Indicadores positivos do primeiro semestre são muito mais o reflexo de circunstâncias momentâneas do que sinais de uma retomada consistente
Indicadores positivos do primeiro semestre são muito mais o reflexo de circunstâncias momentâneas do que sinais de uma retomada consistente
Por Maurício Oliveira
Trata-se daquela velha imagem do copo meio cheio ou meio vazio: depende de quem o enxerga. A inflação deve fechar o ano dentro da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional, 4,75%, mas o Brasil segue com a taxa básica de juros muito alta, apesar das últimas reduções promovidas pelo Banco Central e da perspectiva de continuidade dessa tendência. O desemprego está em queda, só que a qualidade das vagas deixa a desejar: 96% do 1,5 milhão de postos com carteira assinada criados nos últimos 12 meses foram destinados a quem tinha nível médio completo ou incompleto, patamar bem acima da média histórica, enquanto foram fechadas quase 1,2 mil vagas voltadas a quem tem mestrado ou doutorado.
Boa parte dos novos empregos do período surgiu no setor de serviços, mais intensivo em força de trabalho, o que tem contribuído para as chamadas “surpresas de crescimento” do pós-pandemia. Muitos analistas acreditam que esse fenômeno ainda é reflexo da demanda reprimida durante a crise sanitária. Famílias de maior poder aquisitivo que não tiveram muito como gastar as economias ao longo do isolamento social estão tirando o atraso. Já a produção industrial sente o movimento inverso: durante a pandemia, muita gente investiu em bens para aumentar o conforto em casa e, agora, as compras desse tipo se tornaram menos frequentes. “É preciso ter cautela nas interpretações e análises. Muitos choques ocorreram na pandemia e ainda vão demorar para se dissipar”, diz a economista Silvia Matos, coordenadora do boletim macro do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre), unidade da Fundação Getúlio Vargas que produz estatísticas macroeconômicas.
De acordo com a maioria das projeções, a economia brasileira deve crescer entre 2,5% e 3% este ano. Já a perspectiva para 2024 é de desaceleração, com as apostas por enquanto girando na casa de 1,5%. “Apesar de o crescimento da economia brasileira ter surpreendido no primeiro semestre, já observamos desaceleração da atividade que deve continuar nos próximos trimestres”, ressalta a economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria.
“Quanto mais altos os juros, maior precisa ser a rentabilidade do sistema produtivo para justificar novos investimentos. Em cenários assim, a tendência é de que as empresas se limitem a repor a depreciação e fazer apenas o essencial, como atualização tecnológica”
Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial
À espera da neoindustrialização
A perspectiva de queda do PIB brasileiro no ano que vem pode ser explicada, em grande parte, por causas internas, como a política monetária e o crescimento menor do PIB agropecuário projetado para o próximo ano. Mas há também fatores externos, já que a economia global vem dando sinais de perda de dinamismo e o cenário é de aperto na liquidez. A projeção mais recente do Fundo Monetário Internacional (FMI) é de crescimento global de 3% em 2023, ante 3,5% no ano passado.
O cenário global dificulta um caminho percorrido em outros momentos para o crescimento econômico do Brasil: o aumento das exportações. “As tensões geopolíticas costumam gerar ações protecionistas e o redesenho das cadeiras globais. O Brasil tem a dificuldade adicional de ter a balança comercial excessivamente concentrada em poucos países e em poucos produtos”, analisa Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).
Para ele, está faltando uma fonte “real” de dinamismo para a economia brasileira – que pode vir a ser o projeto de neoindustrialização do governo, anunciado pelo presidente Lula como “fio condutor de uma política econômica voltada para a geração de renda e de empregos mais intensivos em conhecimento e de uma política social que investe nas famílias”. Enquanto a estratégia vai sendo desenhada com maior clareza, a realidade percebida é que o crescimento da indústria tem sido dificultado pela taxa de juros nas alturas.
“Quanto mais altos os juros, maior precisa ser a rentabilidade do sistema produtivo para justificar novos investimentos. Em cenários assim, a tendência é de que as empresas se limitem a repor a depreciação e fazer apenas o essencial, como atualização tecnológica”, avalia Cagnin. “Com isso, o Brasil está deixando de impulsionar um setor que tem fator multiplicador altíssimo. Quando a oferta na indústria de transformação cresce um real, o todo da economia cresce dois, por conta dos vínculos com outras atividades econômicas, dos serviços à agricultura.”
Imagem: Adobe Stock
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