Ferramenta também avança no relacionamento com clientes e vem sendo estudada para recomendação de investimentos
Ferramenta também avança no relacionamento com clientes e vem sendo estudada para recomendação de investimentos
Por 13º Curso Estadão de Jornalismo Econômico
Da prevenção de fraudes ao contato com clientes. Da análise de crédito às sugestões de investimento. Embora o uso de modelos de inteligência artificial seja mais antigo do que se possa imaginar no setor financeiro – ocorre há pelo menos uma década -, bancos tradicionais e fintechs vêm expandindo o uso da IA na rotina de várias áreas, com maior ou menor necessidade de interação humana. Se na segurança hoje seria impensável trabalhar apenas com funcionários de carne e osso, a indicação de investimentos ainda é bastante dependente do conhecimento humano. E não apenas por questões de regulamentação.
“Um consultor com experiência em investimentos acerta mais do que o algoritmo”, explica Carlos de Oliveira, professor de engenharia de dados da Universidade de Nova York (NYU) e especialista em inteligência artificial. “O expert humano ainda consegue bater sistematicamente a máquina.” Segundo ele, no entanto, esse gap tende a reduzir ao longo do tempo.
Oliveira faz uma analogia com o que ocorreu nos embates entre o enxadrista russo Garry Kasparov e o supercomputador Deep Blue, no fim dos anos 1990. Kasparov, então campeão mundial, venceu o primeiro match, com seis partidas, em 1996. A máquina foi aprimorada por técnicos da IBM, auxiliados por especialistas no jogo, e passou a contar com mais capacidade de análise de jogadas por segundo. Deep Blue acabou vencendo a segunda rodada de disputas, no ano seguinte.
“A economia tem um nível muito maior de complexidade do que o xadrez, claro, com muitos atores e possibilidades. E ainda não se tem capacidade de máquina para processar”, diz o professor da NYU. “Mas esse horizonte vai se estreitando.”
O que está disseminado no momento é a possibilidade de receber indicações de investimento, que têm como base o que a própria pessoa responde sobre sua disposição ou não ao risco. As opções de personalização aumentam quando o cliente decide compartilhar seus dados com as instituições bancárias, por meio do open finance, por exemplo.
“Se você nos fornecer o consentimento, vamos conseguir acessar as suas informações dos produtos de investimentos na concorrência. Isso facilita muito a personalização das ofertas”, explica o diretor de Tecnologia da Informação (CIO) do Santander, Luis Guilherme Bittencourt. “Há um potencial muito grande de evolução, mas a gente não acredita em substituição total do assessor de investimentos, considerando um período de médio e longo prazo.”
Diretor de Produtos Online do Mercado Pago no Brasil e na América Latina, João Pedro Tonini aponta para as possibilidades futuras de hiperpersonalização. De acordo com ele, trata-se de uma prospecção interessante, que se aplica aos investimentos e também a outros serviços financeiros, como o e-commerce.
“Se você fizer um investimento por meio de uma empresa que oferece um sistema digital para tal, é comum que haja um questionário. A partir dele, você vai entrando em grupos, mas essas sugestões nunca serão tão precisas quanto as que a empresa poderia fornecer se conhecesse você como indivíduo. É muito difícil, sem uso de inteligência artificial, conhecer o cliente a fundo e personalizar as sugestões”, afirma Tonini. “Essa é, para mim, uma das grandes sacadas que passaremos a ver no mercado a partir da regulamentação, da evolução e da estabilidade no uso dessas ferramentas de IA.”
Tonini ressalta a importância de diferenciar os tipos e os usos de inteligência artificial, discernindo o que se trata de utilização para melhoria de processos e a IA generativa. “Inteligência artificial é um conceito que faz parte de um escopo grande. O Mercado Pago ainda não usa a IA generativa no mundo de investimentos e de créditos para o cliente final. Não estamos gerando conteúdo como um ChatGPT, por exemplo, em que as pessoas podem entrar em debates e pedir para ele montar uma carteira de investimentos”, explica. “Nosso uso híbrido é mais nas etapas da IA com foco em eficiência operacional, no aprendizado de máquina, no deep learning.”
Dois pontos primordiais precisam ser observados, na opinião dele: a transparência e a fiscalização. “O investidor vai ter de ser avisado se as sugestões que ele está recebendo as análises partem de uma inteligência artificial, de um algoritmo ou de uma pessoa que está trabalhando para ele”, diz Tonini. “Um outro lado é que as empresas teriam de informar ao órgão regulador, no caso a Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD), que é a mais cotada para seguir com o Marco Legal (da IA), se estão desenvolvendo alguma tecnologia baseada em IA, para que possa haver governança e fiscalização.”
A expectativa era de que os bancos brasileiros destinassem cerca de R$ 45 bilhões para despesas e investimentos em tecnologia em 2023, um aumento de 29% em relação a 2022, de acordo com dados da Pesquisa Febraban de Tecnologia Bancária. Recursos para IA, analytics e big data fazem parte desse cenário, assim como a cibersegurança. “Em 2022, foram investidos em segurança e prevenção a fraudes R$ 3,2 bilhões. Em 2023, a previsão era de R$ 4,5 bilhões”, conta Walter Faria, diretor adjunto de Operações na Febraban.
Concessão de crédito passa pela IA
Se o uso da IA para investimentos é mais recente, sua utilização para a análise de crédito é uma realidade desde a década de 2010. E o movimento deve continuar se intensificando, tanto pela evolução da tecnologia quanto pelo lado da regulamentação e das possibilidades trazidas pelo open finance.
Segundo Rafael Cavalcanti, superintendente executivo de Inteligência de Dados do Bradesco, o uso de IA torna mais robusto todo o processo de decisão de um banco em relação à concessão de crédito. A ferramenta vem, segundo ele, para auxiliar na análise feita pelo banco sobre os possíveis riscos, o estilo de consumo e o comportamento do usuário para entender o histórico dele antes da concessão.
“Sabemos que a capacidade de pagamento de uma pessoa não pode ser resumida somente a um comprovante de renda, um holerite ou contracheque. Temos hoje a capacidade de, através da ação (da IA), proporcionar soluções mais personalizadas e precisas, fomentando o acesso ao crédito para os nossos clientes”, diz Cavalcanti.
O diretor de Soluções de Crédito do Bradesco, Alessandro Zampieri, também acredita que os fatores que levam à tomada de decisão para concessão de crédito devem passar cada vez mais pela IA. “Uma das grandes evoluções seria você conseguir tornar todos os aspectos daquela proposta de crédito preparados para uma decisão mais simples de um humano”, afirma Zampieri. “Ou mesmo, no futuro, possibilitar que todas as decisões sejam tomadas a partir desses algoritmos. Obviamente, isso é uma longa trajetória.”
Outro desafio que surge no caminho, conforme Zampieri, seria entender o potencial de um cliente na oferta de crédito, o que pode ser previsto com o open finance. “Mas eu também tenho de saber quanto que esse cliente já tem para oferta de crédito no mercado e não só com a gente.”
“Quando nossa inteligência artificial percebe que o cliente está em um perfil de comprometimento da sua renda acima do que deveria, oferecemos uma linha de crédito preventivo”, Luis Guilherme Bittencourt, diretor de Tecnologia da Informação do Santander
Para o head de Banco Digital do Mercado Pago, Ignacio Estivariz, o open finance e a IA usados juntos potencializam essa análise. “Hoje a gente não vê nada mais robusto em termos de dados do que open finance”, afirmou Estivariz. “Quanto mais dados, mais os modelos aprendem e conseguem ser mais assertivos. O desafio não é de obtenção (dessas informações) e sim de uso.”
O Mercado Pago recebeu mais de 2,5 milhões de consentimentos de clientes para compartilhar seus históricos em outras instituições, de acordo com Tonini, diretor de Produtos. “Muito desse consentimento é decorrente da busca por crédito. Hoje, temos 80% do crédito gerado passando por consentimentos de dados de open finance.”
No Santander, uma das utilizações da IA tem sido para oferecer linhas de crédito que a instituição chama de preventivas, segundo Bittencourt. “Quando nossa inteligência artificial percebe que o cliente está em um perfil de comprometimento da sua renda acima do que deveria, oferecemos uma linha de crédito preventivo, para que ele consolide aquelas linhas não sustentáveis em um novo contrato, parcelado com juros bem menores”, diz o diretor de Tecnologia da Informação do Santander.
A batalha contra as fraudes
Biometria, geolocalização, perfil de gastos. Por trás dessas medidas para tentar reduzir as fraudes está a inteligência artificial, que vem sendo utilizada pelos bancos em várias etapas de segurança, desde a abertura de contas até o bloqueio de transações suspeitas. Segundo pesquisa realizada pela Serasa Experian, 51,5% das tentativas de fraude no mês de julho ocorreram no setor de Bancos e Cartões, principalmente na abertura de contas e na solicitação de emissão de cartões de crédito.
No Itaú, esse processo começa logo no início do relacionamento com o cliente. O banco usa modelos de IA para verificar se a tentativa de abertura de conta é fraudulenta ou não. A ferramenta também atua na autenticação do usuário, verificando se as imagens enviadas para cadastro são verdadeiras. De acordo com o diretor de Segurança Corporativa do Itaú Unibanco, Adriano Volpini, esses modelos são implantados no próprio aplicativo do banco e são capazes de identificar, inclusive, comportamento de clientes que agem como laranjas e emprestam suas contas para golpistas.
Em novembro, o Banco Central instituiu a obrigatoriedade de todos os bancos compartilharem dados sobre contas fraudulentas. De acordo com Volpini, a decisão traz mais segurança por gerar cuidados rigorosos em relação a pessoas já identificadas como golpistas. “Vai desestimular também, de maneira importante, que novas pessoas queiram cometer golpes ou ceder sua conta para receber dinheiro de golpe.”
Os métodos de identificação de fraude incluem biometria, análise de localização e valores suspeitos, tudo feito com IA. O desafio é garantir que todos esses sistemas de segurança funcionem de forma rápida, para evitar atrasos em transações instantâneas, como no caso do Pix. Volpini explica que a partir do momento que o cliente começa a realizar um pagamento, os modelos já iniciam uma análise que verifica os dados do recebedor e os valores envolvidos. Caso a situação indique algum risco, seja por um valor atípico para aquele pagador ou pelo horário da transação, a análise busca identificar similaridades com transações fraudulentas.
Um dos recursos implementados para situações como essa é a temporização. “Embora o cliente processe aquela transação, nós retemos a transação por aproximadamente 30 minutos aguardando uma nova confirmação para saber se, de fato, ele deseja mandar aquele recurso ou não”, diz Volpini. “Assim, por mais que não haja uma prevenção devido à velocidade que as movimentações financeiras necessitam, o cliente não sofre prejuízo.”
Os recursos de segurança vão sendo ampliados para melhorar a segurança das transações, como conta Tonini, do Mercado Pago. Em 2013, eram analisadas cerca de 200 variáveis durante as operações. Atualmente, há nada menos do que 5 mil variáveis disponíveis, das mais complexas às mais simples, como localização, horário e hábitos do cliente. Essa averiguação garante que uma fraude seja percebida em questão de segundos.
“O que a gente tem são cada vez mais modelos e regras para que o pagamento seja aprovado ou não aprovado”, explica. “Só em 2022, foram mais de 5 bilhões de transações feitas no Mercado Pago. Se a gente olhar para o segundo trimestre deste ano, ocorreram 271 transações por segundo. Sem o uso de inteligência artificial por meio de deep learning e de machine learning, seria impossível.”
Assistentes virtuais e IA
Após os modelos de IA identificarem um comportamento atípico que sinalize uma possível fraude, é preciso realizar uma verificação com o cliente sobre a movimentação. Um destes modelos é a assistente virtual do Bradesco, a Bia, que tem autonomia para solicitar confirmação de uma transação suspeita via WhatsApp.
O superintendente Executivo de Inteligência de Dados do Bradesco, Rafael Cavalcanti, explicou ao Estadão/Broadcast que a Bia tem resultados positivos por utilizar um meio de comunicação que os clientes estão habituados. “Com um número específico do banco, com verificação de autenticidade, nesse caso pelo WhatsApp, já vemos redução na ordem de centenas de milhões de fraudes evitadas usando esse framework”, ele afirma. Esse contato acontece também via e-mail ou telefone e, de acordo com os bancos entrevistados, logo após o bloqueio da transação suspeita.
No Bradesco, o próprio aplicativo do banco é capaz de identificar se o celular do cliente está exposto a algum risco, como conta Luis Guilherme Bittencourt. “Conseguimos perceber isso e já disparar ações mitigadoras de risco, enviar o pedido de troca de senha, um pedido para refazer a biometria, porque aquele celular pode estar exposto a alguma situação.”
A inteligência artificial precisa de refinamento constante, diz o CIO do Santander. Uma forma de realizar esse procedimento é quantificar os falsos positivos para que a IA fique mais robusta e o banco possa analisar quantas transações bloqueadas na verdade não eram fraudes e sim um comportamento incomum do cliente.
Com reportagem de Ana Luiza Antunes, Beatriz Nogueira, Daniel Aloisio, Diane Bikel, Elanny Vlaxio, Fellipe Gualberto, Gabriel Rios, Gabriela Jucá, Geovani Bucci, Giovanna Marinho, Iraci Falavina, Jean Araújo, Julia Camim, Juliano Galisi, Letícia Ozório, Ma Leri, Marcos Furtado, Mayane Santos, Michelle Pértile, Rafaela Souza, Ramana Rech, Rogério Júnior, Victória Ribeiro e Ylanna Pires
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Foto: Alana Paterson/NYT
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