBrasil), o setor de multipropriedades disponibilizou ao mercado cerca de 1 milhão de cotas no fim de 2023.

Já nos últimos 10 anos, cerca de 200 projetos foram lançados no País e cerca de 100 empreendimentos seguem em operação. Apesar dos benefícios de ter uma hospedagem em um local turístico, os riscos envolvendo a execução desses empreendimentos exigem dos investidores cuidados desde a primeira avaliação do projeto até a entrega das chaves dos apartamentos.

Ana Larissa Pereira, advogada da área de direito imobiliário do Silveiro Advogados, reforça que, ao decidir conhecer a proposta dos imóveis, as pessoas precisam ficar atentas aos detalhes das regras do uso dos espaços e os custos relacionados à aquisição, como as taxas de manutenção do condomínio. “Ler o contrato com atenção é indispensável, especialmente as cláusulas sobre desistência, multas e condições de transferência de propriedade, para garantir que todos os direitos e deveres estejam claros antes de finalizar a compra”, ressalta Pereira. Por isso, os consumidores devem evitar qualquer decisão no mesmo dia em que as propostas forem apresentadas.

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Segundo os especialistas, esse tempo permite que haja uma análise mais detalhada sobre o contrato para averiguar se todos os benefícios apresentados pelos vendedores constam no documento. Possibilita ainda a consulta de um advogado especializado em mercado imobiliário e uma análise das vantagens para saber se atendem os seus objetivos. “A pessoa que deseja fazer esse tipo de investimento precisa ter um perfil de viagem muito assíduo. Precisa ainda ter condições para fazer planejamentos e tenha disponibilidade fora da alta temporada”, diz Joao Coutinho, economista e diretor da RJ+ Asset.

Atualmente, o modelo de negócio é regulamento pela lei nº 13.777 de 2018, que trouxe maior segurança jurídica ao formalizar as cotas de multipropriedade no Brasil. Um dos benefícios é o direito à matrícula individual dos imóveis que são coproprietários. A medida facilita a revenda das unidades e a transferência da propriedade para terceiros. O texto estabelece ainda regras para o distrato do contrato sem a cobrança de multas para os casos de atrasos superiores a 180 dias corridos da data estipulada contratualmente para a entrega do imóvel. Ainda assim, a condição só é concedida caso a empresa responsável pelo empreendimento não forneça uma justificativa para o atraso das obras.

O grande problema em tornos desses projetos é que as compras costumam ser feitas pelos investidores na emoção. “Os promotores oferecem almoço de cortesia, dizem que a promoção vale apenas para aquela semana ou dia na tentativa de convencer o consumidor a assinar o contrato”, afirma Marcelo Tapai, advogado especialista em direito imobiliário e sócio do Tapai Advogados.

No entanto, especialista explica que o judiciário brasileiro tem aplicado sanções às empresas para situações em que os consumidores se arrependem quando a assinatura dos contratos é feita nesta circunstância. “A Justiça entende que há um vício de consentimento, quando uma pessoa toma uma decisão devido à persuasão dos vendedores”, acrescenta o advogado. Nesses casos, os consumidores podem receber 90% dos valores pagos no investimento.

Investimento em imóvel
Agora, para quem visa a rentabilidade, o cuidado deve ser ainda maior devido ao risco do investimento. “A revenda de cotas de multipropriedade pode ser difícil, o que limita a liquidez para quem busca retorno financeiro a curto ou médio prazo”, diz Sidney Lima, analista da Ouro Preto Investimentos. Além disso, os custos referentes às taxas de administração dos condomínios podem reduzir o retorno em uma eventual venda das cotas.

Já a ADIT Brasil reforçou em comunicado divulgado em junho deste ano que as cotas de multipropriedade possuem fins de lazer e não como investimento imobiliário. Ou seja, promessas de rentabilidades e ganhos financeiros por meio da compra das frações dos imóveis evidenciam, segundo a associação, um desvio da função sobre a modalidade do negócio.

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