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Medição e compensação de carbono viram foco de startups, que aguardam regulamentação
Por Guilherme Guerra
Além das “fazendas de carbono” erguidas na Amazônia para vender créditos a grandes companhias, startups do Brasil trabalham em outros ramos desse mercado com alto potencial de crescimento para as próximas décadas. Essas pequenas empresas de tecnologia apostam em áreas como projetos de medição, com softwares de ponta para calcular a “pegada” de cada firma, e de compensação, propondo soluções para reduzir as emissões de gases de efeito estufa na cadeia.
A startup paulistana Compensa, criada em 2021, atua na área de medição do impacto de carbono para empresas. A companhia, de apenas 8 funcionários, fornece uma plataforma de software pela qual os clientes fornecem informações sobre suas cadeias produtivas. Esses dados, então, viram um cálculo de quanto gás carbônico (CO2) foi emitido no processo, seguindo o padrão brasileiro do GHG Protocol e o GLC, dois conjuntos de regras internacionais que definem como se calcular os gases responsáveis pelo aquecimento global.
“Para as empresas, o maior desafio é medir o impacto (ambiental)”, afirma o fundador e presidente executivo da Compensa, Emmanuel Longa. “Especificamente no carbono, elas ficam especialmente perdidas”, diz. “Essa é uma das métricas mais importantes de controle neste século, e ninguém ainda sabe o que significa.”
Segundo Longa, nem as empresas nem os consumidores sabem qual é o impacto de suas cadeias produtivas ou dos produtos comprados. Isso torna a necessidade de ferramentas de medição, como a Compensa, ainda mais urgente. “Se não temos nem noção da métrica, como vamos controlá-la?”, questiona.
A startup paulistana atua para simplificar os dados e fazer o cálculo, a partir de informações da própria empresa ou com base na literatura internacional, caso as informações não estejam disponíveis. A Compensa faz o cálculo de fontes de escopo 1, escopo 2 e escopo 3, três métricas que dizem respeito às emissões diretas causadas pela empresa (tipo 1), de consumo de eletricidade (tipo 2) ou indiretas à cadeia (tipo 3).
Com a pegada calculada, o cliente pode realizar a compensação das emissões pela plataforma da startup, que se conecta à compra e venda de créditos, ou por um marketplace terceiro. Ao final, “eco-selos” criados pela Compensa são dados para reforçar o apelo sustentável da marca do cliente.
“O crédito de carbono é um instrumento complementar, mas ainda não é uma realidade no Brasil”, Rafael Fanchini, CEO da Verda Global
O acesso se dá por uma mensalidade anual, cuja assinatura começa em R$ 300 mensais para companhias de até 20 funcionários (empresas maiores devem orçar individualmente o plano). Uma versão gratuita, de ate 10 medições ao mês, está disponível na plataforma da Compensa.
Já a startup carioca Verda Global, nascida em 2022, faz trabalho semelhante de medição e compensação, mas focado apenas em empresas de transporte de carga, mercado altamente emissor de gases poluentes na atmosfera. Fundada pelo empresário Rafael Fanchini, que hoje é presidente executivo, a companhia atua como meio de campo entre grandes empresas do varejo e operadores de logística. O negócio consiste em montar um projeto de metas e de compensação com uma plataforma própria, que também é um broker de créditos de carbono. A startup faz a “orquestração” de todos os envolvidos na cadeia de logística, diz o CEO.
Fanchini, assim como Longa, critica a falta de conhecimento do mercado brasileiro sobre o tema, o que acaba dificultando os negócios. Segundo ele, apenas as grandes companhias têm conhecimento do próprio impacto ambiental, enquanto pequenas e médias empresas, que operam com margens apertadas, ainda estão descobrindo o assunto “Esse cliente não se mexe porque pensa que isso vai adicionar custo ao negócio”, diz.
Para reduzir as emissões dos clientes, a Verda atua na eficiência operacional das empresas, montando planos de redução das emissões, de compensação e de substituição de tecnologia. No ramo dos transportes, porém, isso ainda é insuficiente para zerar as emissões. “O transportador sempre vai queimar diesel. E aí o crédito de carbono é um instrumento complementar para atender o compromisso moral ou a demanda dos clientes”, afirma o CEO da Verda. “Mas isso ainda não é uma realidade no Brasil.”
“Um regime obrigatório do mercado de carbono aumenta a necessidade de serviços que as startups oferecem”, Fabrício Stocker, professor da FGV
Atualmente, o Brasil possui um mercado de carbono voluntário, no qual as empresas compram e vendem créditos sem a obrigação do governo. Com inspiração no modelo da União Europeia, o Congresso brasileiro discute projetos de lei de regulamentação obrigatória, que afetaria todos os setores da economia nacional – mas, até então, as discussões estão emperradas em Brasília.
Para o professor Fabrício Stocker, da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ebape), a voluntariedade do mercado de crédito de carbono pode limitar o alcance dessas startups, que se tornam menos atrativas para empresas interessadas em compensar as emissões. Mas o atual cenário permite que esses negócios testem soluções sem cumprir exigências legais, preparando o jogo para eventual regulamentação do assunto.
“Um regime obrigatório do mercado de carbono criaria um ambiente onde todas as empresas precisam cumprir certos padrões de emissões, aumentando a necessidade de serviços que as startups oferecem”, aponta Stocker.
“Torcemos para que a regulamentação do mercado de carbono ocorra, até para nosso impacto ser mais escalável”, Emmanuel Longa, CEO da Compensa
Nem Longa nem Fanchini esperam por uma regulamentação para alavancar seus negócios, mas ambos acreditam que já é passada da hora de o Brasil se debruçar sobre o assunto e criar mecanismos de formalização do crédito de carbono.
“Estamos perdendo tempo de regulamentar o mercado, porque temos o potencial de ser o maior produtor de créditos de carbono do mundo”, afirma Emmanuel Longa, da Compensa, citando as áreas de reflorestamento possíveis, que podem adicionar US$ 15 bilhões ao Brasil, segundo a consultoria McKinsey. “Torcemos para que essa regulamentação ocorra, até para nosso impacto ser mais escalável.”
Mombak, pequena gigante, aposta no ‘timing’
Na área de “fazendas de carbono”, a brasileira Mombak nasceu em 2021 com a promesa de virar um peso-pesado do mercado mundial. A começar pelo time de fundadores: Peter Fernandez, que comandou a startup de transporte 99, primeiro “unicórnio” brasileiro (status dado às poucas startups que atingem avaliação de mercado superior a US$ 1 bilhão), e Gabriel Silva, ex-chefe de finanças do Nubank, outro gigante nacional. Outras 20 pessoas trabalham no negócio, em São Paulo.
Com meta retirar 20 milhões de toneladas de carbono da atmosfera anualmente a partir de 2035, a empreitada atraiu os olhares de nomes gigantes do mercado de inovação. Nos últimos anos, levantou US$ 120 milhões de investidores internacinais, como AXA e o fundo de pensão do Canadá, CPP. Em dezembro de 2023, firmou um contrato com a Microsoft para fornecer até 1,5 milhão de créditos de remoção de carbono da atmosfera – o que atraiu a atenção para a startup brasileira, até então desconhecida.
“A Microsoft foi um carimbo de qualidade muito importante para nós”, conta Peter Fernandez, que atua como presidente executivo na Mombak. Segundo ele, a parceria com a empresa americana, atualmente a mais valiosa em todo o mundo graças ao impulso em inteligência artificial (IA), reforça a seriedade do negócio da startup brasileira.
Apesar do aval da gigante americana, a Mombak não quer aumentar o número de clientes no curto prazo. Na verdade, a startup está “estocando” carbono em busca do melhor timing do mercado. Atualmente, a empresa entra em fazendas da Amazônia com terras degradadas e realiza o reflorestamento com plantas nativas. Mas, em vez de já vender os créditos, aguarda essas florestas crescerem e começarem a captura de CO2 da atmosfera para então vender o que foi gerado a um preço maior.
Medição e compensação de carbono viram foco de startups, que aguardam regulamentação
Thiago Queiroz/Estadão