Realização:

Estadão

Produção:

Media Lab

Junto e misturado

Por Roberto de Lira

Em alta, cursos de pós-graduação passam a mesclar aulas remotas gravadas, encontros síncronos, assíncronos e presenciais. O modelo híbrido se impõe para melhorar a dinâmica dos conteúdos

O modelo de ensino remoto de aulas prontas e gravadas para acesso sem hora marcada e o formato 100% presencial estão se moldando à realidade delineada pela pandemia e que pede uma dinâmica mais participativa e a transposição
dos cursos presenciais para o modelo digital – de um jeito que todos sejam valorizados, sem prejuízo. É como se os dois sistemas tivessem um encontro marcado. E inevitavelmente a hora chegou. Parte das mudanças já teve de ser feita a toque de caixa enquanto as rotinas iam se alterando e a procura por pós lato sensu só aumentava.

Dados do Semesp, entidade que reúne mantenedoras de ensino superior, apontam esse aquecimento: as buscas no Google por termos de ensino a distância na pós-graduação subiram de 41 em maio para 100 em junho (a escala vai de 0 a 100). Há um pico de popularidade. “O home office forçado deixou as pessoas com mais tempo para estudar e elas sentiram a necessidade de melhorar a qualificação por se sentirem ameaçadas no emprego”, diz Rodrigo Capelato, diretor executivo do Semesp.

Mas o segmento já estava em expansão. A última pesquisa do Semesp, divulgada em dezembro de 2019, mostrou que o número de alunos matriculados em cursos de especialização lato sensu no Brasil (que inclui os MBAs) cresceu de 680 mil em 2016 para 1,2 milhão no ano passado. A crise econômica foi um dos principais motivos. “A especialização é sempre buscada quando há risco para a empregabilidade”, afirma Capelato.

Na avaliação do coordenador da Universidade Corporativa do Semesp, Márcio Sanches, a tendência de hibridização dos cursos traz possibilidades de internacionalização e até de redução de custos, porque professores e palestrantes
convidados podem participar de forma remota. “Acredito numa mescla entre aula remota, assíncrona e presencial participativa”, diz Sanches, que também é professor de MBA na FIA e na FGV.

Os especialistas consideram que essa integração é essencial para diferenciar os cursos que souberam aproveitar o aprendizado na pandemia. É provável que os momentos presenciais passem a estimular o trabalho em equipe e o networking com tarefas como elaboração de seminários, estudos de caso, simulações de rodadas de negócio, aulas práticas laboratoriais e jogos de empresas. O conteúdo mais teórico ficará cada vez mais digital e assíncrono.

NOVA DIDÁTICA
No geral, as faculdades, universidades e escolas de negócios têm se mostrado ágeis na oferta de modelos híbridos e high flex. A coordenadora de lato sensu da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Luciana Maines da Silva, diz que um dos desafios foi a questão didática. “É diferente ficar quatro horas numa sala de aula e o mesmo tempo na frente de uma tela de computador”, compara. A instituição gaúcha manteve todos os cursos de 2020, adiando apenas algumas disciplinas que exigiam laboratório ou o uso de softwares, por exemplo.
Há quem enxergue que as instituições estão diante da oportunidade de atribuir um novo significado à sala de aula, porque é preciso fugir da tentação de replicar o modelo presencial nas aulas online. “Eu, por exemplo, adotei como metodologia fazer uns 40 minutos de aula expositiva e na sequência apresentar problemas para discussão e dividir alunos em grupos virtuais. Depois, eles voltam para a sala principal”, diz Marcelo Treff, professor de pós-
-graduação na Fecap, na FIA e na PUC. O uso dessa funcionalidade de salas simultâneas se disseminou
nos cursos de MBA. A UniFAJ, de Jaguariúna, apresentou uma plataforma de ensino a distância chamada Evolution,
com quatro cursos iniciais e que traz videoaulas, roteiros de estudo, podcasts, entrevistas, insights e e-books. Os temas incluem design thinking, novos modelos de negócios, organizações exponenciais, inovação, prototipagem e ferramentas para lean startups.

Por trabalhar com profissionais que estavam na gestão de hospitais e órgãos ligados à saúde, a chamada linha de frente contra a covid-19, a faculdade do Hospital Israelita Albert Einstein foi ainda mais flexível com suas turmas do
MBA, diz a gerente da área, Flavia Ghisi Nielsen. “Adaptamos nossa carga horária, estendemos a duração e demos um período de férias em julho”, afirma. As turmas atuais já estão no modelo híbrido e com vários protocolos de segurança implementados para os momentos presenciais.

NOVOS ASSUNTOS

Além do modelo, da didática e da metodologia, parte do conteúdo também passou por modificações para inserir discussões e temas que trazem a crise atual para a sala de aula. O coordenador do Programa de Educação Continuada (Pece) da Escola Politécnica da USP, Paulo Carlos Kaminski, que dá aulas em disciplinas ligadas com o comportamento de liderança, inseriu desafios do trabalho remoto em seu planejamento. “Agora há a administração
de conflitos em ambiente virtual que surgem nas reuniões a distância”, diz Kaminski. Com a chamada “fadiga de tela”, incentivar momentos de desconexão também será importante, defende a coordenadora de MBA da UniFAJ,
Daniela Cartoni. A universidade passou a oferecer o ensino de técnicas de meditação.
No Instituto Mauá de Tecnologia, uma aposta séria é o desenvolvimento de habilidades socioemocionais, garante a professora Lucedile Antunes. “Quem busca um MBA já possui uma experiência, já trabalhou alguns anos em
corporações, mas pode ter dificuldades de vender uma ideia, de negociar um projeto, de demonstrar empatia”, explica. Por causa disso, a instituição vai ter em 2021 uma disciplina específica sobre relacionamento interpessoal.
O diagnóstico dessa deficiência já havia feito a PUC-SP modificar as entregas dos trabalhos de conclusão de curso para modelo mais participativo e isso se mostrou acertado num período em que o isolamento social pode prejudicar o buscado networking, avalia o pró-reitor de Educação Continuada da Universidade, Silas Guerriero. “Os alunos
trabalham com um projeto feito em conjunto com seus colegas, voltado ao mercado de trabalho e abrangendo interdisciplinaridade.
E foi possível manter isso nos cursos em andamento mesmo em ambiente digital”, conta.

Roberto de Lira