Felipe Criniti, CEO da empresa de entrega colombiana, é o segundo entrevistado da série ‘DNA da Liderança’, que conta histórias e dá dicas de carreiras
Por Bruna Klingspiegel e Jayanne Rodrigues
Na Rappi há 2 meses, o CEO e engenheiro Felipe Criniti, 36, tem o desafio de melhorar a relação com os entregadores, categoria que vem reivindicando há anos melhorias nas condições de trabalho e remuneração. Fundador da Box Delivery, empresa de logística adquirida pela Rappi em abril de 2023, ele quer replicar a aproximação construída com os trabalhadores na multinacional.
Para o empreendedor, a liderança precisa estar na rua e conhecer de perto os problemas antes de tomar uma decisão. ”Não adianta você ficar só no escritório, no ar-condicionado apertando um botão”, diz. Ele também conta como sua avó materna, que tinha um salão de beleza, o inspirou na carreira.
Criniti afirma que na Box, negociava melhorias diretamente com os entregadores. Agora na Rappi, ele visita os pontos de venda e planeja ouvir todos os envolvidos na operação, dos entregadores aos clientes.
Confira trechos da entrevista:
Como você começou a empreender?
Aos 21 anos, tive um filho não programado com a minha namorada, hoje, minha esposa. Trabalhava como programador freelancer, não tinha me formado no curso de engenharia de Controle e Automação ainda e precisava de dinheiro para sustentar a minha família. Na época, como havia desenvolvido um sistema para pizzarias, pensei: “Putz, fatura legal, tem uma perspectiva de ser um negócio que depois posso botar alguém para tocar.”
Foi quando me dediquei à pizzaria. Sempre tive paixão por empreender. Acho que foi o motivador, inclusive, a dar as caras, de aprender a fazer pizza, cozinhar, ajudar na cozinha, caixa. Enfim, o negócio como um todo. Em 2019, [ano de lançamento da pizzaria], fiquei 1 ano e 2 meses com o empreendimento e quando me formei acabei indo para o mundo corporativo.
Qual foi o ponto de virada da sua carreira?
Acredito que foi no momento em que tomei a decisão de sair do trabalho de engenheiro em obra, com carteira assinada e traçar uma meta para os próximos 10 anos. Mesmo trabalhando em um ambiente corporativo, por causa dos filhos e da família, decidi não me arriscar naquele momento. Entretanto, percebi que alcançar um cargo alto não realizaria meus sonhos de empreender.
Assim, criei uma ferramenta para automatizar processos de obra, marcando minha saída do mundo corporativo. Depois de dois anos com a ferramenta, vendi a empresa e, com o dinheiro, retornei ao setor de food service, trazendo a história da pizzaria para o mercado da Box Delivery.
O que mudou em sua visão de negócios?
Há dois meses, comecei a aprender sobre o negócio, e isso mudou minha percepção do funcionamento do marketplace [espaço virtual de compra e venda de produtos], sabe? Quando somos consumidores, temos uma visão simplificada do que está por trás: basta comprar e pronto. Quando você vivencia tudo o que acontece nos bastidores, percebe a complexidade envolvida, tanto tecnológica quanto operacional.
Antes, me concentrava principalmente na parte logística, que a Box realizava muito bem, mas agora entendo que há toda outra complexidade para o marketplace funcionar. É muito mais do que apenas logística.
De onde vem o seu espírito empreendedor?
Pensei muito sobre isso nos últimos dias. Tem uma passagem legal sobre minha avó materna, que tinha um salão de beleza. Eu era pequeno, meus pais me deixavam no salão com ela e eu adorava porque minha avó era uma pessoa inspiradora. Eu a via lidando com as pessoas e gerenciando os funcionários de forma tão habilidosa. Infelizmente, minha avó faleceu cedo, quando eu tinha nove anos, em decorrência de câncer.
Ela era como uma segunda mãe para mim, já que eu passava muito tempo na casa dos meus avós enquanto meus pais trabalhavam ou viajavam. Como sempre fui muito apegado a ela, acho que me espelhei nessa experiência, e quando ela faleceu fiquei ainda mais motivado a seguir os passos dela e ter meu próprio negócio. Queria criar algo semelhante ao salão de beleza, mas como um projeto único e inovador.
Qual é a sua visão de liderança. E como que você aplica isso no dia a dia?
É importante viver na pele o que os outros passam, entender a dor do nosso cliente, do entregador, do restaurante, antes de voltar para o conforto do escritório e apertar um botão. Essa forma de pensar tem se propagado na liderança e está funcionando. Ainda é recente, mas até o final do ano, planejo envolver todos nessa abordagem.
Por exemplo, recentemente, tenho realizado visitas em lojas do Turbo [ferramenta da Rappi que permite entregas em até 10 minutos de produtos nas categorias conveniência ou premium]. Somos uma empresa de tecnologia, mas também temos lojas, um tipo de varejo. É fundamental que essas pessoas estejam envolvidas e compreendam a liderança dessa forma.
Líder tem que sair do ar-condicionado e ir para a rua antes de tomar decisão. A forma como acredito é: vamos lá, vamos conhecer as pessoas, ouvir o que elas têm a dizer. Foi o que fiz com os entregadores, ouvi suas experiências para que os outros líderes também entendessem a dor. Faz uma entrega em um dia de frio e chuva, só assim você consegue entender o que as pessoas passam.
Quais são as competências que fazem um líder bem-sucedido?
Sem dúvida, ao longo dos anos, acho que a inteligência emocional é essencial para suportar a pressão e os desafios, especialmente ao liderar uma empresa. Agora, com um capítulo novo, ainda não consigo dizer o que vai acontecer, mas enfrentar pressões, como as de caixa, por exemplo, requer inteligência para tomar decisões acertadas e lidar com as pessoas. Ouvir as pessoas é crucial, percebi que isso faz muita diferença no engajamento e na percepção de um bom líder.
Valorizar as pessoas que estiveram comigo desde o começo e ao longo dos anos é importante. Todos os envolvidos na construção da Box receberam opções de ações e foram valorizados, não apenas na remuneração mensal. Isso cria um objetivo em comum, no qual, se todos trabalharem juntos, todos ganharão.
É como um pote de ouro no final do arco-íris para cada um. Além disso, a valorização, a escuta atenta e a inteligência emocional são essenciais para enfrentar os desafios, não importa se é uma startup ou uma empresa consolidada. É preciso estar preparado para suportar as pressões do mercado e seguir em frente.
Qual é o maior desafio para você hoje?
As pessoas olham para mim e pensam: “O cara era empreendedor, mas ele não veio do mercado financeiro etc.” Então, para mim tem sido um desafio mostrar para as pessoas que posso não ter vindo do mercado financeiro, mas entendo desse negócio inteiro há alguns anos.
Desde sempre, o food service foi meu mundo, desde ter tido uma pizzaria até entender a linguagem dos restaurantes. E aí, construir toda uma operação que, na minha visão, é 50% do negócio.
Pode-se ter o melhor prato e a melhor operação no restaurante, mas se o prato chegar frio e revirado, a experiência do usuário acaba.
Por isso, sempre nos preocupamos com a experiência do usuário, pois o entregador precisa estar bem assistido e entender a importância de entregar o prato em perfeitas condições na casa do cliente.
Apesar dos desafios culturais e logísticos, acho que estamos indo bem, e temos uma boa meta para o rápido crescimento no Brasil.
Dica de um filme ou uma série que tenha mudado a sua forma de ver o mundo dos negócios.
Um filme muito inspirador para mim é “Air: A história por trás do logo”. Quando vim para este desafio na Rappi, pensei: “Bom, como vamos conseguir trazer as grandes marcas dos restaurantes para cá? Não adianta vender mais do mesmo.” E esse filme aborda exatamente essa questão, mostrando como a Nike negociou com Michael Jordan e construiu esse império.
‘Líder tem de sair do ar-condicionado e ir para rua antes de tomar decisão’, diz CEO da Rappi
Foto: Felipe Iruatã