Com demanda fraca, empresas crescem focadas na gestão

Em 2018, as maiores taxas de recuperação de receita foram registradas nos setores de mineração, cimento e petróleo e no de papel e celulose

A análise dos resultados financeiros das 1.500 maiores empresas do País, feita por especialistas em inteligência de negócios especialmente para este Estadão Empresas Mais, revela com precisão como a receita e a produtividade dos grandes grupos do setor privado cresceram na comparação entre 2017 e 2018.

Quando o foco recai sobre as diversas áreas analisadas, segundo Sergio Assis, professor da FIA e um dos autores da metodologia do ranking das empresas brasileiras, as maiores taxas de recuperação da receita, em 2018, foram registradas no grupo das companhias de mineração, cimento e petróleo e no setor de papel e celulose. Uma dupla robusta, que forma parte da chamada indústria de base nacional.

Os dados da receita global de todas as grandes companhias avaliadas indicam alta de 3,58% entre 2017 e 2018. No período exatamente anterior, o estudo com a mesma metodologia havia registrado queda nas receitas totais, de 1,49%.

Enquanto a receita da área de mineração, cimento e petróleo cresceu 39,59% no período, o resultado das empresas de papel e celulose mostra alta de 31,17%. Independentemente dos índices de crescimento aferidos, a maior receita foi produzida pelos bancos: R$ 911,2 bilhões em 2018. O mesmo setor, entretanto, foi o que teve a maior perda de receita relativa entre 2017 e 2018. Redução de 8,55%.

O setor financeiro também é o que tem maior produtividade, medida por meio do Ebitda (sigla em inglês para indicar os lucros antes do pagamento dos juros, dos impostos, da depreciação e amortização). No ano passado, esse indicador equivaleu a R$ 135,4 bilhões. Seguido pelos resultados da área química e petroquímica, com R$ 95,3 bilhões, e de utilidades e serviços públicos, com R$ 86,8 bilhões. A Ebitda global, do conjunto das 1.500 companhias, teve alta de 20,99% entre 2017 e 2018.

Os dados também indicam, segundo Assis, que, em termos de margens de lucro, os setores mais ligados ao consumidor final, como os de varejo, alimentos e bebidas e de veículos e autopeças, ainda registram quedas acentuadas, o que mostra que a recuperação do setor produtivo ainda não chegou à ponta da cadeia econômica.

Mesmo quando os números de 2019, e vários deles são apresentados por executivos de diferentes segmentos nas páginas desta publicação, são somados ao contexto, a análise fria da conjuntura macroeconômica brasileira não se altera. A indústria nacional e os setores de varejo e de serviços seguem em uma retomada lenta desde que a crise econômica ficou mais aguda.

“Até existem alguns índices de crescimento dependendo do setor. Como o patamar de saída é muito baixo, isso acaba representando pouco. É como subir um degrau por vez, de forma lenta, em uma longa escada”, afirma Nelson Marconi, economista e professor da FGV/SP. O grande ponto positivo desses resultados, afirma o docente, é que eles mostram que uma das consequências da crise é a mudança que vem ocorrendo no dia a dia das empresas, com o intuito de aumentar o foco na essência do negócio. “Boa parte desses resultados de pequeno crescimento está atrelada à melhora na gestão e não ao crescimento da economia propriamente dito. As empresas vêm reduzindo os custos e, com isso, obtendo melhores resultados”, diz Marconi.

A reestruturação de alguns setores, que investem em máquinas, na mecanização, em vez de aumento da mão de obra, pode impactar de forma positiva as receitas, mesmo que isso aumente do desemprego.

Existe ainda o fator externo, segundo o professor da FGV. “Setores como o agrícola apresentam um desempenho melhor do que o industrial, porque estão mais voltados para a exportação”, diz Marconi.

O economista não enxerga boas perspectivas para o crescimento do setor industrial em curto prazo. Os investimentos tanto no setor privado quanto no público, que poderia vir pela retomada de obras de infraestrutura, continuam patinando. Além disso, a economia brasileira é fechada. Sem se preocupar em ampliar as exportações de produtos industrializados e, também, em controlar as importações, será difícil reverter o quadro recente, analisa Marconi.

“É até difícil comparar a realidade brasileira com a de outros países do mundo. Os Estados Unidos, após a crise de 2008, voltaram a crescer rapidamente porque o Estado participou de forma mais ativa na retomada. A saída passa pela volta da indústria ao Brasil. Só ficar reduzindo custo não vai fazer o setor industrial crescer de forma efetiva”, diz o economista da FGV.

Um estudo divulgado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) em janeiro mostra bem o dilema industrial nacional. O setor de transformação tinha 21,8% de participação no PIB brasileiro em 1985, marca alcançada durante um ciclo que começou em 1947. Desde 1986, entretanto, por uma série de fatores, a participação da indústria de transformação na riqueza nacional só caiu.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com estimativas da Fiesp, a participação da indústria de transformação no PIB se encontra atualmente na marca de 12,2%. Ou seja, voltou ao índice que tinha no início dos anos 1950. Uma tendência contrária à registrada no mundo. Entre 2009 e 2017, o setor industrial de transformação viu sua participação no PIB mundial crescer de 15,1% para 16,4%.

 

Empreender do lado de dentro das grandes empresas também é a solução

Modelos de gestão disruptiva alavancam os negócios

Em um cenário em que a tecnologia e as chamadas empresas unicórnios, aquelas avaliadas em mais de
US$ 1 bilhão, chamam a atenção, é interessante perceber que existe uma espécie de movimento no contrafluxo, dos grupos de inovação para os mais tradicionais.

As grandes companhias, de vários setores, vêm criando ambientes que favorecem ideias disruptivas que, na maior parte das vezes, são usadas para melhorar a performance do próprio negócio. Mesmo que alguma startup, criada dentro de uma instituição como Itaú Unibanco ou Bradesco, por exemplo, dê frutos, a empresa-mãe pode ficar também com os resultados da inovação. Em alguns casos, a companhia novata é até engolfada pela maior.

O que se pretende, nesses casos, em que nem sempre uma startup está envolvida, é reinventar a própria empresa.

“Nossa missão é ajudar os líderes da indústria a liderarem uma reinvenção nos negócios pensando além dos meios convencionais”, afirma Alex Comninos, CEO para América Latina da Founders Intelligence, consultoria britânica especializada em estratégia digital. O negócio foi lançado em Londres em 2013, após um período de incubação na organização Founders Forum, comunidade de empreendedores criada em 2007 pelo inglês Brent Hoberman, fundador da unicórnio Lastminute.

ALEX COMNINOS: Nossa missão é ajudar os líderes a reinventar os seus negócios.

O plano, na prática, segue um enredo simples. A grande companhia, normalmente com um gargalo para resolver, aciona os consultores que montam uma estratégia tecnológica para o cliente. “Normalmente, as grandes empresas, até por serem muito grandes, têm um processo muito rígido e voltado muito para a proteção do negócio. Por isso, é muito difícil pensar em formas revolucionárias de agir”, afirma Comninos, que é britânico, mas vive em São Paulo.

Bartenders

Um dos trabalhos da consultoria internacional, desenvolvido com a Diageo, dona das marcas Smirnoff, Johnnie Walker e Ypióca, também teve impacto no Brasil. Depois de analisar fórmulas para expandir os negócios do grupo de bebidas, a estratégia montada em nível mundial envolveu acertar uma parceria com a GetNinjas, empresa que desenvolveu um aplicativo para contratação de serviços.

Os bartenders cadastrados na plataforma eletrônica, ao comprarem produtos da marca de bebidas, podem usar 50% do valor em moedas virtuais, dentro da própria plataforma virtual. O aplicativo aproxima os atendentes de pessoas que querem contratar esse tipo de serviço. “Nossa ideia envolveu criar novas rotas para a empresa. Nosso objetivo é conduzir a empresa para o futuro”, explica Comninos.

O cenário de constante mutação, que faz com que muitas empresas possam perder o passo da transformação de suas áreas de atuação, tem muito impacto na visão de mundo dos profissionais, seja de pequenas, médias ou grandes empresas.

“O chamado intraempreendedorismo é uma realidade. Por isso, é preciso que os profissionais sejam preparados para esse processo. É preciso ter capacidade de liderar, desenvolver senso crítico e enfrentar a transformação profunda do negócio”, diz Caio Bianchi, coordenador do DB Lab, o laboratório de inteligência digital da pós-graduação da ESPM.