Adaptação rápida ajudou as empresas em 2020
Assaí, Calçados Beira Rio, CBMM e Shell se superaram durante a pandemia
O ano que vai terminando deixará uma grande lição: é preciso estar preparado para as mais inesperadas e surpreendentes situações. Esse aprendizado vale para cada um de nós e certamente vale para as empresas também. Tanto na esfera privada quanto na profissional e corporativa, foi preciso viver um dia de cada vez e descobrir o caminho ao longo do percurso.
Um exemplo: as providências do Assaí Atacadista diante da pandemia envolveram nada menos que 270 ações, cada uma delas com potencial para gerar uma série de outros desdobramentos. Algumas dessas ações foram o afastamento imediato de 8% dos 45.400 funcionários (por integrarem os grupos de maior risco), mudanças nos protocolos de uso dos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e redução dos ciclos de limpeza dos ambientes.
“Tudo acontecendo ao mesmo tempo, nas mais diversas frentes, e num cenário de grandes incertezas, especialmente nos primeiros meses da pandemia”, lembra o presidente do Assaí, Belmiro Gomes. Apesar do receio natural, ele não deixou de comparecer ao escritório para liderar esse processo de adaptação. “Não podíamos reduzir o ritmo, pois pertencemos a um setor essencial para o abastecimento da população.”
Como o atacado é caracterizado por produtos de baixo valor agregado, o delivery não é uma opção viável. As compras continuaram sendo feitas de forma presencial. Hoje, o movimento na rede Assaí já voltou à normalidade, com mais de 30 milhões de pessoas circulando, a cada mês, pelas 180 lojas espalhadas pelo País.
Investimentos mantidos
O Assaí fechará 2020 com resultados surpreendentes: 30% de crescimento nas vendas – de R$ 30 bilhões para R$ 39 bilhões –, além do aumento de 10% no quadro de funcionários. Configura-se, assim, um ano de destaque na trajetória da empresa, mesmo levando-se em conta o ritmo acelerado desde que o Assaí passou a integrar o Grupo Pão de Açúcar, em 2008. No ano passado, o faturamento havia crescido 23% em relação a 2018.
O excelente desempenho em plena pandemia se explica por uma série de fatores. O auxílio emergencial do governo proporcionou uma renda mensal a muitas pessoas que não eram assalariadas e até então tinham uma entrada de dinheiro a conta-gotas, como ambulantes e pequenos comerciantes. Esses clientes puderam trocar as compras “miúdas” por compras maiores, mensais – e substituir várias idas a pequenos estabelecimentos por uma única visita a uma grande loja, como as unidades do Assaí.
“Estudei o período da gripe espanhola de 1918 para entender melhor o que estamos vivendo. Quando a crise passou, as pessoas queriam celebrar a vida, compensar tudo o que haviam enfrentado. Não vai ser diferente agora”
Belmiro Gomes, presidente do Assaí
“Uma decisão que se mostrou muito acertada foi manter os investimentos conforme estavam previstos”, observa Gomes. Das 25 novas lojas que estavam planejadas para 2020, 19 serão efetivamente inauguradas ainda dentro do ano. As outras serão adiadas por, no máximo, três meses – e apenas porque a pandemia reduziu a disponibilidade de alguns materiais de construção, como aço e fio de cobre.
O CEO do Assaí Atacadista também aposta na euforia pós-pandemia – ou seja, numa forte retomada impulsionada pelo controle da situação por conta das vacinas. “Estudei o período da gripe espanhola de 1918 para entender melhor o que estamos vivendo. Quando a crise passou, as pessoas queriam celebrar a vida, compensar tudo o que haviam enfrentado. Não vai ser diferente agora”, descreve Gomes.
Apoio à sociedade
No que diz respeito aos resultados dos negócios, a Suzano, eleita a primeira colocada no setor Papel e Celulose, também acabou beneficiada pelas circunstâncias, já que uma das consequências mais marcantes da pandemia foi o reforço dos hábitos de higiene. “Nesse sentido, nosso negócio nunca foi tão essencial para o Brasil e para o mundo”, diz Marcelo Bacci, diretor executivo de Finanças e Relações com Investidores.
A demanda por celulose e produtos sanitários, como papel higiênico, guardanapos e lenços de papel, foi fortemente ampliada. Cresceu também o consumo de papéis para embalagens, influência direta do avanço do e-commerce. Esses aspectos compensaram com folga a queda no consumo de papéis para imprimir e escrever, decorrente do fechamento de escolas, escritórios e outros estabelecimentos que utilizam esse tipo de produto.
“Esse conjunto de medidas ajudou a consolidar um dos três pilares culturais da nova Suzano: só é bom para nós se for bom para o mundo”
Marcelo Bacci, diretor executivo de Finanças e Relações com Investidores da Suzano
As vendas de celulose e papéis da companhia atingiram 9 milhões de toneladas no acumulado de janeiro a setembro, acréscimo de 22% em relação ao mesmo período do ano passado. E a receita líquida cresceu 18% no mesmo período, chegando a R$ 22,4 bilhões nos nove primeiros meses de 2020.
Além de todas as ações para cuidar dos funcionários ao longo da pandemia, a Suzano direcionou investimentos à comunidade. Ajudou na construção de um hospital de campanha na Bahia, participou de um grupo de empresas que viabilizaram o aumento da produção de respiradores no Brasil, doou máscaras e respiradores e criou programas de apoio a fornecedores e clientes, entre muitas outras ações. “Esse conjunto de medidas ajudou a consolidar um dos três pilares culturais da nova Suzano, criada no início de 2019 após a fusão entre Fibria e Suzano Papel e Celulose: só é bom para nós se for bom para o mundo”, diz Bacci.
Ciclos mais curtos
É claro que nem todas as empresas chegarão ao final de 2020 com resultados tão positivos como o Assaí e a Suzano, uma vez que a maioria dos setores registrou queda de demanda durante a pandemia.
Foi o caso da Calçados Beira Rio, fabricante de calçados femininos. A procura pelos produtos caiu drasticamente nos primeiros meses da pandemia. As pessoas, além de não saírem de casa com muita frequência, também focaram o consumo, devido às incertezas, nas compras essenciais – alimentos e produtos de higiene.
“O grande ensinamento da pandemia é que às vezes a gente fica se preocupando demais com o futuro, mas o que vale mesmo é o aqui e agora”
Maribel Silva, diretora comercial e de Marketing da Calçados Beira Rio
A produção da Beira Rio caiu pela metade e a empresa precisou desligar 1.500 pessoas – 15% da força de trabalho. Depois, aos poucos, a produção foi retomando o ritmo e as contratações voltaram a ser feitas. Hoje, a capacidade voltou ao patamar pré-pandemia – 450 mil pares por dia – e o número de novos funcionários contratados no período, 1.800, já superou o de demissões no início da crise. Ainda assim, o ano deve fechar com queda de 25% tanto na produção quanto no faturamento.
“O grande ensinamento da pandemia é que às vezes a gente fica se preocupando demais com o futuro, mas o que vale mesmo é o aqui e agora”, afirma Maribel Silva, diretora comercial e de Marketing da Calçados Beira Rio. Nesse desafio de se reinventar dia após dia, a empresa passou a oferecer produtos mais confortáveis, para usar em casa, além de priorizar os itens reconhecidamente de giro mais rápido. “Nossas vendas são para lojistas, que deixaram de comprar no mesmo volume de antes porque não sabiam em que ritmo conseguiriam revender. O ciclo se encurtou e tivemos que ser ágeis para nos adaptar”, descreve Maribel.
Visão de longo prazo
A Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM) também precisou ajustar a produção de nióbio à nova realidade trazida pela pandemia. “Para entender o quadro geral, entramos em contato com cada um dos nossos 400 clientes em mais de 40 países”, diz Eduardo Ribeiro, CEO do grupo.
Depois desse grande balanço, foi possível desacelerar o ritmo sem prejudicar qualquer cliente. A conclusão do projeto que viabilizará a ampliação da produção anual de ferro nióbio, de 100 mil para 150 mil toneladas, foi adiada de setembro para dezembro, em decorrência da redução pela metade da equipe de 2.300 pessoas que trabalhava em Araxá (MG).
“Nosso grande desafio para 2021 é voltar ao patamar de 2019”
Eduardo Ribeiro, CEO do grupo CBMM
Liderado pela CBMM, o combate ao coronavírus na cidade tornou-se um case de sucesso – Araxá foi um dos poucos lugares do País que adotaram o método de testagem em massa, recomendado por especialistas. Isso só foi possível porque a empresa enviou para a Secretaria Municipal de Saúde mais de 15 mil testes para a detecção da covid-19, sendo 10 mil RT-PCR, além de 2,5 mil EPIs para uso dos profissionais de saúde.
A CBMM deve fechar o ano com redução de 20% no volume vendido – foram 92 mil toneladas no ano passado. Graças à desvalorização do real, no entanto, a queda nos lucros ficará em torno de 4%. “Nosso grande desafio para 2021 é voltar ao patamar de 2019”, diz o CEO. Se tudo der certo, portanto, a pandemia terá representado para a empresa um “congelamento” de dois anos no processo de crescimento. Os impactos serão diluídos com o tempo, já que a CBMM tem reservas de nióbio para mais de 200 anos, considerando-se o ritmo atual de consumo.
Dias melhores virão
A Shell, primeira colocada entre os maiores grupos do País do Empresas Mais 2020, conseguiu controlar bem os impactos da pandemia em seu principal negócio no Brasil, a exploração de petróleo e gás natural em águas profundas. Os níveis de produção foram mantidos nos dois campos operados pela empresa.
“Este ano deixa, acima de tudo, um sentimento de muito orgulho da nossa força de trabalho. A adaptabilidade e a resiliência são os maiores aprendizados”
Glauco Paiva, gerente executivo de Relações Externas da Shell Brasil
“Este ano deixa, acima de tudo, um sentimento de muito orgulho da nossa força de trabalho. A adaptabilidade e a resiliência são os maiores aprendizados”, diz Glauco Paiva, gerente executivo de Relações Externas da Shell Brasil.
Num pronunciamento recente, o CEO global da empresa, Ben van Beurden, disse esperar uma recuperação gradual da economia ao longo de 2021 – não em formato de V, como os mais otimistas previam. Ele observou, no entanto, que a demanda por energia e combustíveis deverá dar um salto depois da pandemia.