Por FGC e Estadão Blue Studio

A estabilidade do sistema financeiro e de crédito é um dos pilares que sustentam a economia nacional. Para debater os desafios e caminhos a serem seguidos na preservação dessa solidez, o Fundo Garantidor de Créditos (FGC), em parceria com o Núcleo de Mercados Financeiro e de Capitais (MFCap) da FGV Direito SP, realizou a segunda edição do Seminário Anual do Sistema Financeiro e Crédito, no dia 13 de setembro, na FGV, em São Paulo.

Um dos temas tratados no seminário foi o impacto das fake news no mercado financeiro e de crédito. O painel destacou as preocupações com a disseminação de notícias falsas e seus efeitos potencialmente devastadores. Contou com moderação de Deborah Kirschbaum, diretora jurídica do FGC, e com a participação de Yuri Corrêa da Luz, procurador da República do Ministério Público Federal em SP e professor de Direito na ESPM, Pierpaolo Cruz Bottini, professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP), Jayme Alves, diretor adjunto de Regulação, Riscos e Economia da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), e Nino Toldo, desembargador federal do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região.

O risco das fake news
Deborah iniciou sua fala destacando a necessidade de garantir que a sociedade e os agentes estejam tomando as decisões corretas, baseadas em informações verdadeiras. E advertiu sobre o risco de a desinformação minar a confiança pública nas instituições financeiras. “Fake news, no sistema financeiro, pode acabar levando a uma corrida bancária.”

A diretora jurídica do FGC também ressaltou a importância de políticas públicas mais eficazes para combater esse problema. “A sociedade precisa entender que isso é crime. Mas apenas isso não é suficiente para desestimular influenciadores digitais com agendas pessoais, que muitas vezes não representam o bem-estar coletivo”, observou.

Yuri trouxe dados de um trabalho sobre o comportamento de sete grandes plataformas digitais no combate à desinformação. Segundo ele, o inquérito revelou que essas plataformas adotam políticas insuficientes para conter o fluxo de notícias falsas. “A desinformação, as mentiras contadas, as narrativas falsas há muito tempo deixaram de ser um problema individual e se tornaram uma questão de impacto coletivo e sistêmico”, afirmou.

Ainda de acordo com o procurador do MPF, a legislação atual não está preparada para lidar com o fenômeno da desinformação em larga escala. “Precisamos de uma regulação mais rígida sobre as plataformas digitais”, defendeu. Ele acredita que o Projeto de Lei (PL) 2.630/20, conhecido como o “PL das fake news”, em tramitação na Câmara dos Deputados, pode representar um avanço nesse sentido, mas ainda é insuficiente.

Entre suas sugestões, estão a criação de um regime diferenciado para momentos críticos, como eleições ou crises financeiras, e uma moderação mais rigorosa de conteúdo nesses períodos. “Além disso, influenciadores digitais que propagam desinformação devem ser enquadrados dentro de normas mais rígidas de responsabilidade”, afirmou.

Liberdade de expressão
Pierpaolo lembrou que, embora a Constituição assegure a liberdade de expressão, esse direito não é ilimitado. E destacou que manifestações que incitem ao ódio, promovam crimes ou prejudiquem terceiros são vedadas pelo ordenamento jurídico.

“O problema não é a existência das fake news em si, mas a forma como essas mentiras se disseminam. Por meio das redes sociais, observamos uma nova dimensão na propagação dessas inverdades. O Brasil é o sexto maior país em conectividade no mundo. Cerca de 80% da população se informa por meio das redes sociais. Portanto, estamos lidando com mentiras que atingem uma escala totalmente nova”, acrescentou.

Os desafios legais e a confiança nas instituições
A disseminação de fake news no sistema financeiro é um problema que pode gerar consequências graves, tanto no âmbito jurídico quanto no econômico. O tema também foi amplamente debatido na segunda edição do Seminário Anual do Sistema Financeiro e Crédito. Durante o evento, os participantes discutiram como as notícias falsas afetam a estabilidade do mercado financeiro, os desafios legais e o papel da confiança nas instituições.

Para o desembargador federal Nino Toldo, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, a confiança é a base que sustenta o sistema financeiro. Segundo o desembargador, o maior receio em momentos de crise é a corrida aos bancos, quando todos os clientes buscam sacar seus ativos ao mesmo tempo, algo para o qual nenhuma instituição está preparada. “Nenhum banco tem dinheiro para entregar a todos os seus clientes em uma corrida bancária”, disse. Essas situações expõem fragilidades estruturais e operacionais dos bancos como o fato de o sistema de reserva ser geralmente fracionário – ou seja, apenas uma fração dos depósitos dos clientes é mantida em caixa ou em reservas de liquidez. Os bancos também podem ter mais ativos do que passivos no longo prazo e não ter liquidez imediata. Ou ainda muitos ativos que os bancos possuem (como imóveis ou empréstimos a longo prazo) não podem ser vendidos rapidamente sem perdas.

Toldo lembrou que a punição de divulgação de informações falsas sobre instituições financeiras está prevista na legislação desde 1986, no artigo 3º da Lei nº 7.492. “A pena vai de dois a seis anos de reclusão, além de multa”, explicou. Apesar disso, mencionou que, em seus onze anos no tribunal, raramente viu casos desse tipo. “A única situação que encontrei foi a de Ricardo Mansur, no final dos anos 1990, quando ele divulgou informações falsas sobre o Banco Bradesco para forçar negociações de suas dívidas”, contou.

A dificuldade, segundo o desembargador, está em provar a intenção de prejudicar ou obter vantagens com a desinformação. Além disso, poucos casos chegam ao sistema penal. Ele também alertou para o papel dos influenciadores digitais no mercado. “Até que ponto um influenciador digital pode desestabilizar o mercado financeiro em benefício próprio ou de terceiros?”, questionou. Para ele, o mais importante é preservar a confiança no sistema. “Sem essa confiança, o sistema financeiro tende a ruir”, afirmou.

Impactos econômicos
Além das questões criminais, as fake news também têm efeitos econômicos significativos, como explicou Jayme Alves, diretor adjunto de Regulação, Riscos e Economia da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). “O objetivo é tornar o sistema mais seguro e eficiente, reduzindo os custos causados por esses problemas”, destacou.

Alves explicou que o sistema bancário está habituado a lidar com riscos, mas ressaltou que o aumento da velocidade e da amplitude das notícias falsas exige uma regulação mais robusta. “Os bancos estão acostumados a correr riscos, mas as fake news mudaram a forma e a rapidez com que os problemas surgem”, afirmou. No encerramento do painel, o desembargador Nino Toldo sintetizou a visão geral dos especialistas sobre o impacto das fake news no mercado financeiro e sua relevância no cenário atual. “O Judiciário atua só no último momento. Quando os outros sistemas de contenção falham, aí sim haverá o direito penal para coibir esse tipo de conduta. O mais importante de tudo é sempre manter a credibilidade, a confiança e a segurança jurídica, sem as quais não haverá coesão social”, finalizou.

O desafio da regulação
Os especialistas concordaram que o combate à desinformação no mercado financeiro e de crédito exige um esforço conjunto entre governo, sociedade civil e plataformas digitais. Para eles, a regulação precisa ser cuidadosa e bem delineada, evitando o agravamento dos problemas de desinformação, mas sem prejudicar o funcionamento das empresas que atuam nesse setor.

O professor de Direito Penal da USP Pierpaolo Cruz Bottini defendeu um equilíbrio entre a liberdade das plataformas e a necessidade de controle. Para ele, a autorregulação das plataformas pode ser uma solução, mas alerta: “Deixar a decisão sobre o que é verdade ou mentira nas mãos de uma empresa privada pode gerar, eventualmente, arbitrariedade”.

O procurador da República do Ministério Público Federal (MPF) Yuri Corrêa da Luz defende avanços em legislações mais claras e adequadas, especialmente em relação à responsabilização de influenciadores digitais. “As plataformas são empresas privadas, mas têm importância pública”, ressaltou Yuri Corrêa da Luz. Ele acredita que é necessário construir uma regulação sensível e bem formulada, que proteja tanto a liberdade de expressão quanto a integridade das instituições.

O seminário trouxe à tona também um tema essencial: como fortalecer o sistema financeiro e de crédito brasileiro para enfrentar possíveis crises e aumentar a confiança nas instituições. No painel moderado por Bruno Salama, professor da FGV Direito, especialistas apresentaram propostas para aprimorar a estrutura institucional do setor, destacando a importância de mecanismos como o Fundo Garantidor de Créditos (FGC) e o Projeto de Lei Complementar (PLP) 281/2019, que trata da resolução de crises no sistema financeiro.

Daniel Lima, diretor executivo do FGC, destacou a longa história das crises bancárias, explicando que a relação de confiança entre bancos e depositantes é um pilar fundamental. “O banco é um negócio que se ampara em tomar depósitos de curto prazo e fazer empréstimos de longo prazo. E faz isso usando alavancagem. Então, quando o risco se materializa, o efeito acaba sendo multiplicado”, afirmou.

Segundo ele, a criação de mecanismos de proteção aos depositantes, como o FGC, surge para evitar corridas bancárias, mitigando os riscos de crises sistêmicas. “É difícil conceber uma economia desenvolvida que não goze de confiança e estabilidade financeira”, destacou. Para Lima, o FGC oferece segurança tanto para o sistema quanto para os depositantes. “A proteção é explícita, limitada e compulsória para assim controlarmos os problemas de incentivos criados pela própria existência do mecanismo, dentre eles o que chamamos de risco moral. Precisamos lembrar que o nosso comportamento tende a mudar a partir do momento em que estamos segurados, e isso pode gerar abusos que podem afetar negativamente a saúde do mecanismo”, completou.

Estabilização financeira
Outro ponto central do painel foi o Projeto de Lei Complementar 281/2019, abordado por Cristiano Cozer, procurador-geral do Banco Central. O projeto propõe um regime de estabilização para instituições financeiras sistêmicas, aquelas “grandes demais para falir” e que, se entrarem em colapso, podem gerar efeitos devastadores no sistema financeiro e na economia real.

“Quando uma instituição sistêmica quebra, o impacto vai muito além do setor financeiro. Afeta crédito, investimentos e a economia como um todo”, explicou Cozer. “A ideia é que as instituições sistêmicas sejam socorridas com recursos de seus acionistas e credores qualificados”, afirmou.

Cozer destacou que, embora o sistema financeiro brasileiro seja estável e bem capitalizado, é necessário estar preparado, agora, para crises futuras. “Precisamos de reformas estruturais para que, quando uma crise vier, tenhamos mecanismos de ação. Não podemos depender exclusivamente do Tesouro para resolver esses problemas. O Tesouro deve ser o último recurso, não o primeiro”, enfatizou.

A advogada Aline Ferreira, head de Compliance do Citi no Brasil e docente líder do Insper, complementou o debate, ressaltando a importância de previsibilidade em cenários de estresse financeiro. Segundo ela, é crucial que o sistema seja capaz de antecipar e mensurar o tamanho dos problemas em momentos de crise.

“Se uma instituição financeira não puder honrar seus compromissos de mercado, isso pode gerar um efeito dominó imprevisível, impactando o sistema como um todo”, alertou.

Iniciativa para otimizar recuperação de crédito
Durante o seminário, Gabriel Buschinelli, diretor de Programa da Secretaria de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, falou sobre as novas diretrizes apresentadas pelo Executivo no Projeto de Lei nº 3 de 2024, que está em tramitação no Senado Federal e propõe alterações na Lei de Falências.

Buschinelli explicou que o projeto é estruturado em cinco eixos principais. O primeiro é a criação do Plano de Falência, um documento elaborado pelo administrador judicial, que reúne e detalha para os credores os planos para a gestão dos ativos da massa falida. O segundo eixo inclui anexos informativos, que facilitam o acesso a informações relevantes e atualizadas para credores e interessados na aquisição de créditos. O terceiro ponto aborda a gestão fiduciária, que possibilita a participação dos credores na eleição do profissional que administra a massa falida. O quarto foco é a estruturação de assembleia geral de credores, com rígido controle da prioridade entre credores. Por fim, o quinto eixo visa garantir a eficiência na liquidação dos ativos, com um plano detalhado para a venda dos bens.

“O protagonismo dos credores é essencial para que o processo de falência tenha um desfecho positivo”, destacou Buschinelli. Ele acrescentou: “Essas mudanças oferecem mais previsibilidade e segurança para os credores, além de promover um ambiente econômico mais estável e favorável à recuperação de crédito”.

A importância do debate
Por Fernando Dantas Alves Filho, presidente do Conselho de Administração do FGC

Ao longo de quase 30 anos de atuação, é com satisfação que verificamos o Fundo Garantidor de Créditos (FGC) se solidificando como uma entidade que contribui para maior confiança no Sistema Financeiro Nacional. Desde sua criação, atuou em 40 eventos de pagamentos de garantias, nos quais clientes de instituições financeiras liquidadas pelo Banco Central, com depósitos elegíveis à cobertura, foram devidamente ressarcidos. Adicionalmente, o FGC presta assistência para as suas associadas, evitando que crises pontuais e específicas pudessem impactar o sistema financeiro como um todo.

A atuação de uma entidade como o FGC ainda considera a necessidade de estar presente em fóruns voltados para tratar da eficiência do sistema financeiro e refletir sobre vetores para o seu aprimoramento. Por essa razão, o FGC é uma das entidades fundadoras da Associação Internacional de Garantidores de Depósitos (IADI) e membro do seu Conselho Executivo Global, desempenhando um papel ativo nas discussões internacionais sobre temas de interesse do sistema bancário, como riscos sistêmicos, eficiência dos mecanismos de proteção e outros assuntos importantes como a educação financeira. Em âmbito nacional, o FGC, que não atua e não é um ente normativo e regulador, busca manter estreito contato com agentes componentes do ecossistema financeiro, entre eles as entidades de representação das suas associadas, o Banco Central do Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários, Secretarias do Ministério da Fazenda, representantes do Judiciário, para contribuir, no limite do seu mandato estatutário, dentre outros assuntos, com discussões que ajudem o FGC a desempenhar de maneira mais eficaz o seu papel institucional.

Para que essas discussões sobre temas atuais alcancem um maior público, é que a organização de seminários se mostra importante. Nesta segunda edição do Seminário Anual do Sistema Financeiro e Crédito, em que palestrantes convidados trouxeram reflexões sobre a Lei de Falências e o PLP 281/2019, que trata dos regimes de resolução do sistema financeiro, considerando o crescimento das mídias sociais e influenciadores, o referido evento também abordou os riscos associados à disseminação de fake news. Apoiar a realização de um fórum para tratar esses temas reflete o compromisso do FGC de se manter diligente em relação a tendências e riscos emergentes que possam vir a impactar a funcionalidade do Sistema Financeiro Nacional e o seu papel enquanto entidade garantidora de depósitos.

Seminário discute o impacto das fake news no sistema financeiro e de crédito

Foto: Tiago Queiroz