Apesar de ótimos exemplos, país está atrasado na cultura da inovação

Economia patinando e baixo investimento em educação são os principais gargalos do setor

Na era da transformação digital, as poderosas ferramentas da tecnologia, aplicadas nos processos por meio dos colaboradores, cada vez mais digitais, pavimentam o caminho da inovação nas empresas de todos os setores. Não há segredo: as corporações e seus negócios, e por consequência os clientes, parceiros e a sociedade, só têm a ganhar com essa revolução 4.0, que já está ocorrendo. 

De maneira geral, as companhias brasileiras ainda se encontram um pouco atrás daquelas dos países desenvolvidos – embora existam algumas empresas e áreas mundialmente destacadas em suas áreas. As chaves para entender tal cenário começam pela dificuldade do País em investir em educação básica e passam pelo momento econômico, ainda bastante incerto.

Estadão Empresas Mais coloca em pauta o tema da inovação por meio de um questionário, no qual as próprias empresas revelam como vêm trabalhando nessas práticas e qual é o olhar para o futuro. Tal sistema reúne perguntas e avaliações sobre as melhores práticas, depois pontuadas e classificadas em metodologia desenvolvida pela Fundação Instituto de Administração (FIA), explica o professor Sérgio Assis, coordenador técnico do projeto. As empresas foram divididas nos grupos de capital aberto e fechado.

Único escritório de inovação da montadora Fiat fora da Itália funciona no Brasil

O professor Luis Guedes, responsável pela frente de inovação da FIA, diz que um dos temas investigados pelo questionário é a “prontidão” que as empresas vêm apresentando para a inovação – o que significa aptidão financeira e investimentos em pessoas, tecnologia e processos para embarcar na jornada. “Falando sobre cultura para inovação, que é um tema muito quente hoje em dia: as empresas estão desejosas de inovar, porém receosas ao mesmo tempo”, explica Guedes.

A dificuldade natural do Brasil e suas empresas em avançar na inovação passa, de acordo com Assis, coordenador do projeto Empresas Mais, pelos baixos investimentos em formação. “Em nosso país, nós temos ilhas bem desenvolvidas e de outro lado temos bolsões, infelizmente muito grandes, em que nem se pensa em inovação, até porque não se pensa nem em educação básica”.

Para Guedes, o País tem uma excelente qualidade, quando as questões são o engajamento e a formação dos profissionais. “Funcionamos, a despeito de o ambiente não ser muito propício à inovação”, diz. “Essa inovação não floresce sozinha, é fruto de um ecossistema, e essa cultura deve estar presente no micro e no macro. Não adianta eu ter um cinto de segurança superinovador se o carro for uma porcaria”, afirma o professor.

Toda a inovação no ambiente de negócios está intimamente ligada ao avanço das práticas da indústria digital 4.0, com conceitos de inteligência artificial, aprendizado de máquinas (machine learning) e internet das coisas. Para colocar isso em prática, concorda Guedes, investir no ensino é fundamental para que o Brasil não fique muito para trás.

“O Brasil que está parado na terceira onda, de automação industrial, corre o risco de não conseguir implementar totalmente a terceira de fato e ficar sem a quarta. O alemão, o chinês, o americano não vão nos ensinar como faz. Ou a gente aprende sozinho ou não vai aprender”, analisa Guedes. “Automação dá para comprar. Inteligência artificial não dá. Precisa desenvolver o algoritmo e treinar. E sem dados não dá para fazer. Nossa responsabilidade é investir na formação.”

Há, no entanto, excelentes exemplos de empresas brasileiras e multinacionais com atuação local e que aparecem na vanguarda da inovação. Guedes cita Embraer, Natura, Embrapa, as automotivas GM e Fiat (que mantém no País o único escritório de inovação fora da matriz, na Itália), Microsoft e Google (que também mantém aqui um dos únicos centros de pesquisa e desenvolvimento fora dos Estados Unidos).

Élcio Brito, diretor da SPI Integração de Sistemas, diz que o poder transformador da tecnologia está na raiz da inovação. “Você vê a inteligência artificial presente no seu banco, monitorando as compras que faz na internet e apontando sempre que há alguma coisa estranha na transação, e você vai ver essa mesma inteligência lá na ponta usada no robô, para que ele possa pegar uma peça em uma linha de produção, falando: é essa que eu preciso e não a outra”, comenta. “Quando você tem essa explosão de tecnologia, tem que parar e dar uma pensada: como essas tecnologias podem transformar completamente tudo o que você tem, em termos de relacionamento com o cliente, de vantagem competitiva, como empresa, como cidade, como país e até como pessoa.”

Esse ambiente de transformação, diz o executivo, possibilita o desenvolvimento de novos negócios. “Em um carro autônomo, você pensa em um mundo futuro que está planejado e vai fazendo um plano de trás pra frente. E, de outro lado, um plano de melhoria contínua de coisas que precisa resolver, tirar da frente, até chegar lá”, afirma.

Raízen

Inventividade atrelada à distribuição de combustíveis

Hub de inovação do grupo gera soluções disruptivas

Raízen S.A., com seus 29 mil funcionários, é uma empresa que preza pela inovação desde a sua formação em 2011, com a joint venture entre a Shell e a Cosan, justamente para buscar soluções disruptivas em seus campos de atuação. “Desde lá, a companhia é pioneira e protagonista em projetos em todos os setores em que atua, da produção à distribuição de combustíveis e à cogeração de energia elétrica”, aponta Fabio Mota, vice-presidente de Tecnologia da Raízen e head do Pulse, o hub de inovação da empresa.

Startups: Grupo criou o pulse, polo de inovação digital com 25 empresas residentes

No agronegócio, desde a safra 2014/2015, por exemplo, a companhia opera uma das principais plantas de etanol de segunda geração (E2G) do mundo, produzindo uma tecnologia que favorece as futuras gerações, considerando que sua pegada de carbono é, atualmente, 30% menor do que a pegada média do etanol brasileiro produzido a partir de cana-de-açúcar.

“Em sua atuação como distribuidora de combustíveis, a Raízen já consolidou a tecnologia como parte fundamental e cotidiana da relação com seus clientes”, diz Mota. A inovação possibilita um grande diferencial para a marca Shell ao permitir a entrega de uma experiência de compras totalmente única. “Entre elas, pode-se destacar o Shell Box, aplicativo que permite que o consumidor pague seu abastecimento direto pelo celular, sem precisar descer do carro ou esperar pela maquininha do cartão.”

A inovação se tornou ainda mais robusta na Raízen em 2017, com a criação do Pulse, hub de transformação digital e que conta hoje com mais de 25 startups residentes. Nascido em Piracicaba (SP), o Pulse é uma importante engrenagem na estrutura de inovação da companhia e vem viabilizando a oxigenação de novas ideias e práticas que enriquecem o agronegócio brasileiro e demais frentes de negócios como logística, indústria e varejo. “E também oferecemos a possibilidade de contratação dos serviços das startups cujos projetos estejam em nível avançado de desenvolvimento e que tenham sinergia com os negócios da empresa”, afirma o executivo.

Lojas Americanas

Com inovação setorial, varejista soma digital ao físico

Iniciativas transformadoras oferecem novos canais de vendas

Manter-se na vanguarda trazendo inovação ao varejo é tarefa que passa por uma profunda transformação digital, oferecendo novos canais de comunicação e facilidades nas compras, para ficar o mais perto possível do cliente. Essa é a premissa de trabalho da Lojas Americanas, destaque em inovação do ranking Estadão Empresas Mais.

“O mercado brasileiro tem muitas oportunidades. São mais de 5.500 municípios e milhões de pessoas consumindo os mais variados produtos e serviços, o tempo todo, em todos os lugares e de diferentes formas. Para capturar todas essas oportunidades, é preciso se antecipar e inovar”, resume Carlos Padilha, diretor financeiro e de Relações com Investidores da Lojas Americanas. “Esse desenvolvimento acelerado e contínuo, que envolve todos os nossos associados, fornecedores, investidores e parceiros, é o que nos mantém na posição de liderança em inovação no varejo.”

AME Digital: Com mais de 4 milhões de downloads, sistema opera em 800 lojas físicas

Entre as diversas frentes de inovação desenvolvidas recentemente, a empresa destaca a Ame, fintech e plataforma de negócios mobile criada pela IF – Inovação e Futuro, que tem o propósito de simplificar a forma como as pessoas e empresas lidam com o dinheiro e vem crescendo de forma acelerada.

“Com mais de 4 milhões de downloads, o aplicativo Ame Digital oferece pagamento via QR code em mais de 800 Lojas Americanas, além dos sites Americanas.com, Submarino, Shoptime, Sou Barato e em diversos outros lojistas do mundo físico”, explica Padilha. “A rápida adoção dessa nova dinâmica de pagamentos por meio da wallet digital vem estimulando um maior engajamento e frequência de compras.”

Outro ponto importante são as chamadas iniciativas de O2O – online to offline –, que buscam aprimorar a experiência de compras. Algumas iniciativas nesse contexto são: o “Pegue na Loja Hoje” (compra online e retirada em até uma hora na loja física); uso de sistemas de big data e analytics para monitorar as vendas; e uma parceria com a PUC-Rio para desenvolver projetos de precificação mais eficientes.

Cogna

Grupo de educação aposta na aceleração digital

Adoção de inovações ganhou força em 2018

inovação rápida dentro da empresa e fora dela. Na Cogna (Editora Distribuidora Educacional S.A.), maior empresa de educação do Brasil, o processo de transformação digital ganhou mais força em 2018 e, em apenas sete meses, envolveu 100% dos colaboradores, de acordo com Gabriela Diuana, diretora de Inovação da empresa educacional.

“Realizamos um profundo processo de transformação digital, que mudou totalmente a forma de nos organizarmos”, afirma. “Em apenas sete meses, 100% do nosso time de desenvolvimento migrou para metodologias ágeis, garantindo alinhamento entre as áreas de negócios e de tecnologia e entregas mais rápidas, flexíveis e produtivas, ou seja, hoje tecnologia e negócios são um time só”, resume a executiva.

Cronologia: Em sete meses, transformação digital atingiu todo o time de desenvolvimento da COGNA

Chegar depois aos clientes – estudantes, pais e professores – foi um passo. “O mesmo movimento de transformação digital também foi levado para vida dos nossos estudantes, por meio do que chamamos de ‘Go Digital’”, diz Diuana. “Com isso, temos tornado a experiência dos nossos alunos e professores mais digital e interativa, implementando tendências da educação, como a avaliação continuada.”

A aproximação com startups, por meio de um programa de inovação aberta, também lançado em 2018, foi outro dos caminhos trilhados pela Cogna, buscando soluções inovadoras para o negócio não só no Brasil, mas em nível mundial.

“Com o objetivo de fazer conexão e negócios, essa iniciativa nos faz aprender como uma grande empresa pode ter maior tolerância ao erro e dar mais autonomia ao seu time no processo de decisão”, explica a executiva. “Isso está diretamente ligado ao nosso pilar de transformação digital que busca agilidade em escala, desenvolvimento de habilidades digitais, inovação aberta e mudança cultural”, finaliza.

Com as marcas Anhanguera, Fama, Unopar, Unic, Uniderp, Pitágoras, Unime e LFG, a Cogna é considerada hoje, pelo setor, como a maior empresa de educação privada em atuação no País.

Sompo Seguros

Unir pessoas e tecnologia é o segredo da companhia

Profissionais de inovação multiplicam mudanças

Multiplicadores da inovação. A Sompo Seguros aposta na união de pessoas e tecnologias de ponta para multiplicar a cultura da inovação por toda a companhia. “A Sompo Seguros tem investido substancialmente em tecnologia com a finalidade de incrementar performance, desenvolver novas soluções em todas as suas linhas de negócio e fazer com que o cliente tenha a melhor experiência dele”, destaca Guilherme Muniz, diretor de Tecnologia da Informação e Inovação da empresa.

Os profissionais dedicados exclusivamente à inovação funcionam como espalhadores das novas práticas para todas as demais áreas de negócios, formando agentes da transformação em todas elas. 

Exclusivos: Profissionais de inovação funcionam como espalhadores das novas práticas

“Temos, sim, uma área de inovação, com profissionais dedicados. Mas eles são facilitadores que administram a inovação por toda a empresa. Por meio desse modelo, envolvemos profissionais de diferentes áreas e formações distintas, que se voluntariam a integrar a iniciativa como agentes de inovação”, explica Muniz. “Por meio de inteligência artificial, fazemos toda a gestão das ideias e a seleção dos colaboradores interessados em atuar como agentes de inovação.” 

A área de inovação da Sompo foi criada em 2017. Nesses dois anos, foram desenvolvidos produtos até então inéditos no mercado. Um dos exemplos é o Minha Inspeção – plataforma digital que utiliza inteligência artificial para a automatização do processo de inspeção de máquinas e implementos agrícolas (tratores, colheitadeiras, etc.), por meio do smartphone do próprio segurado, simplificando o processo de contratação e reduzindo substancialmente o custo médio de inspeção dos equipamentos.

As iniciativas contemplam ainda a aplicação de inteligência artificial, bots e big data em soluções voltadas a trazer novas formas de interação, gerenciamento e utilização de dados. Entre elas, estão projetos como a “Sayuri”, a assistente virtual da companhia. Ela auxilia, por exemplo, corretores de seguros e segurados a obter informações sobre a situação financeira da apólice e a emitir segunda via de boleto ou da apólice.

Stefanini

Inovações iniciadas dentro de casa geram empatia

Empresa de tecnologia cria soluções cocriadas com os clientes

Trabalho focado em transformar a inovação em resultados, em levar essas experiências aos clientes e também aplicá-las internamente, para melhorar os processos de trabalho da própria empresa. A Stefanini, destaque do Estadão Empresas Mais, resume assim o ciclo em que se encontra no momento – preocupada em espalhar a transformação digital internamente, para todos os 25 mil colaboradores.

A empresa prestadora de serviços em tecnologia percebeu cedo que trabalhar junto das pessoas é o melhor caminho para assegurar um futuro sustentável e de crescimento, diz Breno Barros, diretor global de Inovação. “Criamos a área de inovação há três anos, com o objetivo de conscientizar os colaboradores em vez de simplesmente achar que, por estarmos em uma empresa de tecnologia, já estávamos na crista dessa onda”, afirma Barros. “Também seríamos impactados por essa transformação digital, e o negócio não é só tecnologia, mas pessoas.”

Aquisições: Em quatro anos, grupo saiu de 6 empresas e passou a ter 20 companhias

Entre as iniciativas postas em prática com sucesso, o executivo destaca a reorganização das ofertas e processos, a criação de espaços colaborativos, a promoção de workshops, e de um portal de open innovation. Foram feitos investimentos em ferramentas para escalar as iniciativas – como uma plataforma especial para o tema inovação – e adotados processos de gamificação.

Tudo isso, afirma Barros, facilitou o trabalho de prover soluções de tecnologia, pois a empresa começou a cocriar junto dos clientes. “Vimos que não bastava apenas ir lá vender uma solução. Começamos a cativar o cliente e gerar um processo de empatia, e cocriar soluções para aquelas dores com o que tínhamos de melhor e mais rápido dentro de casa. Esse foi o salto: sair de um modelo de só vender para outro de experimentar com o cliente.”

O diretor de Novos Negócios da empresa, Guilherme Stefanini, destaca ainda o caminho das aquisições. “Fizemos um trabalho de adquirir empresas que tenham sinergia com as nossas transformações”. Em quatro anos, o Grupo Stefanini saiu de 6 empresas e hoje tem 20 companhias.

VW Caminhões e Ônibus

Grupo mapeia tendências automotivas

Entre os casos de sucesso, o primeiro caminhão elétrico do Brasil

Para seguir à risca a premissa de oferecer produtos e serviços sob medida aos clientes, a VW Caminhões e Ônibus (segmento da MAN Latin America que oferece esses veículos) adota como linha de trabalho a inovação, para acompanhar de perto as novas tecnologias na área. “Temos de estar sempre à frente, ouvindo nossos clientes e mapeando as tendências de mercado para trazer para as ruas e estradas as inovações que estão no radar mundial de tecnologias”, afirma Roberto Cortes, presidente e CEO da VW Caminhões e Ônibus.

Na vanguarda tecnológica, Cortes cita o e-Delivery, primeiro caminhão elétrico desenvolvido e produzido no Brasil e que já roda em condições reais de operação na distribuição de bebidas em São Paulo e que em breve será produzido em larga escala. 

Estrutura: Um time de 600 engenheiros, quase todos brasileiros,  foca o olhar no futuro

“Historicamente, investimos altas somas em pesquisa e desenvolvimento e esses investimentos têm viés de alta, já que a empresa está em um ciclo de investimentos no valor de R$ 1,5 bilhão, o maior de nossa história, no período de 2017 a 2021”, diz. “Além de novos produtos direcionados a países emergentes, inovações de digitalização e conectividade serão oferecidas aos clientes da marca”, explica. “A inovação é inerente à nossa marca e agora vamos priorizá-la ainda mais para elevar o transporte à próxima geração.”

É um processo que não para, afirma Cortes, acrescentando que a empresa está constantemente fortalecendo suas atividades de pesquisa para priorizar a inovação e também adequando suas linhas de produção às práticas da indústria digital 4.0. Recentemente, ocorreu o investimento em uma estrutura específica para desenvolver soluções em linha com tendências mundiais da indústria automotiva, como mobilidade elétrica e digitalização. 

“A montadora sempre pautou seus desenvolvimentos nas necessidades específicas de seus clientes, antecipando suas demandas. Agora, o nosso time de aproximadamente 600 engenheiros predominantemente brasileiros foca seu olhar nas tecnologias do futuro, com uma estrutura mais robusta para acelerar os resultados.”