Reportagens
Entrevista – ‘O consumidor não confia em propaganda, e sim em pessoas’

Para o especialista em marcas Mark Schaefer, marketing não é discursar. É andar junto ao público e respeitá-lo.

19 de agosto de 2020

Mark Schaefer

Autor de ‘Marketing Rebellion – The Most Human Company Wins’ (Rebelião no Marketing – A Vitória da Empresa mais Humana, em tradução livre)

Empresas de todos os portes se veem em uma encruzilhada: a eficácia da boa e velha propaganda se mostra cada vez menos certeira na hora de convencer o consumidor. Segundo o consultor e especialista em marketing Mark Schaefer, isso ocorre porque as organizações precisam aceitar que não têm mais o controle da própria imagem. E, para se conectar a consumidores que comungam com os mesmos princípios, têm de deixar transparente sua cultura e seus valores, mais do que mostrar seu produto.

Autor do livro Marketing Rebellion – The Most Human Company Wins (Rebelião no Marketing – A Vitória da Empresa mais Humana, em tradução livre), o especialista acredita que as companhias precisam buscar novas formas de interagir com o cliente – sabendo a hora certa de travar esse diálogo. “Se vou a uma cafeteria, olho sempre os adesivos grudados nos laptops das pessoas. Se uma marca chegou a esse ponto, é sinal de que é confiável”, disse Schaefer ao Estadão. “O consumidor está dizendo: ‘Eu me identifico tanto com essa empresa que me sinto confortável em fazer propaganda para ela’. Esse deveria ser o objetivo de todas as companhias do mundo.”

EM SEU LIVRO, UM DOS PRINCIPAIS CONCEITOS É: “O CONSUMIDOR HOJE FAZ O MARKETING”. EMPRESAS TRADICIONAIS AINDA TÊM DIFICULDADE DE ENTENDER ESSA MUDANÇA DE PARADIGMA?

MS – Eu tive a sorte de trabalhar com empresas de diversos tipos, de grandes multinacionais a negócios regionais e startups. Hoje, os pequenos negócios e as startups têm uma vantagem competitiva. Eles sabem que [o dono] é a cara da empresa, que é necessário criar uma conexão emocional com o consumidor. E assumem a responsabilidade pessoal de criar essa conexão. Em empresas tradicionais, a busca desse apelo emocional geralmente é terceirizada para a agência de publicidade. E tem sido difícil, e muitas vezes impossível, para certas empresas se afastar desse modelo antigo. Temos notado isso durante a pandemia. As pequenas empresas perceberam que precisam realmente ajudar as pessoas. Há quem tenha sugerido usar o orçamento do marketing para distribuição de doações. É isso que as marcas deveriam fazer. Mas o que vêm fazendo: comerciais que dizem “nós estamos com você”, sem nada concreto por trás. É uma piada.

DE REPENTE, O DISCURSO DO “VAI PASSAR” TOMOU CONTA DE TUDO.

MS – Todos passaram a seguir o mesmo script. Muitas empresas se transformaram em um meme, porque não têm capacidade de ajuste. Pode ser que demore dez anos para que algumas se adaptem, pode ser que algumas nunca o façam. É importante dizer que essa mudança precisa ser capitaneada pela liderança e estar na cultura da companhia.

DURANTE MUITO TEMPO, O MARKETING SE CONCENTRAVA EM PRODUTOS. ISSO MUDOU? AS PESSOAS QUEREM SABER MUITO MAIS DO LADO INSTITUCIONAL DAS EMPRESAS?

MS – Eu acredito que o mais importante é identificar o DNA da empresa. Os consumidores hoje buscam verdade e honestidade. Por exemplo, a marca Patagonia é famosa por seu envolvimento com questões ambientais. É o coração da companhia. Não há dúvida de que tudo o que eles fazem ajuda a apoiar a ideia do incentivo à prática de esportes ao ar livre de maneira ambientalmente consciente. É por isso que eles decidem fechar as lojas na Black Friday para encorajar as pessoas a se exercitar na natureza. Não é só uma forma de chamar a atenção. Você acredita porque é real. O que acontece hoje é que as empresas estão ansiosas para se conectar a alguma causa. E aí fazem uma campanha, mas sobre algo que não tem nada a ver com os valores da organização. Virou moda no marketing: e eu sempre digo que o pessoal de propaganda consegue encontrar uma coisa boa e arruiná-la.

Se vou a uma cafeteria, olho sempre os adesivos grudados nos laptops das pessoas. Se uma marca chegou a esse ponto, é sinal de que é confiável. O consumidor está dizendo: ‘Eu me identifico tanto com essa empresa que me sinto confortável em fazer propaganda para ela’. Esse deveria ser o objetivo de todas as companhias do mundo”

E ISSO OCORRE COM AS CAUSAS TAMBÉM?

MS – A bola da vez é o marketing de causa. No fim das contas, muitas dessas campanhas são apenas um novo tipo de propaganda. E as pessoas viram os olhos e dizem: onde você estava um ano atrás? Ao longo da última década? As pessoas sabem que a empresa só está pegando carona em um tópico. E essa não é a maneira de se fazer.

HÁ EXEMPLOS EXTREMOS – COMO AS PROPAGANDAS DE CIGARRO DOS ANOS 1950 E 1960 –, MAS O SENHOR ACREDITA QUE A PROPAGANDA AINDA NÃO PERDEU TOTALMENTE A INTENÇÃO DE ENGANAR O CONSUMIDOR EM ALGUM NÍVEL?

MS – Acredito que a maioria das agências e das empresas já superou essa fase. Mas a barreira cultural que elas enfrentam agora é outra: ambas ainda acreditam que têm controle sobre suas mensagens e sobre o marketing. O que eu mostro no meu livro – com base em pesquisa – é que dois terços do marketing hoje ocorrem fora dos domínios de um negócio. Antigamente, uma marca tinha essa imagem cuidadosamente construída. E a marca era o que dizia ser. Agora, a diferença é o que as pessoas dizem umas às outras.

NESSE SENTIDO, QUAL É O DESAFIO?

MS – O marketing hoje está nas mãos do consumidor. Essa é a grande mudança. A dúvida é: como a empresa é convidada para o diálogo que os consumidores estão travando sobre ela? Porque é nesse ambiente que as vendas acontecem. A noção de que o marketing pode mudar as pessoas é antiga. Hoje, os consumidores têm toda a informação de que precisam em seus smartphones, as pessoas sabem mais sobre a empresa do que muitas vezes ela mesma sabe. Marketing não é mais discursar para as pessoas, mas andar com elas e respeitá-las. É entender que elas sabem tomar decisões. E, na hora certa, perguntar: como eu posso te ajudar a viver uma vida melhor e mais produtiva? Esse é o tipo de relacionamento que os clientes esperam.

COMO O SENHOR VÊ O MOVIMENTO DOS SERVIÇOS DE STREAMING? ELES SÃO UMA FORMA QUE AS PESSOAS ENCONTRARAM DE FUGIR DA PROPAGANDA?

MS – Eu inicio Marketing Rebellion com um pouco de contexto histórico: sempre que o marketing tentou tirar vantagem das pessoas, elas se rebelaram. Todas as empresas devem se preocupar com um fato atualmente: existem 650 milhões de smartphones no mundo que usam aplicativos para bloquear anúncios. Trata-se de uma voz bem clara e uníssona que diz: não queremos sua propaganda. E a resposta das agências tem sido: a gente pode tentar burlar esses bloqueios – o que é a coisa mais estúpida a se fazer. As agências pensam: o que a gente precisa é fazer publicidade de mais qualidade. Mas o recado das pessoas é outro: pare de me interromper, pare de me interceptar, de atrapalhar meu conteúdo. É por isso que Netflix e Amazon Prime não param de crescer: ninguém quer ver propaganda, ponto final. E o consumidor sempre vence.

UMA DAS FORMAS DE DRIBLAR ESSA REJEIÇÃO À PUBLICIDADE TEM SIDO O MARKETING DE CONTEÚDO. UMA EMPRESA PODE SE ESCONDER ATRÁS DE UM CONTEÚDO?

MS – Depende. Eu acho que a ideia de marketing de conteúdo é superestimada. Façamos um exercício. Se você pensar em todos os produtos que comprou na semana passada, quais você comprou por causa de um conteúdo de marca? Eu, por exemplo, estou aprendendo a pintar, então naturalmente estou comprando materiais. E eu nem me lembro qual a marca que escolhi. Mas sei que decidi pela recomendação do meu professor, que dá aulas pelo YouTube. A pessoa disse: eu uso esse material, que é de qualidade e tem bom custo-benefício. E eu comprei. E por quê? Porque o consumidor não confia em propaganda, ele confia em outras pessoas. Não existe um conteúdo capaz de me convencer a comprar algo que eu não queira, seja uma hospedagem, um voo ou um cereal para o café da manhã.

QUAL É A FUNÇÃO DO MARKETING DE CONTEÚDO?

MS – Existe um lugar para esse tipo de marketing, especialmente em serviços pessoais. Há muitas oportunidades para contar uma história. Mas é necessário fazer isso com base em uma perspectiva racional das limitações do marketing de conteúdo.

O SENHOR DIZ QUE A ERA DA FIDELIDADE ÀS MARCAS FICOU PARA TRÁS. POR QUÊ?

MS – Antes, as pessoas compravam o mesmo sabonete todos os dias porque viam a propaganda, gostavam do cheiro de limão e ganhavam um cupom de desconto. Hoje, só há duas formas de garantir lealdade a uma marca. A primeira é com uma causa social autêntica e crível. Se uma empresa defender uma causa por um longo prazo e se alinhar ao pensamento de seus consumidores, poderá convencê-los a pagar mais por causa disso. A segunda forma é pela identificação do cliente com o líder de um determinado negócio. Pode ser uma pessoa que você admira ou alguém envolvido com a comunidade. A lealdade não está deixando de existir, só tomou uma forma radicalmente diferente.

“Há duas formas de garantir lealdade a uma marca. A primeira é com uma causa social autêntica e crível. A segunda é pela identificação do cliente com o líder de um determinado negócio. Pode ser uma pessoa que você admira ou alguém envolvido com a comunidade. A lealdade não está deixando de existir, só tomou uma forma radicalmente diferente”

 

SE UMA EMPRESA DECIDE FAZER UMA TRANSFORMAÇÃO RADICAL EM SEU MARKETING, ELA PRECISA NECESSARIAMENTE MUDAR A LIDERANÇA?

MS – De uma coisa eu tenho certeza: a mudança de cultura de uma empresa só vai ocorrer se partir do topo da organização. É impossível que venha de baixo para cima. Mas eu não acredito que, necessariamente, seja preciso trocar as lideranças. Eu trabalhei com vários tipos de empresa e conheci líderes inteligentes que foram capazes de se adaptar e mudar. Consegui fechar a porta da sala e ter uma conversa muito franca com eles: o problema de sua empresa não é o time de marketing, não é a agência de publicidade, é você. Você parou nos anos 1990. O mundo mudou e você precisa mudar agora. E essas pessoas tiveram a humildade de dizer: você está certo. Então, é esse tipo de líder que é necessário para a mudança ser efetiva.

E QUAIS SÃO OS EXEMPLOS DE EMPRESAS TRADICIONAIS QUE TÊM FEITO UM BOM TRABALHO NO SENTIDO DE ADAPTAR SEU MARKETING?

MS – Normalmente, empresas que administram bem suas marcas conseguem fazer todo o resto muito bem. Há um exemplo bonito da Adidas, que uniu humanidade e emoção. Há alguns meses,
eles fizeram uma promoção com adesivos com diferentes palavras e símbolos – por meio dos quais as pessoas podiam expressar seus sentimentos. Isso é unir personalidade e marca. O livro Marketing Rebellion – The Most Human Company Wins é cheio desses exemplos. Não é algo que eu tirei da cabeça, é baseado em pesquisa, em coisas que estão acontecendo no mundo.

O SENHOR DEFENDE QUE DOIS TERÇOS DAS CONVERSAS SOBRE MARCAS HOJE SE DÃO FORA DO AMBIENTE CRIADO PELAS EMPRESAS. COMO A MARCA PODE SER CONVIDADA PARA ESSE DEBATE?

MS – Todo o dinheiro está indo para os anúncios digitais. As outras mídias – TV, rádio, impresso – estão evaporando. Mas acho importante dizer que as empresas devem apoiar jornais e revistas com anúncios digitais. Vários jornais estão conseguindo migrar com êxito para um formato digital – e isso é muito bom, porque precisamos de bom jornalismo. Além dos anúncios digitais, há ainda marketing de conteúdo e marketing de influência. Se hoje ainda dois terços do marketing estão neste espaço mais tradicional, o fato é que isso vai diminuir bastante nos próximos anos. Em 2025, acredito que 90% das conversas sobre empresas vão estar fora do domínio da publicidade tradicional. Os nativos digitais vão continuar a tentar se livrar dos anúncios. E as empresas terão uma única alternativa: aceitar essa nova realidade.

 

Por Fernando Scheller

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