Telemedicina ajudou o setor a enfrentar as turbulências
29 de outubro de 2020
A pandemia de covid-19 chegou ao Brasil no momento em que o mercado de saúde suplementar apresentava sinais de recuperação, após cinco anos de retração provocada pela conjuntura econômica desfavorável. No primeiro trimestre de 2020, o número de beneficiários de planos médico-hospitalares no Brasil havia subido de 46,9 milhões para 47,1 milhões.
Era uma consequência direta da recuperação do nível de emprego no País. A conjuntura econômica é um fator que influencia diretamente o mercado brasileiro de planos de saúde, 67% composto por contratos coletivos patrocinados pelas empresas como parte do pacote de benefícios para os funcionários.
Com a pandemia, o cenário de recuperação econômica foi interrompido e o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro deve cair pelo menos 5% neste ano. O impacto projetado pela Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) é a redução de 2,2% no número de beneficiários até março de 2021.
Se confirmada essa previsão, o número de vínculos cairá para 46 milhões, o que configurará a perda de um milhão de beneficiários em um ano e o retorno ao patamar de 2011. Em outras palavras: os novos usuários de planos de saúde conquistados ao longo da última década deverão ser perdidos em apenas um ano, por causa da pandemia.
Saúde psicológica
Tendências que parecem ter vindo para ficar, como a telemedicina, contribuem para equilibrar as contas das empresas do setor. Além dos fatores tradicionais de pressão dos custos, como a chamada “inflação médica” e a alta frequência de uso por parte dos segurados, o caixa das operadoras passou a sofrer também com a perda de beneficiários e o maior índice de inadimplência em decorrência da pandemia.
“A telemedicina ajuda a conscientizar as pessoas de que nem sempre há a necessidade de ir ao pronto-socorro”, diz Gabriel Portella, presidente executivo da SulAmérica. Antes da pandemia, a empresa já oferecia um serviço de atendimento médico online, ainda que limitado, pois a telemedicina não estava regulamentada no País. Quando ocorreu a autorização emergencial por conta das circunstâncias, a tecnologia estava bem desenvolvida.
De forma geral, avalia Portella, a empresa tem conseguido superar bem as incertezas e turbulências provocadas pela pandemia. “Só não podemos falar que tem sido um período positivo. Independentemente dos resultados financeiros, não é possível fazer essa afirmação em meio a uma tragédia que já causou milhares de vítimas e afeta a vida de tantos brasileiros”, diz o executivo.
Um dos grandes aprendizados do período, ressalta Portella, é o entendimento de que os cuidados com os segurados devem levar cada vez mais em conta a saúde psicológica. A procura pelo programa de saúde mental da SulAmérica, o Única Mente, cresceu 48% durante a pandemia.
A pandemia mostrou que saúde não é só uma questão física, mas também financeira e emocional.
Tereza Veloso, diretora da SulAmérica
A principal demanda é de pessoas que sentem os sintomas de ansiedade e depressão, em grande parte decorrentes do isolamento, das preocupações financeiras, do excesso de trabalho, do receio de contrair ou ver as pessoas próximas contraindo a covid-19, além dos casos de quem teve familiares e amigos vitimados pela doença.
“A pandemia mostrou que saúde não é só uma questão física, mas também financeira e emocional. A falta de perspectivas, a impossibilidade de fazer planos e o afastamento social colocaram luz em questões muitas vezes negligenciadas, mas que agora precisam ser resolvidas”, avalia Tereza Veloso, diretoratécnica médica e de Rede Credenciada da SulAmérica.
Gabriel Portella, presidente executivo da SulAmérica
Nunca podemos esquecer que a pandemia é uma tragédia que atingiu e continua atingindo muitas pessoas e famílias
Como tem sido o desafio de liderar uma grande e tradicional seguradora em meio a um evento que provoca tantas incertezas, como a pandemia?
Não posso negar que o início foi um tanto assustador. Mas havia tanto a fazer, tantas medidas a serem tomadas, que o único caminho era ir enfrentando um dia de cada vez. Aliás, ao longo dos três primeiros meses da pandemia, o comitê executivo passou a se reunir diariamente com esse objetivo, definir os passos imediatos que precisavam ser dados, sempre com o acompanhamento do Conselho de Administração. Embora distanciados fisicamente, nunca estivemos tão próximos no dia a dia da companhia.
A prioridade foi colocar toda a equipe de 5.400 pessoas em segurança, operando remotamente. Foi um processo facilitado pelo fato de já termos alguma experiência em home working, modalidade que cerca de 1.500 pessoas praticavam em algum nível dentro da companhia. Criamos canais transparentes de comunicação e uma espécie de slogan interno: “Vamos continuar fazendo as mesmas coisas, só que de forma diferente”.
Com o nosso pessoal em segurança e organizados para continuar trabalhando o mais próximo possível da normalidade, voltamos o foco aos segurados. São 2,3 milhões de pessoas no seguro-saúde e 2 milhões no seguro de vida. Havia uma pergunta de tirar o sono, diante da própria característica do nosso negócio: o que vai acontecer com o risco dessa população?
Quais eram os principais receios na fase inicial da pandemia?
A grande dúvida era se a rede de atendimento teria capacidade para absorver a demanda. Ficamos receosos, também, sobre os desdobramentos para o caixa da companhia, pois tudo era imprevisível naqueles primeiros meses. Por sorte, estava dentro da nossa programação uma nova debênture, que concluímos pouco antes do início da pandemia e reforçou nosso caixa num momento oportuno para nos proporcionar certa tranquilidade.
Em meio a tudo isso, não interrompemos nossos projetos e planos. Ao contrário, o ritmo nesse sentido se tornou ainda mais acelerado. Compramos empresa, vendemos empresa, lançamos produtos, lançamos aplicativos, enfim, não deixamos que a pandemia interferisse na nossa visão de longo prazo. Afinal, somos uma empresa com 125 anos de história, que já passou por muitos momentos delicados, como guerras e uma série de reviravoltas econômicas.
A SulAmérica tem alcançado bons resultados financeiros mesmo em meio à crise da covid-19. A pandemia já é uma página virada para a companhia?
É fato que a empresa não parou, que continuou conquistando resultados consistentes, que as vendas retomaram o ritmo normal, mas precisamos enxergar muito além da nossa situação específica. Não podemos perder a noção do todo. Há várias outras empresas e setores que foram muito afetados, o que de certa forma nos atinge também. O setor de seguros é diretamente influenciado pelas condições gerais da economia. Além do mais, nunca podemos esquecer que a pandemia é uma tragédia que atingiu e continua atingindo muitas pessoas e famílias.
Continuamos com o trabalho remoto, e essa experiência provavelmente trará mudanças significativas para o futuro. Muitos preconceitos e paradigmas foram quebrados. Fizemos 200 contratações durante a pandemia e essas pessoas ainda não pisaram em instalações físicas da SulAmérica. A maior parte dos nossos funcionários tem sinalizado que gostaria de manter o home office em algum nível. Provavelmente surgirá um modelo híbrido, em que as pessoas não precisarão comparecer diariamente a um local físico de trabalho. E a quantidade de reuniões presenciais certamente diminuirá muito em relação ao período anterior à pandemia.