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LISIANE LEMOS, especialista em tecnologia e transformação digital

“Minha pergunta sempre vai ser: ‘você está contratando pessoas negras para cargos de liderança?’”

Por Fabiana Seragusa

Nascida em Pelotas, no Rio Grande do Sul, Lisiane Lemos formou-se em Direito, apaixonou-se pelo mundo corporativo, virou especialista em tecnologia e transformação digital, trabalhou cinco anos na área de vendas da Microsoft e desde 2019 está no Google, atualmente como gerente de parceiros. Ela tem 31 anos. Lisiane faz palestras, trabalhos voluntários, dá dicas profissionais em canal próprio do YouTube. A todas essas atividades, some ainda sua atuação no Conselheira 101, um programa do qual é uma das fundadoras e que incentiva a inclusão de mulheres negras em conselhos de administração de grandes empresas.

 

A experiência em duas das multinacionais mais importantes do mundo tem ajudado a ampliar a discussão sobre a importância da diversidade, sobretudo em cargos de liderança. Eleita em 2017 pela revista Forbes como uma das pessoas mais influentes do Brasil com menos de 30 anos, Lisiane se diz apaixonada por mobilizar e incentivar pessoas a transformar o mundo.

ESTADÃO GUIA DO MBA

Existe um movimento consistente das empresas em busca de maior representatividade?

Lisiane Lemos | A gente está vivendo uma transformação. A jornada de profissionais negros no ambiente corporativo não é recente, mas eu acho que, com o acesso à tecnologia, a democratização do acesso à informação e mesmo o quanto a gente se transformou durante a pandemia, deu uma acelerada. Mas também acredito que a gente tem muito a fazer. Eu entendo que existe um movimento muito grande, mas em posições de estágio, de trainee, de analista, que são a base da pirâmide corporativa. Se queremos causar uma real transformação, as pessoas negras precisam estar nos espaços de poder, naquelas salas fechadas onde poucos entram.

 

Você costuma questionar as empresas que visita sobre diversidade no quadro de funcionários. Os representantes se mostram dispostos a fazer mudanças estruturais?

Lisiane Lemos | Acho que o ponto de partida é entender como o mundo corporativo funciona e que mudanças estruturais não acontecem em pouco tempo, a não ser que algo muito urgente, como os episódios históricos de George Floyd, Miguel, Beto, etc., nos traga essa urgência. Mas quando você trata de vários milhões, de uma estratégia de longo prazo, é um pouco demorado. Eu particularmente demorei a entender isso, tinha uma ansiedade da mudança do dia pra noite. Eu acredito, sim, que as pessoas estão dispostas, principalmente neste último ano, a efetivar mudanças estruturais e reconhecer o seu desconhecimento no que se refere ao tema racial e sobre o que é ser negro no ambiente corporativo. E entendo uma vontade de construir de forma colaborativa, principalmente em empresas estrangeiras.

 

Quais os pontos mais urgentes para mudar, na prática?

Lisiane Lemos | Contratar minorias para cargos de liderança, criar e apoiar financeiramente grupos de afinidade e ouvir os funcionários em um ambiente seguro, onde eles possam fazer críticas construtivas. A gente precisa rever as redes que construímos, rever as formas de recrutar, onde estamos, quem somos, quanto tempo essas pessoas ficam na empresa.

 

Como está o programa Conselheira 101, que incentiva a inclusão de executivas negras em conselhos administrativos de grandes corporações, cargos quase sempre restritos a homens brancos?

Lisiane Lemos | A graça, e a fortaleza, do Conselheira é que ele foi criado por mulheres incríveis com as quais eu tenho a honra de conviver todos os dias, online e offline. Foi um momento de sororidade de mulheres negras se enxergarem. Mulheres com mais de 15 anos de carreira que nunca tinham enxergado outras iguais. Nossos parceiros facilitadores estão sendo incríveis, no comprometimento, na abertura, no ambiente seguro, nessa questão de transformação e nas entrevistas que estão acontecendo [a ideia é conectar executivas negras e líderes de grandes empresas].

Na primeira vez que vi a Rachel Maia [empresária, presidente do conselho consultivo da Unicef, embaixadora do Projeto Guri e ex-CEO das marcas Lacoste, Pandora e Tiffany no Brasil], eu disse que queria ser presidente de empresa. Então, quando eu trago essas quase 20 mulheres para o holofote, imagino quantas Lisianes vão começar a sonhar em ocupar cargos na indústria farmacêutica, nos mercados financeiro, agro, de inovação, em gestão de crises, em saúde e em tantos segmentos que a gente tem nesse grupo de mulheres líderes.

 

Quais os maiores desafios que você precisou enfrentar para chegar à posição profissional em que está atualmente e como conseguiu lidar com eles?

Lisiane Lemos | Estar em espaços em que eu era a primeira, a única ou uma das poucas é um grande desafio ainda. Por isso, a minha demanda por trazer mais mulheres para o negócio, os cargos de liderança, gerência e os conselhos de administração. Também tem o desafio da gestão de tempo, de conseguir lidar com minha família, que é minha prioridade, com meu trabalho, pelo qual sou realmente apaixonada, de estar sempre estudando, fazer voluntariado e descansar. E ter clareza no meio disso tudo, de quais são meus próximos passos, para onde vou e quem posso influenciar. Acho que o principal pra mim é o que vem, como construir e como estar bem assessorada.

 

Qual a importância da formação profissional que vai além da graduação?

Lisiane Lemos | Eu sou a pessoa que mais estuda no mundo. Eu adoro um curso, uma especialização, uma formação diferente, algo no exterior, curso de línguas. No momento, estou quase no final do meu MBA executivo na Fundação Dom Cabral e acabei de iniciar um “high impact program” da Saint Paul em Governança Corporativa. Voltei a fazer aula de inglês. Gosto de aula, professor, disciplina. Isso me ajuda a aprender melhor. E gosto da liderança pelo exemplo. Eu sugeriria para quem nos lê observar os líderes que admira, suas habilidades e os cursos que fizeram, se foram estudar fora do País, se fizeram imersão no ecossistema de startups no exterior, se fazem viagens de aprendizado. Os líderes que são referência pra mim investem muito nisso.

 

Quais as principais queixas que você costuma ouvir dos funcionários em geral, em relação ao sistema de liderança corporativa? O que os empregados querem que as empresas não oferecem?

Lisiane Lemos | As principais reclamações que ouço são muito relativas à progressão de carreira e clareza no plano de carreira. A gente vem em uma mudança no mundo corporativo que foi muito para esse lado de autosserviço, de “você é o dono da sua carreira”, mas não necessariamente fornecendo as ferramentas necessárias para que essas pessoas consigam ascender e consigam entender esses códigos.

Eu sempre li muito sobre mentoria, liderança, a questão de perseverança no ambiente corporativo, e esse conhecimento, que é até periférico à real função, é o mais difícil em relação ao sistema de liderança corporativa. E não é necessariamente que as empresas não oferecem isso, a gente que não tem clareza nem no que vai buscar.

Se eu pudesse recomendar o que tem que ser priorizado, seria essa questão de mentoria, dentro e fora da empresa, de você investir em desenhar seu plano de carreira e entender que a carreira é sua, não é da empresa, e, por último, ter clareza dos seus valores e do que é importante.

 

Quais transformações você projeta nas culturas organizacionais no futuro próximo, tendo em vista a revolução tecnológica, as conquistas na representatividade e as mudanças sentidas e que estão por vir por causa da pandemia?

Lisiane Lemos | A primeira é essa sistemática de trabalhar de casa, em jornadas assíncronas, com pessoas que funcionam de formas diferentes. Sobre como a gente vai construir um ecossistema onde todos possam ter suas necessidades atendidas e possam progredir, ter saúde mental e equilíbrio entre todas essas coisas. E eu acho que a gente voltou a uma onda de representatividade e de discutir esses assuntos, mas o desafio pra mim sempre vai ser colocar isso em prática. As minhas perguntas sempre vão ser: você está contratando pessoas negras para cargos de liderança? Você está garantindo o desenvolvimento e a sustentabilidade da carreira dessas pessoas? Você está abrindo canais para que elas possam falar como estão se sentindo e quais os próximos passos que pensam? Isso é o importante em uma cultura organizacional, um espaço onde todos possam ter voz e que a gente tenha um plano de ação efetivo.

 

LISIANE LEMOS é formada em Direito pela Universidade Federal de Pelotas (RS), Gestão de Projetos na Fundação Getúlio Vargas e obteve o MBA de Tecnologia da Informação na Fiap.

IDADE: 31 anos
ONDE TRABALHA: Google
POR ONDE JÁ PASSOU: Microsoft
O QUE ESTÁ ESTUDANDO: MBA executivo na Fundação Dom Cabral e Governança Corporativa na Saint Paul Escola de Negócios

Fabiana Seragusa