Prática é vista como uma das formas mais rentáveis de investimento no mercado imobiliário, mas requer técnica e agilidade; veja o que dizem especialistas para lucrar com casas e apartamentos
Por Lucas Agrela
Comprar casas ou apartamentos para alugar e ter um complemento de renda é uma das formas mais tradicionais de investimento dos brasileiros. Agora, essa prática vem sendo aperfeiçoada, com a aquisição de imóveis para reformar e vender posteriormente, como ocorre com frequência nos Estados Unidos.
A atividade é chamada house flipping, no jargão do setor, e se refere a encontrar boas oportunidades de aquisições de imóveis, especialmente residenciais, a preços atrativos para reformá-los e revendê-los. A prática gera lucros entre 20% e 30% em um tempo médio de 12 meses.
A estratégia de reformar e revender imóveis é vista como uma das melhores formas de obter lucro com esses ativos no Brasil atualmente, ao lado do investimento em fundos imobiliários. Mas é preciso técnica e agilidade para não perder dinheiro. A valorização anual do preço dos imóveis em cidades como São Paulo, maior mercado imobiliário do País, cresce, por vezes, abaixo da inflação.
Por isso, o tempo entre a compra, a reforma e a revenda, segundo especialistas, deve ser de até 12 meses, evitando problemas como redução da margem de lucro por conta do pagamento mensal de contas como condomínio e IPTU.
No primeiro trimestre de 2024, segundo dados do QuintoAndar, o preço médio do metro quadrado (m²) na capital paulista subiu 3,73% em 12 meses, ante uma inflação acumulada de 3,93%. Mesmo para quem busca lucratividade com aluguéis, a rentabilidade anual é de 6%.
Já os fundos imobiliários – que fazem a gestão de propriedades comerciais e residenciais, a depender da estratégia da gestora – podem oferecer uma rentabilidade média mais alta. Segundo o índice Ifix, que reúne os principais ativos dessa classe, a valorização dos fundos imobiliários foi de 17,96% nos últimos 12 meses terminados em 3 de maio – mas é preciso levar em conta que esses fundos são ativos de renda variável, bastante sujeitos à volatilidade do mercado.
Com a prática de comprar imóveis para reforma e revenda em curto prazo, os investidores conseguem obter retornos entre 20% e 30%. No caso de imóveis comprados em leilões, o retorno pode ser ainda maior, a depender do desconto no ato da compra e do tempo para a desocupação do imóvel.
A prática tem sido comum entre pessoas físicas e entre empresas. Quatro a cada dez pessoas que compraram um imóvel residencial em 2023 disseram ser como um investimento. De acordo com dados do Raio-X FipeZap de dezembro, entre quem comprou uma propriedade com essa finalidade no ano passado, 46% disseram esperar ter lucro com a revenda e 54% contam com o lucro vindo do aluguel. A maior parte dos investidores é do sexo masculino (71%) com mais de 50 anos de idade (52%) e renda mensal acima de R$ 15 mil (48%).
Entre empresas, a Loft chegou a atuar nesse mercado por alguns anos, mas optou por mudar o curso dos negócios para se tornar uma plataforma de conectividade e dados para o mercado imobiliário, o que a fez deixar as contas no azul (ou atingir o breakeven, ponto de equilíbrio). Esse jogo, então, se provou ser melhor para pessoas físicas ou para empresas de menor porte, com crescimento controlado, e não no ritmo alucinante das startups de tecnologia.
Esse é o caso da Brise, que realiza projetos em São Paulo. A empresa faz três projetos por ano, reformando totalmente os apartamentos comprados. As mudanças incluem derrubar todas as paredes e repensar a planta dos imóveis para a realidade atual, criando espaços para trabalho remoto, cozinhas integradas com a sala e reduzindo o tamanho da área de serviço.
”Compramos em um preço de oportunidade, abaixo do mercado, geralmente apartamentos em situações muito precárias, que nunca foram reformados. A nossa reforma valoriza características antigas e entrega um projeto contemporâneo”, diz Arnaldo Borensztajn, sócio do negócio.
A Brise, que atua no centro e em bairros nobres da capital paulista, busca aumentar gradualmente o número de projetos por ano e até mesmo comprar e reformar um prédio residencial inteiro, do primeiro ao último andar. “Os nossos primeiros projetos foram na Vila Buarque. Mas entendemos que havia público para isso em Higienópolis e Jardins, e também temos interesse na região de Pinheiros. Trabalhamos apenas com prédios construídos até os anos 1960″, diz Borensztajn.
Foco no planejamento
Na esteira do interesse do investidor em imóveis antigos para reformar e revender, a startup Toki foi criada há alguns anos para viabilizar a gestão de múltiplas reformas ao mesmo tempo.
Danilo Duarte, fundador da Toki, diz que a plataforma digital foi criada com base na experiência da empresa, que já realizou cerca de 300 reformas. Para ele, o que mais causa problemas em obras é a falta de planejamento, que gera retrabalho e pode reduzir a lucratividade do investidor. Com a plataforma, diz, é possível ter ganho de tempo de 30% na conclusão da obra.
“Recomendamos que o investidor pense numa reforma simples e rápida para que a venda também seja rápida. É preciso pensar em invenções que gerem valor em curto espaço de tempo. No geral, a pintura também é importante e de rápida realização. Em apartamentos antigos, as pessoas não gostam de ter problemas elétricos e hidráulicos. O acabamento também deve ser de boa qualidade, mas com cores neutras”, diz Duarte.
O professor doutor do departamento de economia da FEA/USP, Danilo Igliori, diz que o mercado imobiliário se formalizou como investimento há poucos anos, com a chegada de fundos imobiliários e a estreia de grandes companhias do setor na Bolsa de Valores. Apesar de o investimento em imóveis físicos ser uma prática crescente no País, não é possível avaliar o quanto isso gera de impacto aos preços de casas e apartamentos.
“É difícil medir precisamente, mas temos de olhar para o mercado imobiliário de forma dinâmica. Em qualquer mercado há oferta e demanda. A demanda se ajusta mais rápido do que a oferta, porque demora alguns anos para criar novos projetos. Se por algum motivo há aumento de investidor de forma rápida, pode haver impacto no preço. Mas a presença de investidores estimula a oferta. Ao longo do tempo, é importante ter investidores para a oferta se ajustar”, diz.
Prática comum nos EUA
Lucrar com a reforma de imóveis usados ou com propriedades compradas abaixo do valor de mercado para serem revendidos futuramente é comum nos Estados Unidos.
Segundo dados da consultoria ATTOM, o lucro médio obtido com a prática de comprar casas para reformar e revender por investidores americanos foi de US$ 68 mil em 2022, um salto de 13% em relação ao lucro médio de US$ 60 mil registrado em 2019 e de 40% ante 2012, quando o valor era de US$ 48,6 mil.
Uma a cada dez casas vendidas nos Estados Unidos foi comprada com finalidade de lucrar na revenda. Desde 2009, a margem de lucro nas operações, de 40%, vem caindo, mas ainda é de cerca de 30%.
No Brasil, o custo de construção também subiu nos últimos anos, mas a atividade de comprar e revender propriedades ainda se mantém lucrativa. Segundo o Índice Nacional de Custos da Construção (INCC), o custo das obras no País subiu 51% de janeiro de 2018 a janeiro de 2024, após crescimento perto de 10% ao ano em 2020, 2021 e 2022, principalmente por conta da pandemia de covid-19. Ainda assim, com o aumento de preços dos imóveis no período e o mercado aquecido pela queda da taxa de juros nos últimos trimestres, o retorno obtido na revenda de imóveis segue na casa dos 30%.
Preços baixos em leilões
O investidor pessoa física tende a encontrar imóveis com desconto em leilões. A depender do caso, o valor anunciado chega a ser até 70% inferior ao real. Essas propriedades são colocadas em leilão por bancos por causa da inadimplência dos donos e podem ser adquiridas por qualquer pessoa. Em média, segundo especialistas, o negócio é fechado com desconto de 30% em relação ao preço real. Com melhorias, como reformas simples, a margem de lucro pode ser ainda maior na revenda.
O leiloeiro Moacir de Santi, da Sodré Santoro, diz que houve aumento na procura por imóveis residenciais por investidores no último ano. Grande parte dos imóveis anunciados é, hoje, composta por apartamentos e casas. Apesar de não precisar a lucratividade possível com a compra e revenda de propriedades em leilão, De Santi garante que esse investimento em economia real é mais eficiente do que a renda variável.
“O retorno que o investidor que comprar imóvel em leilão para revender vai conseguir não seria possível em nenhuma aplicação financeira”, diz.
Já o fundador e CEO da Resale, Marcelo Prata, diz que, em média, os investidores que compram imóveis pela plataforma de leilões buscam alcançar uma rentabilidade de 30% sobre o capital investido, incluindo a compra do imóvel, regularizações necessárias e pequenas reformas.
“O interessante é que observamos uma entrada crescente de novos investidores nesse setor, em contraste com o passado, quando essas oportunidades eram acessíveis apenas a investidores experientes com amplos contatos entre leiloeiros. Para muitos, essa atividade se tornou um modelo de negócio, envolvendo a compra de dezenas e até centenas de propriedades”, afirma.
Para o presidente da Zuk, Henri Zylberstajn, o setor de leilões atrai investidores não só por conta dos preços com descontos de imóveis residenciais, mas também pelas facilidades viabilizadas pela tecnologia e pelo judiciário.
“Nos últimos anos, houve um movimento de profissionalização dos investidores de leilão. A Justiça passou a liberar provimentos para alienações judiciais eletrônicas, o que contribuiu muito com o ecossistema. Quem quer comprar imóvel em outra cidade hoje pode fazer tudo via internet”, afirma Zylberstajn.
Imóvel na planta
Outra prática conhecida de comprar imóveis para revenda é a compra na planta. Ao assumir o risco associado a atrasos na obra, o comprador obtém preços mais baixos do que em propriedades já construídas. Essa atividade acabou virando um negócio.
A Captal, especializada nesse tipo de operação, faz exatamente isso: usando análise de dados, identifica novos empreendimentos em áreas nobres ou estratégicas de São Paulo e faz ofertas para comprar participação no negócio, geralmente com grande desconto em relação ao preço final do empreendimento. A empresa funciona como um fundo, mas só faz negócios com empresas. Livre de impostos, a rentabilidade média com a prática é de 20%.
“O produto não é destinado ao investidor de varejo. Quem investe conosco são family offices, gestoras e fundos de investimentos. Como olhamos o mercado primário, sempre investigamos oportunidades no mercado secundário, mas tem sido uma conta muito difícil de fechar. Há uma série de ofertas de novos empreendimentos para o mercado econômico. Mas o foco principal é no mercado primário”, diz Leonardo Vianna, CEO da Captal.
Investidor que compra imóvel para reformar e revender pode ter lucro de 30%; entenda como funciona
Foto: Divulgação/Brise
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